A 22 de agosto de 1999, há precisamente 20 anos, os Estados Unidos tiveram a certeza de que o futuro do país no atletismo continental, mundial e olímpico estava assegurado e seria glorioso. No mesmo dia, nos Mundiais que nesse ano decorreram em Sevilha, Marion Jones venceu a final feminina dos 100 metros e Maurice Greene ficou em primeiro na final masculina dos 100 metros. Os dois jovens atletas, cuja estreia olímpica só aconteceria no ano seguinte em Sydney, conquistaram em conjunto cinco medalhas — Jones ainda foi bronze no salto em comprimento antes de se lesionar durante a final dos 200 metros, Greene também foi ouro nos 200 metros e na estafeta 4×100 — e depressa começaram a carregar nas costas os títulos de homem e mulher mais rápidos do mundo. Há 20 anos, o percurso de Marion Jones e Maurice Greene prometia ser histórico, vitorioso e sempre paralelo. Até que o doping os separou.
Em 2000, nos Jogos Olímpicos que decorreram em Sydney, Marion Jones foi campeã olímpica nos 100 e 200 metros, na estafeta 4×400 e ainda conquistou medalhas de bronze no salto em comprimento e na estafeta 4×100. Mesmo sem ter conseguido os cinco ouros que havia prometido na antecâmara dos Jogos, a campanha olímpica da norte-americana foi mais do que bem sucedida e adivinhava uma carreira de sucesso: só que aquele que seria o início do fim já tinha acontecido. Poucas horas depois de Jones ganhar a primeira medalha na Austrália, o então marido da atleta, C. J. Hunter, que participava no lançamento do peso e tinha desistido dos Jogos por alegadamente estar a sofrer com uma lesão no joelho, apareceu no centro de um escândalo de doping — o Comité Olímpico Internacional anunciou que o atleta tinha chumbado em quatro controlos antidoping antes dos Jogos e testado positivo quanto ao uso de esteroides. Hunter negou e Marion Jones, dois anos mais tarde, citou o resultado positivo do ex-marido como o principal motivo para o divórcio que ficou finalizado em 2002, já que, segundo a atleta, “manchou a imagem dos dois”.
Meses depois, Jones começou a namorar com Tim Montgomery, também ele velocista, e foi mãe pouco mais de um ano depois de se divorciar. Falhou os Mundiais de 2003 devido à gravidez mas preparou-se para os Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas, onde não conseguiu mais do que um quinto lugar no salto em comprimento — numa prestação que a própria descreveu como sendo “extremamente decepcionante”. No final desse ano, já depois de Tim Montgomery ser acusado de utilizar doping, o céu desabou sobre Marion Jones. Victor Conte, o fundador da BALCO, uma empresa que oficialmente fazia análises ao sangue e à urina mas que estava acusada de fornecer substâncias proibidas a centenas de atletas, deu uma entrevista à ABC onde garantiu que tinha dado pessoalmente à atleta quatro tipos diferentes de drogas para a melhoria da performance — antes, durante e depois dos Jogos Olímpicos de Sydney. As declarações de Conte deram origem a uma extensa investigação por parte de dois jornalistas de S. Francisco, Lance Williams e Mark Fainaru-Wada, que acabaram por descobrir provas de que Jones tinha recebido substâncias proibidas por parte da BALCO e obtiveram o testemunho de C.J. Hunter, que garantiu ter visto a ex-mulher a injetar-se na barriga durante os Jogos de 2000.
