O padre Ângelo Romano, que participou nas negociações de paz em Moçambique, disse este sábado que os moçambicanos nascidos após a guerra civil, metade da população total, foram e serão um “obstáculo” a eventuais tentativas de retrocesso no processo de paz.

Para aquele membro da Comunidade de Santo Egídio, o fator mais importante para o sucesso das negociações, e que “tem de ser considerado”, foi “a vontade de paz do povo moçambicano”.

“Neste momento, mais de 50% dos cidadãos moçambicanos nasceram depois da assinatura do acordo geral de paz de 04 de outubro de 1992. Então há uma nova geração que já não conheceu a guerra e não quer conhecer a guerra, não quer voltar para trás”, afirmou, em declarações à Lusa por telefone, a partir de Itália.

O padre Romano acrescentou: “Se alguém pensar em propor o conflito, vai encontrar esse obstáculo pela frente, que é uma geração que quer um país sempre mais moderno, mais avançado e com a sua dinâmica democrática normal”. Assim, na sua opinião, a vontade dessa geração foi um grande contributo para a paz e será no futuro uma guardiã dessa mesma paz.

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Esta quinta-feira, o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e o líder da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana, maior partido da oposiçãl), Ossufo Momade, assinaram um acordo de cessação de hostilidades, estando prevista para este mês a assinatura do acordo geral de paz final, que será depois submetido como proposta de lei ao parlamento.

Membro da Comunidade de Santo Egídio, o padre Ângelo Romano foi em 2016 um dos mediadores internacionais, tendo sido indicado pela União Europeia, e integrou uma equipa que trabalhou o diálogo entre o Governo e o maior partido da oposição em Moçambique, no sentido de encontrar o caminho para o país sair da crise que estava a viver.

“Uma crise muito séria”, descreveu, recordando que, na altura, o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, “que estava na Gorogonsa, recusava-se a voltar para Maputo”, além de que “havia ataques em muitas partes do norte e no centro do país, com mortes e problemas sérios”.

Para o responsável da Comunidade de Santo Egídio, “o trabalho feito naquela altura [pelos mediadores internacionais] foi o desencadeamento de uma dinâmica de diálogo, que se cumpriu depois, porque a partir de dezembro daquele ano o Presidente da República, Filipe Nyusi, tomou o diálogo diretamente nas suas mãos, sem mais ajuda dos mediadores internacionais”.

“A partir daí”, descreveu, “o diálogo foi gerido, completamente, pela Presidência da República e pela presidência da Renamo”, e com bons resultados.

Governo e oposição conseguiram atingir o principal objetivo, que era “a questão da reforma constitucional e da descentralização”, resolvendo aquela que “era a principal queixa da Renamo”, relatou.

Até ali, recordou o padre, Moçambique não tinha nenhuma forma de eleição dos governadores. “Então havia províncias onde a Renamo tinha sempre a maioria absoluta ou relativa, mas depois tinha sempre um governador nomeado pelo Presidente, do partido do Governo, da Frelimo”, referiu, admitindo que se tratava de uma “contradição a nível institucional” que “era um problema que devia ser resolvido”.

Na opinião do responsável da Comunidade de Santo Egídio – que já tinha estado envolvida no primeiro acordo de paz em Moçambique -, com “Dhlakama vivo, aconteceram avanços muito importantes no processo”.

Mas, sublinhou, Ossufo Momade, que sucedeu na liderança da Renamo a Dhlakama, falecido em maio de 2018, “também tomou bem o papel nas suas mãos”, porque “o perigo era de um sucessor que não tivesse a mesma autoridade, a mesma decisão em levar para a frente o diálogo”.

O representante da Igreja Católica ambém destacou “a ação positiva” do Presidente Niusy, que recusou “explorar a fraqueza da Renamo no momento da morte do Dhlakama”.

“Quis, sim, confirmar aquele que já era o acordo com Dhlakama, através do diálogo com a nova liderança da Renamo, o que foi efetivamente uma escolha muito positiva”, comentou.

O Governo moçambicano e a Renamo já tinham assinado, em 1992, um Acordo Geral de Paz, que pôs termo a 16 anos de guerra civil, mas que foi violado entre 2013 e 2014 por confrontos armados entre as duas partes, devido a diferendos relacionados com as eleições gerais.

Em 2014, as duas partes assinaram um outro acordo de cessação das hostilidades militares, que também voltou a ser violado até à declaração de tréguas por tempo indeterminado em 2016, mas sem um acordo formal.