Chegou meia hora atrasado a uma das salas na Alfândega do Porto, onde o esperavam mais de 300 pessoas com o programa eleitoral do PSD debaixo do braço, muitas de pé e outras sentadas no chão. O trânsito foi a razão do atraso de Rui Rio, mas mal subiu ao palco, onde já tinham discursado Joaquim Sarmento, mandatário nacional, e David Justino, presidente do Conselho Estratégico Nacional (CNE), disse: “Tenho aqui a frente uma geringonça que não preciso para nada, vou meter no bolso”, referindo-se a um aparelho pequeno e arrancando muitas gargalhadas na plateia.

Na apresentação do programa eleitoral do PSD para as próximas eleições legislativas, aprovado em julho com 17 abstenções e constituído por 120 páginas, Rio destacou algumas medidas na economia, no ambiente e na justiça, mas deixou claro que “mais importante que estas ou outras ideias é a vontade de as fazer”. O candidato diz que, acima de tudo, importa “a coragem de afrontar os interesses instalados e uma coragem ligada do um certo desprendimento do poder, é isso que eu tenho e sempre tive.” O líder dos sociais democratas revelou que não está na política “por uma ambição de carreira”, pois essa “está praticamente feita”, ou por “uma vaidade pessoal”, coisa que “nunca teve”, mas para servir o país.

“Aquilo que a 6 de outubro os portugueses vão ter de escolher, quando olharem para a folha e tiverem que por uma cruz no PS ou no PSD para quem vai liderar o próximo governo, têm de olhar para as ideias, mas acima de tudo, quem é que fala e quem é que faz, quem tem o perfil, a coragem e o desprendimento para mudar Portugal.”

Afirma que mesmo que “nunca” concorreu para sondagens. “Há muita gente que anda aqui, na política, só em torno daquilo que são as sondagens que vão saindo, as de encomenda ou as sem ser de encomenda.” Para o líder laranja, isso não é estar na política. “Estar na política é ir a eleições, ganhar ou perder, e se ganhar honrar os compromissos, principalmente aqueles que estão escritos no nosso programa.”

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Do programa eleitoral para governar Portugal nos próximos quatro anos, destacou alguns pontos e não poupou críticas ao atual Governo. “Assistimos a uma degradação brutal nos serviços públicos em Portugal”, começou por dizer. “O PS nas duas últimas legislações falhou francamente. Sócrates falhou nas finanças públicas e António Costa falhou nos serviços públicos. Isto é notório, nunca houve uma degradação tão acentuada nos serviços públicos.”

No entanto, Rui Rio rejeita a afirmar que os serviços públicos “nunca estiveram tão mal”. “Não vamos exagerar, o que eu estou a dizer é que o nível de degradação de comparação entre 2015 e 2019, nestes quatro anos houve uma degradação como antes nunca tinha havido em quatro anos”, esclarece.

Para o PSD este cenário reflete-se “particularmente” na saúde, “nas listas de espera, na falta de médicos de família, na falta de investimento e na falta de manutenção”. O líder da oposição acredita que a constituição não está a ser cumprida, uma vez que esta dita que a saúde tem de ser de acesso a todos e tendencialmente gratuita.

“É por isso que em Portugal há 2,7 milhões de apólices de seguro, justamente porque não há acesso, caso contrário as pessoas não precisavam de ter um seguro de saúde para nada.”

Um novo modelo de gestão dos hospitais com objetivos marcados e mais autonomia e responsabilidade para os conselhos de administração dos hospitais são outras medidas que o PSD defende, assim como a não rejeição de parcerias público-privadas.

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Mais transparência no sistema político e na justiça

O candidato defendeu ainda que é “absolutamente vital” reformar o sistema político, através da implementação de regras obrigatórias de rigor e transparência no funcionamento dos partidos. “Estamos a implementar essas regras cá dentro [no PSD], com muita dificuldade, mas estamos a implementar. Acho que todos os partidos têm esse dever.” Rui Rio sublinha que os partidos vivem hoje “em larguíssima medida do dinheiro do Orçamento do Estado”. Este financia os partidos nas campanhas eleitorais e o seu funcionamento, o que na opinião do líder do PSD é positivo. “Agora aquilo que não está bem é quando os partidos depois não têm no seu funcionamento a transparência e democraticidade interna que se impõe e que leva a poderem merecer ou não esse dinheiro que os portugueses lhes dão.”

