Esta sexta-feira, a Serie A acolhe uma entusiasmante visita da Roma ao Inter Milão, ou seja, uma deslocação da equipa de Paulo Fonseca ao recinto de Antonio Conte que é nesta altura líder da liga italiana. Esta premissa, por si só, é suficiente para publicitar o jogo: mas existe uma adenda. É que entre o confronto dos dois clubes, existe um confronto pessoal entre Smalling e Lukaku, dois jogadores que estão agora cada um para seu lado mas que foram companheiros de equipa nas duas temporadas anteriores, no Manchester United.

Smalling está na Roma a título de empréstimo do clube inglês e tem vindo a ser uma peça fulcral para Paulo Fonseca; Lukaku transferiu-se definitivamente para o Inter no verão, depois de desavenças tanto com Mourinho como com Solskjaer, e tem formado com Lautaro Martínez uma dupla atacante que faz sucesso não só na liga italiana como na Liga dos Campeões. Esta sexta-feira, reencontram-se no Giuseppe Meazza — e o jornal Corriere dello Sport optou precisamente por esse ângulo, pela reunião entre dois antigos colegas de equipa, para lançar o jogo grande da jornada em Itália.

Smalling e Lukaku foram colegas de equipa no Manchester United nas duas últimas temporadas

Ora, é o título escolhido para manchete — “Black Friday“, sexta-feira negra em tradução livre, a iniciativa de grandes promoções em tradução comercial — que está a causar polémica. O facto de ambos os jogadores serem negros, e de Itália estar a passar desde o início da temporada por um período particularmente intenso de insultos e cânticos racistas por parte das claques, não caiu bem em conjunto com o título escolhido pelo jornal e está a merecer muitas críticas tanto a nível interno como no resto da Europa. Lukaku e Smalling são dois dos vários jogadores negros que esta época já ouviram e receberam comentários racistas e xenófobos nos estádios italianos e são também dos elementos mais ativos e públicos na questão da luta contra a discriminação.

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No artigo que corresponde à manchete do jornal, o jornalista em questão justifica o título com o facto de ter de se olhar para este Inter-Roma “através do desafio pessoal”. “Considerando os relacionamentos, mas também os papéis no campo, de dois colossos de cores, de dois dos mais importantes campeões — não apenas do ponto de vista técnico mas também moral, exemplar, que chegou no verão”, concluiu, referindo precisamente as declarações tanto de Lukaku como de Smalling sobre o racismo. Face às críticas generalizadas da imprensa internacional, o Corriere dello Sport apressou-se a responder num editorial publicado já durante a tarde desta quinta-feira — onde defende a posição do jornalista e mantém a ideia de que o título se tratou apenas de um elogio ao ativismo dos dois jogadores.

“Plataformas digitais? Eu diria caixotes de lixo. Composto de rancores nobres. Indignação barata. Um bom pensamento por dia mantém o médico afastado. Hoje em dia, exércitos de pessoas retas reúnem-se na Internet para tornar limpas as suas belas almas. Depois de identificar o racista de plantão, são dois toques no teclado e está feito: sente-se um homem melhor num mundo melhor. Branco, preto, amarelo. Negar a diferença é o típico obstáculo macroscópico do racismo anti-racismo. A lixeira mental dos moralistas de domingo, quando quinta-feira também é domingo. “Black Friday“, para quem quer e pode entender, foi e é apenas o elogio da diferença, o orgulho da diferença, a magnífica riqueza da diferença. Se não entende, é porque não o pode fazer ou porque o faz. Um título inocente, perfeitamente argumentado, é transformado em veneno por quem tem o veneno dentro”, pode ler-se no editorial do jornal italiano, que tem como título “O Elogio da Diferença”.

Entretanto, a Roma e o AC Milan — o eterno rival do Inter — emitiram um comunicado conjunto onde se comprometem a banir o jornal dos respetivos centros de treinos até ao final deste ano civil. “Decidimos banir o Corriere dello Sport dos nossos centros de treinos até ao final do ano e os nossos jogadores não vão aceitar quaisquer convites e pedidos do jornal em causa durante esse período. Ambos os clubes têm noção de que o artigo em si, associado com a manchete, manifestava uma mensagem anti-racista e esse é o motivo pelo qual só banimos o Corriere dello Sport até janeiro”, pode ler-se na nota dos dois clubes. Os jogadores em questão também já responderam à manchete, com Lukaku a defender que foi uma opção “burra” e Smalling a recordar que a comunicação social tem de “entender o poder que tem”.