A chefe do executivo de Hong Kong, Carrie Lam, disse esta terça-feira que a lei da extradição, que provocou uma série de protestos por parte da sociedade do território, está “morta”. O principal grupo que está na base das manifestações nas últimas semanas em Hong Kong desvalorizou esta declaração e prometeu novas manifestações.

“Eu considero a lei da extradição morta”, disse Lam durante uma conferência de imprensa, acrescentando que os trabalhos de preparação desta medida foram “um completo fracasso”.

Lam não deixou claro se a lei vai ser completamente abandonada, conforme exigido pelos manifestantes, mas sugeriu que não pretende continuar com o processo. Além disso, a chefe do executivo anunciou a criação de um comité de investigação independente para supervisionar a ação da polícia durante os protestos que se verificaram na cidade durante o último mês e ainda o estabelecimento de uma plataforma para o diálogo com os opositores da lei.

Vou publicar o resultado deste relatório para que todos saibam o que aconteceu durante o último mês, as pessoas que participaram, tanto os manifestantes quanto os policias, poderão fornecer evidências sobre o que aconteceu”, disse Lam.

A chefe do executivo de Hong Kong assumiu “total responsabilidade” pela crise, mas não atendeu a uma das principais revindicações dos manifestantes – a sua demissão – e pediu “uma oportunidade, tempo e espaço” para devolver Hong Kong ao normal.

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No seu discurso, Lam dirigiu-se aos mais jovens, protagonistas dos protestos mais violentos: “temos que ouvir as gerações mais jovens e de diferentes setores para saber o que pensam”, disse, anunciando a criação de “uma plataforma para um diálogo mais aberto “com universidades e estudantes. O que aconteceu, reconheceu a chefe do executivo de Hong Kong, “mostra que existem problemas mais profundos que não devemos ignorar”.

Polícia de Hong Kong faz seis detenções no último protesto contra lei da extradição

Ao considerar como morta as emendas à lei, que permitiriam extraditar suspeitos de crimes para territórios sem acordo prévio, como é o caso da China continental, Carrie Lam alterou o que tem sido o seu discurso nas últimas semanas. Carrie Lam recusou-se sempre a retirar definitivamente a proposta de lei.

A chefe do executivo tinha suspendido de forma indeterminada e afirmado que se até julho de 2020, a proposta de lei não voltasse ao Conselho Legislativo [LegCo, parlamento local] o documento prediria validade.

“Em julho do próximo ano termina o mandato do atual Conselho Legislativo [LegCo, parlamento local]. O trabalho legislativo foi suspenso e não há um processo para ser retomado, para o qual não temos calendário”, afirmou Lam, em meados de junho, após um protesto violento no território, onde também voltou a pedir “as mais sinceras desculpas” à população pela crise desencadeada com as emendas à lei da extradição.

Os defensores da lei argumentam que, caso se mantenha a impossibilidade de extraditar suspeitos de crimes para países como a China, tal poderá transformar Hong Kong num “refúgio para criminosos internacionais”.

Os manifestantes dizem temer que Hong Kong fique à mercê do sistema judicial chinês como qualquer outra cidade da China continental e de uma justiça politizada que não garanta a salvaguarda dos direitos humanos.

A transferência de Hong Kong e Macau para a República Popular da China, em 1997 e 1999, respetivamente, decorreu sob o princípio “um país, dois sistemas”, precisamente o que os opositores às alterações da lei garantem estar agora em causa.

Para as duas regiões administrativas especiais da China foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, sendo o governo central chinês responsável pelas relações externas e defesa.

Ativistas prometam mais protestos em Hong Kong

Estas palavras “não significam nada de novo”, reagiu a porta-voz da Frente Civil de Direitos Humanos, Bonnie Leung, em conferência de imprensa.

Na opinião de Bonnie Leung, a líder do governo da antiga colónia britânica não garantiu que a lei vai ser completamente abandonada: “Lam ainda se recusa a dizer que remove a iniciativa”, afirmou.

“Se as nossas cinco exigências não forem ouvidas por Carrie Lam e pelo seu governo, a Frente Civil de Direitos Humanos continuará a realizar manifestações e comícios”, sublinhou a porta-voz.

A ativista exigiu a retirada definitiva do projeto de lei, a demissão de Carrie Lam, que os protestos não sejam identificados como motins, a libertação dos detidos e a abertura de uma investigação sobre a violência policial.

Esta última reivindicação já foi aceite pela chefe do executivo que, na sua declaração aos jornalistas, anunciou a criação de um comité de investigação independente para supervisionar a ação da polícia durante os protestos que se verificaram na cidade durante o último mês.

“Como é que o governo pode pedir aos manifestantes que respeitem o Estado de Direito, quando ele próprio não o faz?”, questionou a ativista.

Bonnie Leung criticou ainda a ação policial no último domingo, cujos agentes “se recusaram a mostrar os seus crachás de identificação ou usar uniformes no exercício das suas funções”.

Durante as manifestações de domingo, seis manifestantes, quatro homens e duas mulheres, entre os 20 e os 66 anos, foram detidos. Dos seis, um foi detido por se recusar a ser identificado e os restantes por “obstrução e agressão de um agente no exercício das suas funções”, adiantou a polícia de Hong Kong, em comunicado.

Desde o início dos protestos, a 9 de junho, registaram-se 71 detenções, sendo que 15 ocorreram após a invasão do parlamento no dia 1 de julho, segundo dados avançados pelo movimento pró-democracia à agência de notícias Efe.

A organização não-governamental Amnistia Internacional (AI) também já se pronunciou sobre as palavras proferidas esta terça-feira por Carrie Lam, considerando-as de “vagas”.

“A recusa de Lam em reconhecer as consequências fatais da lei extradição promete continuar a inflamar a situação em Hong Kong”, disse em comunicado o diretor da organização não-governamental em Hong Kong, Man-kei Tam.