A atleta negou todas as acusações e contou com o apoio da opinião pública: Marion Jones era extremamente popular na altura em que o escândalo rebentou, tinha a alcunha de “namoradinha da América” e ninguém acreditou que as alegações fossem verdade. Em outubro de 2007, três anos depois de ter garantido sob juramento que nunca tinha utilizado substâncias proibidas, a norte-americana convocou uma conferência de imprensa, admitiu que mentiu, revelou que se iria retirar de forma imediata da competição e reconheceu que usou doping antes, durante e depois dos Jogos de Sydney. “É com uma enorme vergonha que me coloco à vossa frente para vos dizer que traí a vossa confiança. E têm o direito de ficar chateados comigo. Desiludi o meu país e desiludi-me a mim mesma”, disse Jones, em lágrimas. Um ano depois, foi condenada a seis meses de prisão por ter mentido sob juramento e pela fraude relacionada com o doping — saiu da prisão em outubro de 2008 e deu uma entrevista a Oprah Winfrey poucos dias depois, onde garantiu que teria conquistado todas as medalhas de ouro de 2000 mesmo sem substâncias proibidas.
Marion Jones perdeu todas as medalhas que conquistou a partir de 2000, incluindo as cinco olímpicas que ganhou na Austrália, e o palmarés atualizado da norte-americana indica agora que o último ouro que ganhou foi há 20 anos, nos Mundiais de Sevilha, quando se assumiu como a grande promessa que já era certeza no atletismo internacional. Atualmente com 43 anos, Jones podia ser uma das maiores da história. Ao invés disso, é uma das maiores fraudes da história.
Flashback novamente para 1999 e para o dia 22 de agosto. Final masculina dos 100 metros, vitória de Maurice Greene, recorde do mundo. No ano seguinte, nos Jogos Olímpicos de Sydney, o atleta natural do Kansas conquistou a medalha de ouro nos 100 metros e também na estafeta 4×100 metros, assumindo com provas dadas a classificação de homem mais rápido do mundo. Depois de voltar a ser o primeiro a chegar à meta na prova rainha do atletismo nos Mundiais de Edmonton, em 2001, preparou-se para os Jogos de Atenas com a noção clara de que seriam os últimos em que participaria. Conquistou a prata na estafeta 4×100, perdendo o primeiro lugar para a Grã-Bretanha, e ainda o bronze nos 100 metros, onde foi dois centésimos mais lento do que Justin Gatlin e um mais lento do que Francis Obikwelu, que ficou com a prata. Em fevereiro de 2008, a meses dos Jogos de Pequim, anunciou que se iria retirar devido às lesões com que lutava há vários anos e dedicar-se aos negócios que já mantinha e à carreira de treinador.
Foi em abril desse ano, dois meses depois de Maurice Greene se reformar, que os caminhos entre o atleta e Marion Jones quase se cruzaram novamente. Nessa altura, o New York Times publicou uma reportagem onde alegava que Greene tinha pago 10 mil dólares ao mexicano Ángel Guillermo Heredia, também ele atleta olímpico mas do lançamento do disco — no artigo do jornal norte-americano, Heredia garantia que a quantia lhe tinha sido entregue em troca de substâncias proibidas para a melhoria da performance. Em resposta à notícia, Maurice Greene confirmou que se encontrou com o mexicano, confirmou que pagou 10 mil dólares mas defendeu que era comum, na altura, ser ele a pagar por “coisas” para outros membros da equipa olímpica e reiterou que nunca utilizou doping. Ao contrário do que aconteceu com Marion Jones, o caso não deu origem a uma investigação e Greene nunca teve de responder pelo episódio.
De lá para cá, o antigo atleta participou na versão norte-americana do programa “Dança com as Estrelas”, integrou o reality show “Blind Date”, onde teve vários encontros com mulheres que nunca tinha conhecido e ainda apresentou um programa em nome próprio, “Greene Light” na Eurosport, onde recebia ex-estrelas do atletismo. Atualmente com 45 anos, Maurice Greene é uma personalidade de televisão nos Estados Unidos e já poucos se lembram de que também foi acusado de usar doping. Alegações à parte, a verdade é que o atleta seguiu um percurso diferente do de Marion Jones e é hoje uma figura diferenciada daquela que, um dia e tal como ele, foi considerada o futuro do atletismo mundial.