Dizer-se que a gordura corporal pode estar diretamente ligada à genética de cada um não é nenhum achado científico recente. Há muito que se sabe disto e a verdade é que basta olhar à nossa volta para o perceber: há pessoas que são magras e até têm dificuldade em aumentar de peso – à semelhança dos pais ou avós, por exemplo – enquanto outras vivem agruras dentro de um corpo com excesso de peso, tal como outros familiares. De facto, a informação genética (ou genoma) que cada um traz consigo quando nasce – e que lhe foi passada pelos pais – pode ser determinante. Mas será que quem nasce com genes responsáveis pela obesidade tem de se conformar com eles? A evolução científica na área da epigenética diz-nos que não. E é aqui que se abre um novo caminho para todas as pessoas que sempre tentaram perder peso mas sem grandes resultados.

Sabe-se hoje que existem múltiplos fatores – por exemplo, ambientais – que interferem na forma como os nossos genes se expressam , isto é, como se manifestam. Mas para compreendermos melhor como é que isto pode ser usado por quem pretende emagrecer de forma saudável e segura entrevistámos Teresa Branco, especialista em gestão do peso e com experiência acumulada de vários anos a ajudar pessoas com excesso de peso no Instituto Teresa Branco.

Como é que os genes ajudam a perder peso?

“Imaginemos uma família com predisposição genética para o excesso de peso, em que todos os elementos apresentam genes ou mutações que o justificam. Ainda assim, é possível que alguns sejam magros. Porquê? Porque desde sempre adotaram comportamentos ou hábitos de vida que os protegeram, impedindo a manifestação da tendência genética.” É desta forma que Teresa Branco explica como a epigenética pode ajudar a perder peso. A boa notícia é que transpor este conhecimento para a vida de cada um é hoje possível. Como? Mediante uma análise feita a um conjunto de genes relacionados com o controlo do peso. Assim, a pessoa fica a conhecer a sua genética, podendo proteger-se da tendência para engordar, adotando os comportamentos adequados. “Já não passa por ser uma decisão meramente estética ou influenciada, porque toda a gente diz que tem de se comer de forma saudável, mas sim porque se sabe que é necessário contrariar uma predisposição genética que se tem desde o nascimento”, salienta.

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Com base nos resultados obtidos nesta análise genética, e tendo em conta outros parâmetros analisados (nomeadamente o estudo dos hábitos de vida), é proposta a abordagem alimentar ideal para a pessoa em causa, bem como o esquema de exercício físico mais adequado. São ainda propostas alterações de comportamento, sempre com o objetivo de melhorar a longevidade e a qualidade de vida.

Da análise à mudança – como se percorre este caminho

A análise que permite tudo isto é feita à saliva, pelo que é muito pouco invasiva. A saliva é recolhida no Instituto Teresa Branco e posteriormente enviada para um laboratório de genética. A recolha é antecedida por uma consulta de diagnóstico, na qual se percebe se este é o caminho mais indicado e em que são pedidas outras análises complementares, sendo também realizado um exaustivo inquérito sobre os hábitos de vida.

Por se tratar de uma análise complexa, o relatório demora entre três a quatro semanas a ficar pronto. Mas entretanto, na posse dos resultados das outras análises solicitadas, nomeadamente ao metabolismo e à composição corporal, é feita uma proposta de abordagem inicial.

Quando o relatório da análise genética chega, são feitas as adaptações necessárias às intervenções já iniciadas, nomeadamente no que diz respeito à dieta, exercício físico, toma de suplementos e alterações de estilo de vida, sendo que aqui se encontram os hábitos tabágicos, ingestão de cafeína, horas de sono e exposição ao stress, entre outros. Isto porque, segundo Teresa Branco, entre os 178 genes que compõem o painel analisado, “estão os genes melhor identificados pela ciência como estando relacionados com o excesso de peso ou obesidade”. “São genes que fazem com que metabolizemos menos bem os hidratos de carbono, as gorduras, a lactose ou o glúten ou que nos fazem demorar mais tempo a ficarmos saciados”, refere, sublinhando que este último aspecto “é muito importante, porque é a razão pela qual algumas pessoas têm muito mais fome que outras”. São ainda analisados genes responsáveis pela perceção de açúcar e sal, metabolização da cafeína e suscetibilidade de desenvolver adições, estando até incluídos genes que determinam a qualidade da pele, nomeadamente, “a tendência para ter estrias ou pele desidratada e flácida”.

