Elisa Ferreira recebeu luz verde do Parlamento Europeu como comissária europeia com a pasta da Coesão e das Reformas. O presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu confirmou aos jornalistas, em Bruxelas, que a ex-governadora do Banco de Portugal obteve unanimidade dos grupos políticos presentes. O novo grupo de extrema-direita, Identidade e Democracia, saiu da sala momentos antes do início da votação.

“Acreditamos que a comissária tem capacidade para ser uma comissária forte — que não seja dominada pela administração, mas que domine a administração e que pese no colégio de comissários”, disse Younous Omarjee. “E sentimos que partilha da nossa ambição para que a política de coesão volte ao seu lugar na política europeia”.

Elisa Ferreira disse mais do que escreveu e passou no teste

A economista portuguesa parece ter entendido bem o recado que Younous Omarjee deu antes da audição. O presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional avisou ser “importante que Elisa Ferreira entenda a posição do Parlamento Europeu” sobre os fundos estruturais e os cortes que estão em cima da mesa. E Elisa Ferreira terá ouvido bem o recado, porque durante a audição disse muito mais — ou recuou mesmo — face ao que escrevera aos eurodeputados, sendo agora bem assertiva na defesa de mais dinheiro para os fundos comunitários face à proposta feita pela anterior Comissão Europeia.

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Diferenças que foram notadas pelos parlamentares portugueses, à direita e à esquerda. “Há um facto positivo: ter recuado na formulação de apoio aos cortes na política de coesão que tinha utilizado nas respostas escritas, assumindo o compromisso de, em conjunto com o Parlamento Europeu, bater-se para que a política de coesão não sofra cortes”, disse ao Observador o eurodeputado José Gusmão, do Bloco de Esquerda, depois de ter ouvido Elisa Ferreira. “Naturalmente esse é um compromisso que iremos acompanhar”, garante.

Também José Manuel Fernandes, eurodeputado do PSD, em declarações aos jornalistas, disse ter ficado “satisfeito” que Elisa Ferreira “tenha desdito o que escreveu e que, no fundo, venha a admitir que está do lado do Parlamento e que procurará ajudar a que não haja cortes” nos fundos estruturais.

Esta quinta-feira ficou conhecer-se o parecer relativo à audição e Elisa Ferreira passou no teste. O eurodeputado social-democrata tinha antecipado ao Observador que o grupo político em que se insere (Partido Popular Europeu, que tem a maior representação parlamentar) não iria inviabilizar a investidura de Elisa Ferreira. Isto, embora considere que “todos os grupos políticos chumbariam a Elisa Ferreira das respostas escritas”.

Já Margarida Marques, eurodeputada do PS, sublinha que Elisa Ferreira “manifestou disponibilidade para trabalhar com o Parlamento Europeu no sentido de melhorar a proposta da Comissão Europeia”, negando que haja recuos ou contradições: “Elisa Ferreira não voltou atrás”.

“O melhor cenário possível” ou “apenas uma proposta de trabalho”?

Foi logo no discurso inicial que Elisa Ferreira prometeu lutar por mais dinheiro para os fundos comunitários: “Dentro da margem de manobra que podemos ter, trabalharei ativamente junto dos meus colegas da Comissão Europeia para que haja o mais alto nível possível de financiamento, para que possamos cumprir os objetivos a que nos propomos”, prometeu Elisa Ferreira.

“Não por eu ser uma candidata a este cargo, mas porque eu acredito verdadeiramente que a Europa não pode aprofundar-se, alargar-se e ainda continuar a reduzir os meios para suportar as políticas”, disse ainda a ex-vice-governadora do Banco de Portugal. “Na Comissão Europeia, e em todo o lado, vou sem dúvida apoiar ao mais alto nível possível” um quadro financeiro mais favorável, garantiu a antiga eurodeputada, prometendo trabalhar “com o maior afinco, com o maior empenho”.

Um discurso que tem diferenças face às respostas que enviara à Comissão do Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu, a 27 de setembro. Elisa Ferreira considerava então que “o quadro financeiro para o pós-2020 proposto pela Comissão Europeia em maio de 2018 é adequado, dados os atuais constrangimentos”. E que “os cortes moderados propostos para a política de coesão são o melhor cenário possível, levando em consideração o contexto desafiante: com Brexit e outras prioridades urgentes para o orçamento da UE”.

