Foi apresentado pelo “reitor” da universidade de verão do PSD como “um homem notável, socialista ilustre e português do melhor que temos”. Depois dos elogios de Carlos Coelho, que antes já tinha recebido das mãos do convidado um diploma de “Senhor Schengen”, assinado por comissários europeus a agradecer o trabalho que fez na área do espaço Schengen, seguiram-se muitos outros, mais rasgados ainda, por parte dos alunos que lhe dirigiram perguntas: “Pessoa distinta de outro partido que teve a grandeza de estar aqui presente”, “homem exemplar” com um “percurso que fala por si” ou um “quadro notável do PS”. O socialista António Vitorino, que é desde 2018 secretário-geral da Organização Internacional das Migrações, foi recebido de braços abertos na universidade de verão do PSD, e até o grupo de alunos responsável pelo acolhimento do convidado era, por coincidência, o grupo cor de rosa (cor do Partido Socialista).
O acolhimento foi tal que o ex-ministro de António Guterres, também ex-eurodeputado socialista e comissário europeu, retribuiu os elogios — não ao atual PSD mas ao “governo anterior” do PSD/CDS (“lembram-se dele?”, ironizou), por não ter caído na tentação de “estigmatizar os imigrantes” nos tempos difíceis da troika e da austeridade, como outros países mais prósperos do que Portugal acabaram por fazer. O “elogio tranquilo” e a “homenagem” que quis deixar ao governo de direita, mas também à sociedade civil e aos autarcas que contribuíram para essa realidade de não-discriminação, contrastaram, contudo, com a crítica que o socialista fez de seguida à “notória insuficiência de recursos e de resposta por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras” que existe nos dias de hoje e que está sob a alçada do atual governo do PS.
“Quando foi a crise de 2011, confesso que o meu grande medo era que houvesse a tentação de se gerar um clima que levasse a que os imigrantes fossem as principais vítimas da austeridade. E que houvesse uma política que penalizasse ou estigmatizasse os imigrantes”, disse, congratulando o governo anterior por ter tido essa “prudência”. Antes, já António Vitorino tinha aplaudido o facto de, em Portugal, as migrações não serem um fator de divisão entre os diferentes partidos políticos — “não precisamos das migrações para nos desentendermos” — coisa que Vitorino espera que se venha a manter depois das eleições que se avizinham.
O mesmo tom de homenagem já não se verificou quando António Vitorino foi questionado por um dos jovens social-democratas sobre se as respostas do Estado português ao problema das migrações têm sido suficientes ou se é preciso mais medidas legislativas. Aí, Vitorino disse que, apesar de a resposta ser globalmente “positiva”, já que não temos em Portugal um problema de acolhimento, “obviamente que já todos percebemos que há uma insuficiência muito grande de recursos e de resposta por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”. “Isso é público e notório, e mais do que medidas legislativas o essencial é garantir capacidade de resposta do ponto de vista administrativo”, concretizou, deixando dessa forma escapar uma crítica à capacidade de resposta e de alocação de recursos do Estado português a esta matéria, que é da responsabilidade do atual governo de António Costa.
Numa intervenção muito centrada no desenho global das migrações na Europa e no mundo, António Vitorino admitiu, de resto, que a mensagem dos políticos populistas sobre o tema “tem sido eficaz, porque é simples”, pelo que é preciso “desmonta os argumentos dos que diabolizam os imigrantes”, da mesma forma que é preciso tirar peso às redes sociais, em grande medida responsáveis pela “polarização exacerbada” que diz existir sobre o tema. “A vida não se pode resumir a um ‘like’ ou a um ‘dislike’”, disse, pedindo mais do que apenas esses dois extremos no acolhimento a pessoas que abandonam os seus países.
Em jeito de provocação, uma aluna ainda questionou António Vitorino sobre se se arrependia de não se ter candidatado ao lugar de José Sócrates na liderança do PS, mas o convidado socialista fugiu à questão com um fado famoso: “De quem eu gosto, nem às paredes confesso”.
A verdade é que António Vitorino não se deslocou ao palco de verão do PSD para falar de Portugal, nem tão pouco para envergar a cor socialista. “Então deu-me um trabalhão enorme ser eleito secretário-geral da Organização Internacional das Migrações (OIM) para agora voltar a meter-me nisto?”, ironizou a dada altura durante o jantar-conferência. Quanto à cor da equipa que o recebeu (que até coincidia com o rosa da gravata do reitor Carlos Coelho), também não era preciso: a cor da OIM é o azul, não o cor de rosa.