Não se revelam diagnósticos, apenas predisposições

Um aspecto que Teresa Branco faz questão de realçar é que “aqui ninguém faz diagnósticos de doenças”. “Quando partilhamos com a pessoa o resultado da análise vamos fazê-lo sempre numa perspetiva de prevenção, ou seja, vamos referir a eventual maior predisposição para vir a desenvolver determinados processos inflamatórios, por exemplo, cardiovasculares, ou a maior predisposição para vir a ter o mau colesterol elevado e o bom em menor concentração”, esclarece.

A utilidade desta informação é grande, pois ainda que no momento presente a pessoa tenha umas análises ao sangue com resultados excelentes, fica a saber que tem predisposição para que não seja sempre assim. “Como consequência, a pessoa vai precaver-se e, em vez de continuar a comer sem pensar no assunto, vai passar a ter mais cuidado para continuar a ter sempre umas boas análises”, reforça a especialista que se tornou conhecida do grande público por ter participado como fisiologista do exercício no programa televisivo Peso Pesado.

No limite, a grande vantagem deste tipo de análise é que possa contribuir para alterar a informação epigenética, ou seja, a expressão dos genes, impedindo o desenvolvimento de algumas doenças, como diabetes, doenças cardiovasculares ou obesidade. Embora não possamos mudar a genética, podemos influenciar a forma como os nossos genes se manifestam. Se a informação epigenética gerada por hábitos saudáveis pode, ou não, ser transmitida às gerações futuras é algo que ainda está em investigação.

Ninguém tem culpa da sua genética

Uma das principais consequências positivas desencadeadas por este processo é, nas palavras de Teresa Branco, “a libertação da culpa”. “É retirada a culpa de cima das pessoas e isto é muito importante”, acrescenta, justificando com “a tendência que existe habitualmente para se apontar o dedo a quem é obeso ou tem excesso de peso, referindo que come demais ou que não consegue fechar a boca”. Ao saber-se que há uma predisposição genética há como que uma explicação, pois “estas pessoas têm predisposição para ser obesas e engordar mais facilmente, tal como outras pessoas são altas ou baixas, louras ou morenas”. “De uma maneira geral, toda a gente inflige culpa em quem tem excesso de peso, mas ninguém condena uma pessoa que tem outra doença crónica”, observa.

Mas se em termos psicológicos é relevante que se elimine a culpabilização, também é importante que não se caia na tentação de “ceder à fatalidade dos genes, ficando cheios de pena de nós próprios e não fazendo nada para mudar”. O ideal é usar o conhecimento adquirido como “um equipamento para a tomada de decisão, para que se tome as rédeas da situação”, destaca Teresa Branco. E quanto mais cedo se tiver conhecimento dessa predisposição, tanto melhor poderemos fazer uso dela. Isto é, tanto mais precocemente se irão adotar comportamentos protetores, selecionar os alimentos mais apropriados, praticar o exercício físico mais adequado, recorrer a técnicas de meditação ou relaxamento, não fumar, reduzir a cafeína e assim por diante.

Quem beneficia com esta análise?

Pelo que ficou exposto em cima, Teresa Branco não hesita em recomendar esta análise a “quem tem um sentimento de culpa muito grande em relação ao peso e vive rodeada de pessoas que permanentemente a acusam de não ter cuidado com o que come”. Porque a verdade é que “até quando procuram ajuda de profissionais é comum haver esta culpabilização, ninguém fala na predisposição genética e, de uma maneira geral, toda a gente inflige culpa em quem tem excesso de peso”, constata.

Por outro lado, a especialista vê também particular utilidade na análise genética quando em causa estão pessoas com dificuldade em emagrecer, que já tentaram diversas abordagens sem sucesso, ou que conseguem perder peso mas depois recuperam-no com facilidade.

