Harry Dunn tinha 19 anos e perdeu a vida quando circulava na sua moto perto de uma base militar britânica, depois de uma colisão com um carro. Ao volante daquele Volvo encontrava-se Anne Sacoolas, a mulher de um diplomata norte-americano, que viajava na faixa errada da estrada. Esta terça-feira, cerca de dois meses depois desse trágico acidente, a família do jovem britânico anunciou que vai processar a administração Trump na sequência do sucedido, e de uma série de outros capítulos de má memória — acusam a Casa Branca e a motorista em causa de “conduta à margem da lei” e de “tentativa de encobrimento”.

O caso de atropelamento e fuga assumiu contornos especialmente graves quando Sacoolas, que começou por admitir a sua falha quanto à faixa de rodagem utilizada, acabou por invocar imunidade diplomática para escapar às eventuais consequências — recorde-se que no Reino Unido se conduz à esquerda. Segundo Radd Sieger, porta-voz da família da vítima, citado pela NBC, o cenário tornou-se ainda mais grotesco depois de uma “manobra nojenta” ensaiada pelo presidente Donald Trump há duas semanas: Tim e Charlotte, os pais de Harry, foram convidados para um encontro na Casa Branca, que afinal se terá revelado infrutífero.

A zona em Northamptonshire onde Harry Dunn foi morto pelo veículo com matrícula diplomática. O caso remonta a agosto deste ano e motivou a placa “Por favor conduzam à esquerda” @ Getty Images

A administração Trump não está só determinada a todo o custo a infringir leis internacionais, regras e convenções da imunidade diplomática. Não revela também qualquer preocupação com o bem estar da família de Harry ou interesse em alcançar uma solução”, afirmou Sieger esta terça-feira, adiantando ainda que Trump terá prometido à mãe de Harry que iriam “abordar o problema de um ângulo diferente”. De acordo com o porta-voz, “a família não voltou a ter notícias e não faz qualquer fé nas suas palavras”, acrescentou. Sieger avança assim que tenciona avançar com o processo sobre o tribunal federal norte-americano, apesar de “a família não ter querido nada disto”. “Queriam apenas que as autoridades em cada lado do Atlântico fizessem o que deviam ter feito, garantindo a justiça”.

Dunn morreu a 27 de agosto em Croughton, uma localidade no noroeste de Londres. Três semanas depois da colaboração inicial com as autoridades, Sacoolas, de 42 anos, regressou aos EUA escudada pela imunidade diplomática, decisão que motivou a fúria da família e indignou o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico Dominic Raab, que apelou então a que o embaixador norte-americano no Reino Unido, Woody Johnson, revisse a condição da mulher do diplomata. Na ocasião, também o primeiro-ministro Boris Johnson solicitou pessoalmente a intervenção de Trump. O mesmo Trump que alegou, a 9 de outubro, que Sacoolas goza de facto de imunidade, esperando, no entanto, que uma solução fosse encontrada. Sete dias mais tarde, o presidente norte-americano tentou apresentar os pais da vítima a Anne Sacoolas, que se encontraria “na sala ao lado”, na Casa Branca, algo que Tim e Charlotte (que conta este episódio), recusaram.

No começo do mês de outubro, a Sky News avançava detalhes sobre a imunidade diplomática, explicando como este estatuto, habitualmente circunscrito a diplomatas e seus dependentes estabelecidos em Londres, foi alargado em 1994, num acordo especial entre o Reino Unido e os EUA, passou a ser extensível também aos fixados na base militar de Croughton, nas proximidades da qual ocorrem o incidente.

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