Mais de 10 procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), cerca de um terço do total dos magistrados que estão atualmente a desempenhar funções naquele que é considerado o principal departamento de investigação criminal do país, optaram por sair no movimento de magistrados que está a decorrer no Ministério Público. Em causa está uma mudança de regras relativas aos lugares de origem dos magistrados com a categoria de auxiliares que, para continuarem no DCIAP, vão ter de abdicar desses lugares de recuo.

A mudança de regras provocou uma pequena revolta junto dos mais de 30 magistrados do DCIAP e levou mesmo o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), o órgão de gestão do MP que decretou as novas regras de movimentação, a marcar para esta segunda-feira uma reunião de urgência nas instalações do DCIAP para ouvir as reivindicações dos magistrados. Idêntica reunião ocorreu no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa — que se debate com o mesmo problema.

Depois da polémica decisão do diretor Albano Morais Pinto de proibir os três procuradores titulares do caso Tancos de inquirirem como testemunhas o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro António Costa, este é mais um episódio interno que está a ameaçar a estabilidade do departamento do MP que investiga os grandes casos da criminalidade económico-financeira e violenta.

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O que está em causa

Tudo começou com uma deliberação do CSMP sobre a movimentação de magistrados. Tendo em conta a entrada em vigor do novo estatuto do Ministério Público, o Conselho determinou que neste movimento que está a decorrer seriam criadas novas regras:

  • só seria possível concretizar uma comissão de serviço por três anos. Ou seja, seriam extintos os destacamentos de um ano;
  • por outro lado, os procuradores com a categoria de auxiliar que optem por uma comissão de serviço no DCIAP, perderão os seus lugares de origem, visto que apenas os procuradores com a categoria de efetivo podem manter tais lugares de recuo.

A maioria significativa dos mais de 30 procuradores que trabalham no DCIAP estão como auxiliares em destacamento ou em comissão de serviço. E o conhecimento destas novas regras provocou uma insatisfação imediata junto dos magistrados. O que levou o diretor Albano Morais Pinto a solicitar uma reunião da secção permanente do CSMP com os procuradores insatisfeitos.

Na reunião, que decorreu esta segunda-feira nas instalações do DCIAP, localizadas na rua Gomes Freire (em Lisboa), participaram os conselheiros Barradas Leitão e David Aguilar (membros da secção permanente do CSMP) e cerca de 20 procuradores. O conselheiro Barradas Leitão começou por anunciar que poderiam ser abertos concursos que permitiriam transformar 30 lugares de auxiliares em efetivos na zona de Lisboa, sendo que no total do país deverão ser abertos concursos para 50 a 60 efetivos.

Essa poderia ser uma forma de solucionar o problema da extinção dos lugares de origem dos auxiliares, mas os concursos serão abertos a todos os procuradores adjuntos e procuradores da República de todo o país. Logo não é líquido que os magistrados do DCIAP ganhem esses lugares de efetivos. Por outro lado, o novo Estatuto do Ministério Público vai extinguir a categoria de procurador-adjunto — a mais baixa do MP — e manter as categorias de procurador da República e de procurador-geral adjunto, o que faz com que os atuais procuradores da República (a esmagadora maioria dos magistrados do DCIAP) venham a ter a concorrência de colegas mais novos.

Da reunião saiu outra possível solução que vai ser proposta pelo conselheiro Barradas Leitão na próxima reunião de 22 do CSMP: manter em aberto os lugares de origem dos auxiliares durante mais um ano e permitir aos procuradores a desistência da candidatura ao DCIAP. Como o Conselho ainda não deliberou sobre o movimento, é possível introduzir essa cláusula.

Os membros da secção permanente do CSMP ficaram também a conhecer as duas principais reivindicações dos magistrados do DCIAP:

  • Regras iguais para todas as comissões de serviço. Ou seja, os magistrados do MP que estão em comissão de serviço no Centro de Estudos Judiciários, na Procuradoria-Geral da República, nas diversas procuradorias-gerais distritais, em inspeções-gerais do Estado ou noutros lugares da administração pública, passam a estar abrangidos pelas regras impostas aos seus colegas no DCIAP;
  • A abertura de concursos para os lugares de auxiliar e dos atuais procuradores-adjuntos (futuros procuradores da República a partir de 1 de janeiro de 2020).

Se estas reivindicações não forem satisfeitas na reunião de dia 22 do CSMP, o número de 10 magistrados do DCIAP que já decidiram sair poderá aumentar de forma significativa. O que destruiria o know-how específico do combate ao crime económico-financeiro que foi reforçado de forma significativa nos últimos dez anos.