“Se eu fosse administrador, numa operação como estas, diria que a responsabilidade era minha“. José Pedro Cabral dos Santos, que na altura dos créditos a Berardo era diretor de grandes empresas no banco público (só mais tarde também se tornou administrador), deixou no parlamento, esta segunda-feira, críticas muito diretas aos administradores (como Francisco Bandeira) que sugeriram que a responsabilidade deste crédito era de quem, alegadamente, o tinha “defendido”. Cabral dos Santos, o homem que veio ao parlamento fugir ao papel de bode expiatório, trouxe, até, uma carta de Berardo a pedir 350 milhões a Santos Ferreira, acusando o empresário madeirense de ter mentido no parlamento quando disse que foi a Caixa — e, especificamente, Cabral dos Santos — que lhe foi “bater à porta”.
Cabral dos Santos já tinha estado na comissão de inquérito da Caixa no dia 24 de abril, altura em que disse que “obviamente que o cliente José Berardo teve sempre um tratamento de grande atenção, de grande cuidado, de grande especialização e de grande proximidade”. Cabral dos Santos reconheceu, também, que tinha “apresentado” ao conselho alargado de crédito a proposta de crédito a Berardo, mas isso não é o mesmo que dizer que tinha “defendido” essa proposta.
Nas audições que se seguiram, ao longo das últimas semanas, esta nuance, entre “apresentar” uma proposta e “defendê-la”, tornou-se um ponto-chave da argumentação desenvolvida nesta comissão de inquérito à gestão do banco público entre 2000 e 2015. Francisco Bandeira, por exemplo, vice-presidente da Caixa, disse não perceber a diferença entre uma coisa e outra:
“Fiquei estupefacto com essa afirmação”, respondeu, à defesa, Francisco Bandeira, antes de prosseguir. “Para mim, quem apresenta as operações é porque as defende e acredita nelas. E quem pode dar luz verde é o administrador do pelouro”. “Está a desmentir Cabral dos Santos?”, insistiu Paulo Sá, deputado comunista. “Não disse isso. Quem tinha de ir a jogo era a pessoa que tinha o pelouro. As operações não são filhas de pai incógnito”, salientou o antigo responsável.
Ora, nesta segunda-feira, José Pedro Cabral dos Santos, mostrou também ter ficado surpreendido pelo facto de as coisas terem sido postas desta forma. Na sua ótica, o processo foi o seguinte: a equipa de Berardo procurou um crédito, a negociação foi tida e chegou-se a um ponto em que se percebeu que, até por outras eventuais ofertas que Berardo teria por parte de outros bancos, não era possível negociar mais. Portanto, diz Cabral dos Santos, chegou-se a um “meio termo” entre as condições que Berardo pedia e aquilo que a direção de risco recomendava.
E foi esse “meio termo” que foi proposto na reunião do conselho alargado de crédito. “A primeira decisão do Conselho Alargado de Crédito é uma decisão de meio-termo. Mas o cliente fez finca-pé e disse que não aceitava. Face a essa situação foi preciso decidir: ou se faz assim ou não se faz”, disse Cabral dos Santos. Ou seja, o antigo diretor mantém que não defendeu a operação, apenas a apresentou. Portanto, se a operação se fez não porque um qualquer diretor o decidiu — quem decide são os administradores, sublinha.
“Eu também fui [depois] administrador da Caixa — e eu nunca diria que aprovei uma operação de crédito porque fui influenciado por um diretor” [abaixo na hierarquia]. Isto é uma questão dos seus “princípios”, afirmou Cabral dos Santos, criticando os “jogos de palavras” feitos por outros inquiridos nesta comissão.
Estamos a falar de uma operação de 350 milhões de euros. Quando se tem de decidir se se faz ou não se faz, não pode ser só porque um diretor diz. O conselho é que tem de ver se a operação se faz ou não. Não estamos a falar de 35 milhões ou de 3,5 milhões. Estamos a falar de 350 milhões”, completa Cabral dos Santos.
O trunfo na manga. Uma carta timbrada da Fundação assinada por Berardo
Entre uma audição e a outra, Cabral dos Santos disse não ter “descansado” enquanto não encontrou uma evidência de que foi Berardo quem procurou a Caixa e não o contrário (como disse Berardo no parlamento, sugerindo que foi a Caixa — Cabral dos Santos — quem lhe foi bater à porta).
Ora, Cabral dos Santos mergulhou nos arquivos do banco público e encontrou uma carta de 10 de novembro de 2006, onde Berardo aparecia a pedir ao presidente do conselho de administração, Carlos Santos Ferreira, para apreciar uma operação de crédito de 350 milhões de euros para a Fundação Berardo. Foi esse pedido que seguiu de Santos Ferreira para o administrador Maldonado Gonelha que, depois, despachou então o tema para Cabral dos Santos, para que fosse preparado a fim de ser apresentado no conselho de crédito.
Terá, então, Berardo mentido nesta comissão de inquérito? “Eu não gosto de dizer que alguém mentiu, eu digo é as minhas verdades. Depois caberá a vós, deputados, tirar conclusões”.
“Eu nunca falei com o sr. José Berardo para lhe oferecer ou saber se ele queria crédito para ele comprar o que quer que fosse, através da Fundação. Agora, o sr. deputado sabe tão bem quanto eu como se podem fazer alguns jogos palavras: a minha intervenção é que quem envia o e-mail com a aprovação, depois de aprovada em conselho de crédito, sou eu. Eu, o que fiz, foi enviar o e-mail (nem foi ao sr. José Berardo, foi à equipa) com as condições em que foram aprovadas as condições”.
Houve tempo, ainda, para questionar Cabral dos Santos “afinal por que razão é que o primeiro empréstimo de Berardo junto CGD é feita através da Metalgest e, mais tarde, já surge um empréstimo através da Fundação José Berardo, uma IPSS?”. O deputado Duarte Alves, do PCP, ainda faz uma precisão: é que no primeiro empréstimo não surge como objetivo do crédito a compra de ações do BCP e no segundo sim.
“O balanço da Metalgest não suportava uma operação de 350 milhões de euros, uma vez que tinha um ativo de 224 milhões de euros. Já a Fundação José Berardo tinha ativos de 770 milhões de euros”, explicou Cabral dos Santos. “Se uma empresa com um ativo de 224 milhões pede um empréstimo de 350 milhões não lho dão, mas uma com ativos de 770…”. “Depreendo assim que a CGD alinhou nos estratagemas de José Berardo! Se não podia fazer pela Metalgest, não há problema, faz-se através da Fundação, uma IPSS”, contrapôs o deputado comunista.