O julgamento de Diana Fialho e do marido, Iuri Mata, vai continuar na próxima terça-feira, depois de um dia em que foram ouvidas cerca de uma dezena de testemunhas. O casal está acusado da morte da professora Amélia Fialho. A mulher de 59 anos terá sido assassinada por Diana, de 23 anos, e Iuri, de 27, a sua filha e genro. Respondem por um crime de homicídio qualificado e um crime de profanação de cadáver, enfrentando assim a pena máxima de 25 anos de prisão.
O julgamento arrancou esta manhã de quinta-feira, no Tribunal Judicial de Almada, com mais de uma hora de atraso (devido à greve dos funcionários judiciais). Assim que Diana Fialho entrou, a irmã da arguida chamou por ela e acenou. “Mana”, gritou entre lágrimas. Diana sorriu-lhe. A manifestação levou o presidente do coletivo de juízes, Nuno Salpico, a repreender a irmã da arguida: “A assistência tem de estar em silêncio não se pode manifestar”.
Ao longo da primeira parte da sessão, cinco pessoas foram ouvidas: João Carraça, primo de Amélia Fialho; Fátima Mira, a inspetora da Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal, que investigou o caso; Vítor Paiva, o diretor da PJ de Setúbal; Nuno Caseiro, dono do terreno onde o corpo da vítima foi encontrado; e a mãe da inquilina de um apartamento do qual Amélia Fialho era proprietária. A inspetora Fátima Mira fez revelações sobre o que viu na casa da família no momento das buscas — “Na varanda, havia roupa e sapatos com um cheiro a lixívia” — e o que se via nas imagens de videovigilância que captaram o casal a compra o combustível que terão usado para queimar o corpo de Amélia Fialho — “É a Diana que compra o isqueiro, sai e experimenta-o”. A arguida aproveitou o intervalo para falar para a irmã que se encontrava na sala de audiências. “Eu não fiz nada”, disse, começando a chorar.
Os arguidos fizeram a identificação — a fase a que são obrigados a responder e onde dizem a morada, estado civil, idade, etc. —, mas não prestaram declarações, o que não quer dizer que não o venham a fazer noutro momento, ao longo do julgamento. O advogado de Iuri informou o juiz que arguido estava sob efeito de medicação — razão pela qual não ia falar nesta sessão.
A primeira testemunha ouvida foi João Carraça, primo da vítima. “Fui eu que tive de tratar de todo o processo do funeral”, disse, detalhando que tinha um relacionamento pontual e distante com Amélia Fialho. João Carraça adiantou que nunca esteve em nenhum evento com Amélia e com os arguidos, nem sequer os conhecia. Ainda assim, confirmou que Amélia, nos últimos oito anos, “não vivia com mais ninguém”, além de Diana e Iuri.
No arranque da segunda parte da sessão, o casal, sentado ao lado um do outro esteve a trocar algumas palavras, pela primeira vez, mas pararam a pedido do advogado de Iuri.
“Na varanda, havia roupa e sapatos com cheiro a lixívia”, diz inspetora. Arma do crime nunca foi encontrada
A segunda testemunha foi Fátima Mira, inspetora da PJ, do departamento de investigação criminal de Setúbal. A inspetora esteve no local onde o corpo de Amélia Fialho foi encontrado. “Tratava-se de uma pessoa adulta, de baixa estatura, que podia ser do sexo feminino”, descreve. Fátima Mira relatou também o que encontrou quando fez buscas na casa da vítima. “Na varanda, havia roupa e sapatos com um cheiro a lixívia”, disse ainda, explicando que eram sapatos do Iuri e roupa de Diana. Questionada pelo procurador, Fátima Mira explicou que “no interior da casa, notava-se um cheiro muito ativo a incenso“.
Em casa não foram encontrados elementos pessoais da vitima: mala de mão, documentos pessoais, óculos, o telemóvel. Nunca os encontrámos”, disse.
Fátima adiantou que os arguidos foram vistos em imagens de videovigilância na bomba de gasolina onde terão comprado combustível e um isqueiro. A inspetora explicou que, nas imagens, a viatura não aparece.
O que aparece [nas imagens de videovigilância] são os dois arguidos a dirigirem-se à caixa. Posteriormente, Iúri desloca-se à bomba com um garrafão de cinco litros e abastece. Este abastecimento foi pago com cartão. É a Diana que compra o isqueiro, sai e experimenta o isqueiro”, disse.
A advogada de Diana Fialho, Tânia Reis, questionou a inspetora sobre se notou, durante as buscas, se alguém fumava na casa de Amélia Fialho. Fátima Mira explicou que não encontrou cinzeiros nem cigarros ou beatas, no lixo. A advogada alertou, no entanto, que tal não significa que os arguidos não fumassem noutros locais, como cafés.