Questionada sobre se toda a gente é elegível para realizar esta avaliação, a responsável do Instituto Teresa Branco, autora de diversos livros sobre o assunto, responde afirmativamente, incluindo também “adolescentes com forte predisposição para engordar”. “Depois de bem informados sobre o alcance da análise, e havendo total conivência do próprio adolescente e dos pais, creio que pode ser uma informação muito útil, até porque permite que atuemos ao nível da prevenção”, afirma.

Análise que complementa outras intervenções

De acordo com Teresa Branco, uma das enormes mais-valias de se recorrer a esta análise é a possibilidade de a usar para reforçar “uma abordagem complementar, aliando-a a outros meios complementares de diagnóstico e intervenções”. “Permite-nos conhecer bem as pessoas que nos procuram e trabalhar cada vez mais na prevenção, intervindo de forma muito específica”, sublinha.

Assim, e tendo em conta que no Instituto Teresa Branco estão disponíveis diversas abordagens com o objetivo de ajudar a controlar o peso e a encontrar bem-estar, a responsável refere que “a ideia é termos cada vez mais um maior conhecimento sobre a especificidade do organismo”. Além de disporem de equipamento inovador que permite medir o metabolismo e recorram a análises que visam compreender – e equilibrar – a composição hormonal, o objetivo último é sempre juntar toda a informação e “trabalhar em complementaridade”.

Perder peso sim, mas com saúde e qualidade

Teresa Branco chama a atenção para a necessidade de se fazer “bom uso da informação que resulta desta análise”. Com efeito, de pouco serve ter acesso a inúmeros dados se depois não for feita uma interpretação correta e, sobretudo, se tal não resultar numa abordagem adequada à pessoa em causa. “Por vezes, banalizam-se estes procedimentos e a análise destes dados não é potenciada numa prescrição”, lamenta, recordando a importância de “um bom acompanhamento”.

Para que tudo corra bem e se consiga perder peso com saúde e qualidade, é necessário que esse acompanhamento seja feito por uma equipa que inclua nutricionistas, fisiologistas do exercício, clínicos especialistas em metabolismo e em perfil hormonal e ainda psicólogos, para a eventualidade de haver necessidade de tratar questões deste foro. “Enquanto seres temos várias dimensões e a genética é mais uma área de intervenção que nos pode ajudar a sermos mais assertivos”, frisa.

Quanto à duração do acompanhamento, explica que “em média, as pessoas devem estar cerca de seis meses a fazer uma intervenção deste género, mas depende muito da quantidade de peso a perder, da idade e das questões emocionais associadas”.

Teresa Branco enfatiza que “uma perda de peso de qualidade requer tempo”. Mas o que significa isso na prática? “Qualidade é eu perder apenas massa gorda e preservar ou aumentar a massa muscular; é ter a certeza que o meu metabolismo fica controlado e até aumentado face ao início do programa; é ter a certeza que as minhas análises estão bem melhores do que estavam quando comecei o programa e que os fatores que estavam alterados estão agora controlados”, responde-nos, reforçando que “isto não se faz em pouco tempo”. “A grande vantagem disto é eu passar a ter muito mais capacidade para controlar e manter o meu peso no futuro”, remata.

Grupo de Estudo

Atualmente, o Instituto Teresa Branco está a avaliar os resultados desta análise num grupo de pessoas em Portugal, sob a forma de projeto de investigação, ao mesmo tempo que aplicam o procedimento em consulta. “Olhando para os resultados das análises destas pessoas, nem todas têm predisposição para ganhar peso, mas todas revelam alterações genéticas em áreas que podem ser importantes trabalhar e precaver, caso assim o entendam”, diz Teresa Branco. O programa implica várias rondas de consultas, iniciando-se com o diagnóstico e recolha da saliva, continuando com a apresentação de propostas de abordagens individuais — no que diz respeito à alimentação, exercício físico e outras dimensões — e respetivo acompanhamento.

Até ao momento, os resultados do estudo têm sido muito positivos, possibilitando a recolha de dados muito importantes para o desenvolvimento desta área de intervenção.