O almoço atrasou, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços acabou por explicar que “a culpa” era de António Costa e de uma “discussão daquelas intermináveis” que decorria na mesa principal da tenda da Estufa Real, em Lisboa. As intervenções que se seguiram deixaram claro porque o debate seria sempre longo: as insatisfações da indústria com os últimos quatro anos são muitas e o primeiro-ministro (estava ali enquanto tal e não como candidato do PS) tem um rumo que não promete corresponder às principais expectativas. Exceto na parte do arrendamento comercial, aí tranquiliza os comerciantes: se o mercado não se auto-regular, o Estado intervirá.

Mas os exemplos de respostas ao lado estiveram em maioria. Alívio de impostos das empresas, nomeadamente das tributações autónomas (tributar gastos das empresas): não teve resposta; é preciso mais economia, menos finanças: Costa não admite sequer que o problema exista; defender mais o comércio, tal como se defende o consumidor: quem defende o cliente, defende o comerciante, foi a explicação.

Vieira Lopes foi o portador de grande parte das queixas e começou direto ao assunto, com o que espera do próximo Governo: “Mais Siza Vieira e menos Centeno”. Mas a resposta de Costa arrumou qualquer expectativa: “Sou um capitão de equipa feliz porque conto com dois pontas de lança, na economia e finanças. E também um armador de jogo no Ministério do Trabalho”. Dois dos representantes deste “triângulo virtuoso para recuperar a economia, a credibilidade e o emprego”, como lhe chamou Costa, estavam na sala: Pedro Siza Vieira e José António Vieira da Silva.

Também estava na sala o secretário de Estado da Defesa do Consumidor, João Torres, que os comerciantes, na voz de Vieira Lopes, defendem que devia ser antes do comércio e dos serviços — “Afinal, nas Finanças, não há o secretário de Estado da Defesa do Contribuinte” –, mas Costa também fintou esta. “O secretário de Estado da Defesa do Consumidor é mesmo uma homenagem aos comerciantes”, disse provocando a gargalhada geral da sala. “Não, é mesmo! Ensinaram-nos que o cliente tem sempre razão. Como melhor servir o comércio do que servindo o consumidor?”.

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O conforto mais direto que deu foi quando foi questionado sobre a instabilidade dos contratos de arrendamento comercial e da especulação no mercado. Aí, o primeiro-ministro comprometeu-se a agir, mas se tudo falhar: “Com grande probabilidade, a instabilidade contratual que existiu correspondeu a um pico de mercado que, felizmente, não será duradouro e voltaremos a ter estabilidade. Esperemos que o mercado se ajuste assim, senão teremos de ajudar o mercado a ajustar-se assim. Essa é uma das funções do poder público do Estado, que é ter uma função reguladora do mercado. Espero que o mercado seja capaz de se auto-regular”. De acordo com Costa, se os “proprietários não moderarem a ambição”, sendo “a elasticidade da procura inferior à da especulação, o problema não será só dos comerciantes mas também dos proprietários”. Compromisso deixado.

Já sobre impostos, nem uma palavra sobre IRC ou as tributações autónomas mal-amadas por aquele auditório. Apenas a resposta que já tem engatilhada quando se fala no tema fiscal: a carga fiscal aumentou, mas os impostos não. “Quando olhamos para carga fiscal o que verificamos é que a receita do Estado tem crescido sem aumentar impostos. A receita do IVA foi a que mais subiu quando se reduziu o IVA da restauração e dos espetáculos culturais”, insistiu mais uma vez, sem ir ao osso.

“Seremos menos afetados” por uma crise, palavra de primeiro-ministro a 19/09/2019

Aos representantes dos serviços e comércio presentes deixou o conselho para aproveitar ajudas comunitárias, referindo muito concretamente uma área que fica nas mãos da nova comissária europeia portuguesa, Elisa Ferreira (que hoje teve um revés): o mecanismo orçamental para apoiar a competitividade e a coesão. “É uma espécie de seguro europeu”, disse Costa e acrescentou que “num cenário de crise é fundamental ter capacidade orçamental que financie a convergência económica”. Logo a seguir garantiu que considera que “Portugal está em especiais boas condições para partilhar parte desse bolo”, com expectativa que ele possa servir para “financiar um conjunto de políticas de investimento em qualificações ou a reforma da floresta”, por exemplo.

O risco de uma crise económica mundial paira sobre as cabeças e as referências e juras à estabilidade nacional não têm limites no discurso do primeiro-ministro em funções. Costa garantiu a quem está no ramo comercial que o país será “menos afetado porque temos menos dívida, mais estabilidade e mais músculo. Porque a situação orçamental permite que os estabilizadores automáticos possam funcionar dentro do que está nos tratados orçamentais”. E também porque “o próprio Estado tem lançados 10 mil milhões de euros de investimento público e já financiamentos contratualizados com o setor privado, através do PT2020, a assegurarem também um músculo forte nessa situação” de crise. Por agora, acrescentou depois de ter dado a garantia para o futuro, há que “trabalhar para que esses riscos não venham a consumar-se e garantir que estamos mesmo nas melhores condições para os enfrentar quando chegarem”. A garantia fica dada, esta quinta-feira. Registar: 19 de setembro de 2019.