Ao fim de quase duas semanas de uma campanha morna, o porta-voz do PAN, André Silva, guardou para o último (e único) discurso do período oficial de campanha toda a sua combatividade política e pôs a car… o tofu todo no assador para, de uma vez, atacar todos os partidos da esquerda à direita.
Durante um jantar-comício em Palmela, André Silva abriu o discurso com um minuto de silêncio em memória de Diogo Freitas do Amaral — que classificou como “figura incontornável da nossa democracia” e “extremamente importante na consolidação de Portugal na União Europeia” —, mas foi precisamente pelo CDS que começou uma ronda de ataques a todos os partidos do Parlamento, um por um, num discurso pensado para mostrar aos cerca de 150 apoiantes do PAN presentes no jantar como “os partidos incumbentes não têm sido capazes de ler o momento em que vivemos e mostram-se incapazes para oferecer as respostas aos desafios do nosso tempo”.
Os ataques começaram contra a direita e os comunistas — “Portugal poderia estar mais à frente não fosse a força do travão do conservadorismo ideológico de PSD, CDS e PCP”, afirmou —, mas o Bloco de Esquerda e o PS também não escaparam.
“A nossa sorte é o CDS não ter parado no tempo em que os homens eram atirados aos leões.”
Foi ao CDS que André Silva dedicou a primeira parte do discurso. “Imagine-se, o CDS, um partido presidido por uma mulher que defende a condenação das mulheres que decidem interromper a gravidez por entenderem não ter condições de a suportar, no âmbito do direito que têm sobre o seu corpo e a direção da sua vida. O CDS é um partido que assim ataca e humilha as mulheres do nosso país”, acusou André Silva.
O porta-voz do PAN continuou com os ataques a Cristas, acusando os centristas de terem parado no tempo e classificando-os como “um dos partidos mais perigosos e extremistas, ao representar a homofobia, a transfobia e o incitamento ao ódio, através de uma linguagem carregada de intolerância”.
“É o mesmo partido que nega ver reconhecidos direitos humanos fundamentais a pessoas com identidade de género ou orientação sexual que não encaixam nos seus critérios marialvas. Para quem tanto enfatiza a família, querem proibi-la, negando e violando direitos elementares. Isto sim, é um insidioso ataque às pessoas e aos valores de uma sociedade do século XXI”, continuou André Silva.
Foi com uma referência às touradas que André Silva arrancou um sonoro apupo contra o CDS, seguido de um forte aplauso: “O CDS parou no tempo, naquele tempo em que infligir sofrimento era um exercício de afirmação e uma demonstração de virilidade. Aliás, a líder do CDS compara a tourada a um bailado. A nossa sorte é o CDS não ter parado no tempo em que os homens eram atirados aos leões”.
PSD: “Alguém que diga ao Dr. Rui Rio que o principal desafio das nossas vidas não se resolve a mudar a caldeira.”
Qual rajada de metralhadora, André Silva começou da direita para a esquerda e depois do CDS atirou no PSD, acusando Rui Rio de querer “criminalizar os jornalistas por exercerem a sua profissão”, mesmo sendo presidente de “um partido conhecido por ter no seu hino a palavra liberdade”.
“O PAN, aquele partido que é frequentemente acusado de não saber do que fala, ao ver Rui Rio a querer matar o mensageiro, dá por si a pensar: será que vão dizer de Rui Rio o que dizem do PAN?”, questionou o porta-voz do partido. “Isto é: ou não sabe do que fala ou não sabe o que é a democracia. É que não há democracia sem jornalismo”, acrescentou André Silva, acusando Rui Rio de levar a cabo “um feroz ataque a um dos pilares essenciais do jornalismo, que é o direito a preservar o anonimato da fonte”.
O PSD foi ainda atacado por causa das presenças fantasma no Parlamento e do episódio da falsificação das assinaturas — afirmando que o conceito de seriedade dos sociais-democratas “é verdadeiramente fantasmagórico”. “Se houvesse sondagens sobre a intenção dos partidos em enganar os portugueses, certamente que o PSD estaria numa melhor posição do que aquela em que se encontra”, acrescentou.
Foi, porém, com os temas do ambiente que André Silva foi mais fundo nas críticas diretas a Rui Rio: “Basta constatar a total falta de visão do PSD em matéria de combate às alterações climáticas: um deserto. Alguém que diga ao Dr. Rui Rio que o principal desafio das nossas vidas não se resolve a mudar a caldeira“.
PCP é “irmão gémeo do CDS” e, “como Trump”, não aceita o acordo de Paris
Se é certo que a metralhadora de André Silva foi perdendo força quando ia chegando à esquerda, a verdade é que o porta-voz do PAN não tirou o dedo do gatilho. “Se Rui Rio ainda muda caldeira, o PCP não muda nada. Em matéria ambiental é uma verdadeira desilusão. O PCP, tal como Trump, não reconhece valor ao Acordo de Paris”, atacou o candidato.
PAN volta aos animais e responde aos Verdes: “São uma ficção política” que “perdeu a validade”
Esta quinta-feira, André Silva já tinha deixado críticas duríssimas aos Verdes, classificando-os como uma “ficção política” que só existe sob as orientações do “patrão político”, que é o PCP, e que já passou da “validade”. Com os ataques da noite, ficou completo o distanciamento total da CDU.