Cortes previstos para coesão são o “melhor cenário possível”, diz Elisa Ferreira

Agora, na audição desta quarta-feira, quando confrontada pelo eurodeputado búlgaro Andrey Novakov (PPE) sobre se apoiaria o esforço da Comissão de Desenvolvimento Regional para livrar os fundos de coesão de cortes ou se “continua a entender que os cortes são necessários e que é o melhor que podemos obter”, Elisa Ferreira agradeceu a pergunta, “por permitir clarificar” o que tinha escrito e acrescentou que há, afinal, margem para uma melhor solução: “Penso que a proposta que a Comissão apresentou é uma base de trabalho, não mais do que isso”, afirmou a economista, reiterando que há vários “aspetos positivos” nessa proposta, que considera serem “adequados”.

Mais tarde, em resposta ao eurodeputado Álvaro Amaro, do PSD, Elisa Ferreira acrescentou que a proposta que a Comissão apresentou é “feita sem se saber o que vai acontecer do lado das receitas”, com um cenário “hipotético, razoável”, tendo em conta que, com o Brexit, há menos um contribuinte líquido na equação.

A ex-vice-governadora do Banco de Portugal lembrou que há um “grande constrangimento” na Comissão Europeia porque “discutimos despesa, mas não decidimos sobre receita, que é decidida pelo Parlamento Europeu e pelos estados-membros”.

São ou não moderados os cortes nos fundos estruturais?

Como está, a proposta da Comissão Europeia para um dos fundos estruturais — Fundo de Coesão europeu — pode representar um corte de 45%, pelas contas do Parlamento Europeu feitas no ano passado. Representaria para Portugal menos 2,5 mil milhões de euros até 2027, cerca de 10% das verbas a que — até ver — terá direito.

E, por isso, José Manuel Fernandes, eurodeputado social-democrata, considera que “não é um corte moderado, como Elisa Ferreira escreveu: os fundos estruturais destinam-se aos países mais pobres, aos países que têm menos de 90% do Rendimento Nacional Bruto per capita, com Portugal a ser um desses países — e o corte é de 45% na proposta da Comissão”.

Comissão Europeia propõe corte de 45% no fundo de coesão europeu

Essa preocupação é partilhada por Younous Omarjee, do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, que preside à Comissão de Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu e que esta quarta-feira dirigiu os trabalhos da audição a Elisa Ferreira. Em conversa com jornalistas portugueses, horas antes da audição, Omarjee dizia estarmos “num momento charneira, em que a política de coesão pode ficar abandonada, esquecida definitivamente”.

É certo que o quadro financeiro ainda está a ser negociado pelos estados-membros e que o Parlamento Europeu tem de dar o aval, mas Younous Omarjee reconhece que é esta uma das “inquietudes” para a maioria dos eurodeputados que lidam com políticas regionais.

O corte global previsto para todas as políticas de coesão é de 10% no próximo orçamento europeu plurianual 2021-2027, e de 7% para Portugal. Estes são valores a preços constantes, que têm em conta o efeito dos preços, permitindo medir o valor real — um euro em 2013 não é o mesmo que um euro em 2020. Pelo contrário, a preços correntes — o valor do dinheiro como o conhecemos —, não tem em conta a inflação.

À saída da audição, em declarações aos jornalistas, Elisa Ferreira retomou a ideia de que os cortes não são elevados: “Penso que, quando falamos de cortes, estamos a transmitir uma ideia como se houvesse uma rutura brutal. Este quadro que ainda está em funcionamento e termina em 2020 foi um quadro que teve um corte — a preços constantes — de 10,5% e o que estamos neste momento a discutir é um ajustamento, nos mesmos termos de 7%”.

Elisa Ferreira considera, ainda assim, que “o volume financeiro ainda é um volume muitíssimo robusto”. Até porque “em termos de preços correntes, o aumento é de 7%”.

Elisa Ferreira garante que se vai abster quando houver interesse pessoal do marido

O jornalista do Observador viajou para Bruxelas a convite do Parlamento Europeu.