Há novos relatos de moderadores de publicações do Facebook com problemas de saúde mental por causa do seu trabalho. De acordo com o que apurou o jornal britânico The Guardian, mesmo depois de mudanças na política de apoio aos colaboradores que executam estas funções, alguns dizem-se “viciados” nas imagens ofensivas que tanto tentam combater nas redes.

A investigação conduzida pelo jornal britânico através de ex-moderadores da sucursal de Berlim descobriu exemplos de pessoas que criaram uma coleção pessoal deste tipo de vídeos. Também passaram a ter posições próximas da extrema-direita devido à quantidade de discurso de ódio e fake news aos quais são submetidos todos os dias.

Os trabalhadores descrevem um volume de trabalho acima do indicado, dizem-se embrutecidos  pela violência, pela nudez e pelo bullying aos quais assistem durante oito horas por dia. Também se queixam de ser pagos “praticamente pelo mínimo”.

Os trabalhadores citados na reportagem solicitaram anonimato, porque assinaram uma cláusula de confidencialidade quando começaram a trabalhar no Facebook. Entre os casos relatados, os moderadores do Facebook realçam as conversas entre “senhores ricos e brancos da Europa e dos EUA com crianças das Filipinas”. E 90% destas conversas são “sexuais”, acusam. Também reportam a troca de “fotos sexualizadas por 10 ou 20 dólares”.

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“Percebe-se mais sobre a sociedade que estamos a construir todos os dias”, relatou um dos moderadores, classificando as conversas como “agressivas e arrepiantes”. “Acho que há uma violação dos direitos humanos. Não se pode pedir a alguém que trabalhe rápido, trabalhe bem, e veja imagens ofensivas. As coisas que vemos não estão corretas”, acrescentou outra moderadora.

Os moderadores apelaram à criação de novas regras específicas para esta função, salientando que “é um trabalho completamente novo”. “É basicamente uma experiência”, dizem.

Outro dos efeitos também relatados pelos trabalhadores foi o aumento do medo. “Descobri um colega que andava à procura, para comprar online, um Taser [arma não-letal de descarga elétrica], porque começou a sentir medo de outras pessoas. Confessou que estava mesmo muito preocupado por andar na rua à noite, ou, por exemplo, por estar entre estrangeiros”.

Talvez porque o discurso de ódio que temos de ver todos os dias esteja a afetar o nosso posicionamento político. Uma pessoa normal, um liberal, até mesmo um progressista podem tornar-se mais conservadores, mais preocupados com assuntos de migrações, por exemplo. Grande parte do discurso de ódio que recebemos diariamente são fake news que visam difundir uma visão política muito específica”.

Moderadores relataram casos de colegas a utilizarem medicamentos, ou até mesmo drogas e o álcool, para combater o stress, já que o apoio psicológico oferecido pelo Facebook, por diversas vezes, os encaminham para o serviço público de saúde.

Moderadores norte-americanos, contactados pelo site tecnológico The Verge, que, em fevereiro, foi o primeiro a produzir uma série de reportagens sobre o caso destes trabalhadores, descrevem o serviço oferecido pela empresa como “extremamente passivo”.

O artigo inicial do The Verge teve consequências positivas para os trabalhadores de Berlim, aos quais eram requeridos mil “tickets” – reprovações de artigos com conteúdo ilícito – diários, em média um ticket a cada 30 segundos, numa jornada de oito horas. Depois da publicação, o número caiu para os 400 ou 500 tickets, o mesmo estabelecido para os colegas norte-americanos.

Numa nota o Facebook disse que os moderadores “fazem um trabalho vital para a segurança da comunidade” e que a empresa “leva a sério a responsabilidade de assegurar o seu bem-estar”, além de garantir “o apoio que as pessoas precisam, incluindo treino, suporte psicológico e tecnológico para limitar a exposição ao conteúdo ofensivo”.