André Silva voltou a falar das ligações do PCP aos regimes comunistas e lamentou que o partido reconheça “valor ao regime chinês, essa democracia de partido único, onde não existe liberdade de imprensa ou religiosa, que viola diariamente os direitos humanos fundamentais, sobejamente conhecido por caçar opositores políticos”.
“Felizmente o PCP não caça opositores políticos, mas apoia o baronato da caça, matilheiros, monteiros, criadeiros e demais agressores da vida animal. E dou por mim a pensar que o PCP parece o irmão gémeo do CDS de quem foi separado à nascença… e o PAN é que tem problemas com a ideologia”, disse o porta-voz do partido.
Bloco é “de esquerda e de direita” porque apoiou Mário Centeno
Já a caminhar para o final, André Silva acusou o Bloco de Esquerda de, ao mesmo tempo que critica o PAN por não ser de esquerda nem de direita, ser ele próprio de esquerda e de direita — “não tivesse o Bloco suportado a política económica de Mário Centeno, o governante mais popular no eleitorado da direita e que até Rui Rio gostaria de ter como ministro”.
“Assim, imagino que será fácil para o partido socialista levar o Bloco de Esquerda para o governo, um partido tão ideologicamente marcado à esquerda mas com ginástica suficiente para correr na pista da direita”, considerou.
As muitas linhas vermelhas a um futuro governo do PS
André Silva guardou o PS para o fim. Se muito se fala da possibilidade de o PAN integrar uma nova versão da “geringonça”, fazendo parte de uma maioria parlamentar que apoie um governo minoritário socialista, o porta-voz do partido deixou bem claras quais são as suas linhas vermelhas para viabilizar um governo.
“O nosso caminho é firme na rejeição das desigualdades e injustiças sociais, do esgotamento dos ecossistemas, e do utilitarismo das outras formas de vida”, afirmou André Silva, antes de recordar muitas das condições que tem vindo a impôr ao longo das últimas semanas.
Por isso, esclareceu: “O PAN nunca aceitará viabilizar um governo do partido socialista que quer explorar petróleo no nosso país, um governo que assine contratos para a construção de aeroportos antes de fazer avaliações de impacto ambiental; um governo que não compense aqueles que trabalham à noite ou por turnos; que continue a não apresentar medidas sérias de combate à corrupção; um partido que tem vergonha da agricultura biológica e que em matéria de Saúde continua a não ter políticas de prevenção da doença em detrimento das indústrias da saúde”.
No início do discurso, André Silva tinha deixado claras as ambições do PAN para os próximos quatro anos: “Amanhã encerra-se um ciclo político que para o PAN foi o da afirmação. No domingo iniciaremos o período da consolidação”. O partido quer aumentar a representação e ter um grupo parlamentar considerável — e os gritos que se ouviam na audiência mostram que essa ambição está bem vincada entre os apoiantes: “Este é o momento, mais PAN no Parlamento”.
Um programa que não é só ambiente e (alguma) obra feita
"Este é o momento, mais PAN no Parlamento", grita-se no fim do discurso mais duro da campanha de André Silva, durante um jantar-comício em Palmela que marca o fim da campanha eleitoral do PAN. Da direita à esquerda, o porta-voz do PAN atacou em todas as direções #Legislativas2019 pic.twitter.com/LkOgY1nAdl
— Observador (Eleições) (@OBSEleicoes) October 3, 2019
Mesmo tendo pouco para apresentar, André Silva arrancara o discurso com uma enumeração das conquistas que foram possíveis na última legislatura com o apoio do PAN. “Posso hoje afirmar de consciência tranquila que cumprimos e superámos aquilo a que nos comprometemos com os portugueses e as portuguesas há 4 anos: dar voz aos que nunca eram ouvidos, trazer visibilidade a preocupações sociais que eram menosprezadas ou ridicularizadas, expor os interesses de algumas indústrias fortemente apoiadas pelos partidos incumbentes, colocar o ambiente no centro do debate político e social”, afirmou.
“Com apenas um deputado e um minuto para falar, tivemos, nos últimos quatro anos, a nossa ação política profundamente limitada. Mas tal não nos impediu, muito pelo contrário, de honrar o compromisso que assumimos com as pessoas: o de trabalhar todos os dias com rigor e sempre na procura de consensos que se traduzissem em melhorias para o país. Foi, de resto, essa postura construtiva que permitiu colocar intérpretes de Língua Gestual Portuguesa nas urgências dos hospitais, regular a publicidade de alimentos para crianças, contratar mais nutricionistas e psicólogos para o Serviço Nacional de Saúde, a distribuição de fruta no pré-escolar público, o fim do uso de louça descartável de plástico, a implementação da tara recuperável para garrafas de plástico, a interdição do abate de animais de companhia como meio de controlo populacional ou o fim da utilização de animais selvagens nos circos”, detalhou
André Silva não terminaria o discurso sem insistir na resposta a uma das críticas mais habitualmente feitas ao PAN: a de que só se preocupa com o ambiente. O programa, assegurou, “não se esgota na emergência climática” e “prioriza a dignidade do ser humano e as respostas que se exigem à sua realização e autodeterminação”, ao mesmo tempo que “faz uma aposta firme no empoderamento das pessoas através da Educação e da Cultura enquanto ferramentas centrais na construção de uma sociedade mais empática e consciente”.