Fátima Mira adiantou que a polícia encontrou sangue “no teto, no corrimão, numa máquina de costura” e ainda “papéis manuscritos assinados pela Diana”. A inspetora explicou que, realizados os exames, foi permitido concluir que o sangue era humano.
A inspetora explicou ainda que os óculos da professora Amélia, a carteira (exceto os documentos) e a arma do crime, terão sido atirados para o Rio Tejo da ponte Vasco da Gama. No entanto, estes objetos nunca foram encontrados — a PJ apenas calcula que estarão no rio uma vez que terá sido o próprio Iuri Mata a admiti-lo aos inspetores.
Iúri acompanhou a polícia numa espécie de reconstituição e terá dito que estava “arrependido”, segundo a inspetora. A inspetora explicou que os inspetores da PJ dirigiram-se à bomba de gasolina e o local onde terão arremessado os objetivos pessoais de Amélia, sempre por “indicação de Iuri”. A advogada de Diana Fialho, Tânia Reis, questionou a inspetora sobre se Iuri tinha sido informado sobre a possibilidade de ter um advogado na sua presença. Fátima Mira garantiu que sim — ao mesmo tempo, Iuri Mata negou, acenando com a cabeça.
“Houve um processo anterior, uma queixa apresentada pela mãe”.
Vítor Paiva, coordenador do departamento de investigação criminal da PJ de Setúbal, foi a terceira testemunha a ser ouvida — um testemunho muito curto. “Houve um processo anterior, uma queixa apresentada pela mãe, na PSP”, explicou Vítor Paiva, referindo-se a uma queixa de agressões. O coordenador confirmou o que a inspetora já tinha dito: que o carro onde terá sido transportado o corpo não aparecia nas imagens de videovigilância.
Nuno Caseiro, dono do terreno onde o corpo de Amélia Fialho foi encontrado, foi a quarta testemunha a ser ouvida. O homem disse que percebeu que se tratava de um cadáver assim que chegou ao local, depois de ter sido alertado para um incêndio que estaria lá a acontecer. “Tinha o terreno todo lavrado. Estranhei como é que podia ter lá um fogo”, admitiu.
A mãe da inquilina de um apartamento que Amélia Fialho tinha foi a quinta testemunha e a última da sessão da manhã. “A dona Amélia deslocava-se todos os meses ao apartamento”, explica, adiantando que, por volta de 2016, Diana Fialho e, por vezes, Iuri Mata, começaram a acompanhar a mãe nessas visitas para os pagamentos. A testemunha recorda que, em setembro de 2018, Diana Fialho e Iuri vieram a seu encontro e deram a entender que, naquele mês, queriam a renda mais cedo. “Para uma mãe desaparecida, não estava muito afetada”, afirma.
Maria da Conceição, prima da tia de Amélia, foi a sexta testemunha a ser ouvida — arrolada pelo advogado dos assistentes, Paulo Pinho. Recorda Diana como “rebelde”. Questionada pelo procurador, a testemunha, cozinheira de profissão acrescentou que deixou de ter contacto com a família, há cerca de uma década. A sétima testemunha arrolada pelo mesmo advogado foi Ermelinda Alves, ex-mulher de João Carraça — primo de Amélia —, com quem tem filhos. Está divorciada há 19 anos e desde aí que não via Amélia.
“Às vezes, havia nódoas negras”, conta professora e amiga de Amélia Fialho
Maria Sousa, professora de Física e Química na Escola Secundária Jorge Peixinho — onde a professora Amélia dava aulas da mesma disciplina. Foi professora de Diana Fialho e amiga de Amélia. É a nona testemunha a falar. “Como aluna era razoável”, descreve Maria Sousa, que conta um episódio em que Diana terá “manipulado” Amélia, devido a uma classificação de que não ficou satisfeita “ao ponto de colocar a mãe contra” Maria Sousa. “Essa situação quase acabou com essa amizade”, diz.
Maria Sousa explicou que a escola tomou conhecimento do desaparecimento através da publicação de Diana, no Facebook, onde dava conhecimento do desaparecimento da mãe. “Achei muito estranho esse texto porque o texto falava da mãe no passado e dizia coisas que a Amélia nunca faria na vida. Nós conhecíamos as rotinas dela”, disse. A professora recordou que Diana foi à escola falar sobre o alegado desaparecimento. “Como é que a arguida foi capaz de ir à escola, sabendo o que tinha feito”, disse.