Também na justiça Rio criticou a falta de transparência, mas também de gestão, eficácia e celeridade do sistema. “Ouvimos todos os dias muitas notícias sobre a justiça, vemos todos os dias muitas condenações, mas na praça pública.” Para o presidente do PSD existe “muita quebra do segredo de justiça” e “muita retórica” de que a corrupção está em todo o lado. “A canção dizia ‘em cada esquina, um amigo’, as notícias dizem ‘em cada esquina, um corrupto.” O social democrata acredita que há “muito barulho”, e “muitos anúncios de investigações”, mas que depois não se traduzem em julgamentos em tribunal, afirmando que o julgamento é feito em “tabacarias, quiosques e ecrãs de televisão”. “Quando vemos casos como o caso BES, PT Banif, Berardo, Sócrates ou Caixa Geral de Depósitos, estamos todos à espera que vão efetivamente a tribunal fazer o devido julgamento.”

O combate à corrupção é uma prioridade e, por isso, Rui Rio lembrou uma proposta do partido que “acolheu muitas criticas”, aquela que sugere que o Conselho Superior do Ministério Público deve ser “um órgão mais transparente e democrático”, sendo “maioritariamente constituído por personalidades da vida nacional que não sejam magistrados”. “Temos entregue o conselho ao cooperativismo”, concluiu.

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Sobre as propostas para a economia, Rio voltou a reiterar que o principal objetivo do partido é ter melhores empregos e melhores salários, através de um quadro macroeconómico “prudente”, que é o casamento perfeito entre a “ambição e a prudência”. Reduzir a carga fiscal, reforçar o investimento público e a poupança e conter o crescimento da despesa corrente foram outras das metas sublinhadas.

Rio mostrou uma grande preocupação pelas questões ambientais e alertou para a necessidade de se tomarem medidas concretas porque “não há planeta B”, concordando, assim, com uma frase que consta num cartaz do Bloco de Esquerda. Referiu ser “fundamental” o programa de promoção de energias renováveis e chamou a atenção para se “fazer bem feito” e não com “negócios onde alguns ganham muito dinheiro”, frisou. Ainda na pasta do ambiente, o PSD defende a criação de planos municipais para a descarborização, impondo metas aos municípios, e legislação que “obrigue os planos diretores municipais a terem mais espaços verdes nos centros urbanos”.

“Um programa que não promete tudo a todos”

Depois de Joaquim Sarmento, mandatário nacional, ter apresentado o cenário macroeconómico do partido, foi a vez de David Justino, presidente do Conselho Estratégico Nacional, subir ao palco para dizer que o programa eleitoral recebeu contribuições “de mais duas mil militantes e independentes” do PSD, “que mesmo não sendo militantes quiseram ajudar, colaborar e participar neste processo”, iniciado há um ano e meio atrás. Um trabalho que, segundo o vice-presidente, significou “algo novo que aconteceu no PSD”. Justino revela que este “foi o regresso de muitos que estavam afastados da vida partidária, mas que entenderam que era altura de dar o seu contributo e o seu conhecimento, alguns mantendo o seu estatuto de independentes”.

Para o coordenador, o programa combina “visão e ambição”. “Visão porque projetamos o que ambicionamos, ambição porque somos suficientemente prudentes para que a ambição não nos cegue e possamos criar um caminho, uma estratégia para o país que permita sair desta estagnação em que praticamente vivemos.” Justino fala de uma “ambição prudente” e diz mesmo que as propostas do PSD para os próximos quatro anos podem funcionar como um despertador para a realidade.

“Este é um programa que permite acordar a esperança, que nos permite sair deste sono em que vivemos, que de vez em quando é interrompido sobressaltadamente por algumas insónias de desassossego socialista. Seria bom que pudéssemos dormir mas, acima de tudo, que pudéssemos acordar desta letargia em que vivemos e destes soporíferos que todos os dias nos chegam pelos mais variados meios.”

Ao contrário das criticas apontadas por António Costa, “que ao enganar-se, enganou também os portugueses”, David Justino afirma que “este é um programa que não promete tudo a todos” e “tem a visão e ambição que o programa do PS não tem”. “É necessário que a partir daqui consigamos perceber que nem tudo é igual, que há diferenças marcantes, não só na forma como encaramos o futuro, mas na forma como encaramos os portugueses.”