A professora recordou “uma fase em que a Diana Fialho saiu de casa e foi viver com Iuri” e que, em algumas visitas de Amélia a casa da filha, lhe terá ligado “aflita”, devido a discussões que teriam acontecido. “Ás vezes tinha nódoas negras e com os olhos um bocadinho chorosos dizia que tinha sido em conflito com a filha. “Nestes últimos meses, antes de ela falecer, não era aquela Amélia. Tinha dores aqui, tinha dores ali, andava a tomar umas coisas”, adiantou, explicando que os conflitos aconteciam entre mãe e filha. “Eles exigiram independência financeira”, explicou a professora, pormenorizando que “eles exigiam uma mesada fixa”.
De acordo com a professora, Amélia costumava dizer: “Se algum alguma coisa me acontecer, pensem logo que os autores possam ser eles”, referindo-se à filha e ao genro. Maria Sousa garantiu ainda: “Ela de antemão já sentia medo“. A professora disse que Amélia, “quando sentia que as coisas estavam a correr bem, mudava o testamento”. Mais: chegou a confidenciar que Diana e Iuri “exigiam uma mesada fixa”.
“Infelizmente venho informar-vos que a minha mãe desapareceu”. A publicação no Facebook — o início de um caso
O caso é de setembro do ano passado. Diana Fialho, filha adotiva de Amélia, anunciou no Facebook, numa publicação feita às 23h29, que a mãe tinha sido vista pela última vez no dia 1 de setembro, sábado, entre as 21h00 e as 22h00. “Avisou que iria sair e desde então que não temos notícias dela. O telemóvel encontra-se desligado e não há meio possível de contacto”, lia-se na publicação que viria a despoletar um dos crimes mais mediáticos de 2018.
Três dias depois, o cadáver de Amélia apareceu carbonizado, em Pegões, a cerca de 40 quilómetros da sua casa, no Montijo. De acordo com a acusação a que o Observador teve acesso, Amélia terá sido drogada com comprimidos e acabou por desmaiar em cima de um cobertor, perto da sua cama, onde a cadela dormia. Com a professora desmaiada (ou já morta), o casal terá usado um martelo para a agredir violentamente no crânio e garantir que não acordava.
Segundo o Ministério Público, Diana e o marido “embrulharam o corpo de Amélia Fialho” naquela manta da cadela e transportaram o corpo “pelo elevador até à garagem onde colocaram o corpo na bagageira da viatura Opel Astra, habitualmente utilizado pelos arguidos” e que ainda se encontra num parque de estacionamento junto à casa da professora. Com o corpo na bagageira do carro, seguiram até Pegões.
Pelo caminho, ainda no Montijo, pararam para comprar gasolina, como se vê nas imagens de videovigilância de uma bomba a que a PJ teve acesso. Abandonaram o corpo embrulhado na manta num descampado e deitaram-lhe fogo, utilizando a gasolina para acelerar o processo. “Deslocaram-se até Pegões, a um terreno agrícola junto ao quilómetro 38,5 da Estrada Nacional Nº.4, onde colocaram o corpo da vítima e, com recurso à gasolina recém adquirida, atearam fogo ao cadáver da vítima, sem mostrar qualquer respeito pelo cadáver da mãe e sogra dos arguidos”, lê-se no documento.
A Polícia Judiciária não demorou nem 48 horas a deter os suspeitos. Os alegados assassinos deixaram um rasto. Dias antes terão procurado na internet “caminhos de terra batida” na zona e pesquisaram sobre “medicamentos que provocassem na vítima um sono profundo”. O casal foi ainda filmado, por câmaras de videovigilância, na bomba de gasolina onde compraram o combustível para queimar o corpo e na ponte Vasco da Gama, a partir da qual lançaram o martelo para o rio Tejo. Em 36 horas, a PJ tinha reunido provas suficientes para deixar o casal sem opção senão confessar o que aconteceu.
Do sangue no quarto ao martelo atirado ao Tejo. 36 horas para deter a filha e o genro da professora
A advogada da arguida, Tânia Reis, chegou a fazer um pedido de abertura de instrução — fase facultativa em que um juiz de instrução criminal decide se o processo segue para julgamento — para evitar que Diana Fialho fosse julgada. A defesa pedia a nulidade da acusação, alegando que o relatório da autópsia do corpo da vítima ainda não tinha sido anexado ao processo, “pelo que não há indícios de que os arguidos tenham praticado os factos”, lê-se no despacho de pronúncia a que o Observador teve acesso. Mas o juiz de instrução do Tribunal de Instrução Criminal do Barreiro, Carlos Delca, decidiu seguir para julgamento. Diana Fialho está em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Tires e Iuri Mata no do Montijo.
Filha e genro de professora assassinada no Montijo vão a julgamento