Mais de três mil reclamações feitas por clientes de retalho do Banif e dos bancos do grupo BES (Banco Espírito Santo) podem vir a entrar num fundo de reclamação de crédito a criar para compensar os lesados destas duas instituições. O levantamento realizado por duas comissões de peritos nomeadas pela Ordem dos Advogados reconheceu como elegíveis reclamações relativas a produtos comercializados pelas duas instituições bancárias que foram alvo de medidas de resolução. E foram detetados indícios de “violações reiteradas e diárias” dos deveres de intermediário financeiro na venda destes produtos aos balcões.

As conclusões finais, apresentadas esta segunda-feira na sede da Ordem dos Advogados, apontam para reclamações já validadas num valor superior a 500 milhões de euros para os lesados destas dois grupos bancários. Estes números podem ainda subir para mais de 600 milhões de euros porque há pedidos pendentes que podem vir a ser aceites como elegíveis, mediante entrega de mais informação.

No caso do grupo BES estão em causa quase 300 milhões de euros (296 milhões de euros), correspondentes a mais de mil reclamações que foram validadas, de acordo com dados divulgados pelo presidente da respetiva da comissão de peritos, Vítor Pereira Neves. No entanto, o valor total das reclamações aceites pode chegar quase aos 400 milhões de euros. Esta comissão recebeu 810 reclamações.

No caso do Banif, foram reconhecidas como elegíveis 2330 reclamações, um número que corresponde aos lesados, num valor preliminar de 230 milhões de euros, mas estes montantes ainda podem subir porque há vários casos pendentes de verificação, indicou Alexandre Jardim, da comissão de peritos. As reclamações totais atingiram os 251 milhões de euros.

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Os pedidos elegíveis dizem respeito a práticas que não estão conformes os princípios da intermediação financeira.” Estas pessoas podem-se considerar lesados por práticas ilícitas. O que a comissão fez foi identificar indícios que levem à responsabilização do Banif”, confirmou o presidente da comissão de peritos em declarações aos jornalistas. Mas não que houve violação da lei. Alexandre Jardim não quis comentar a circunstância de a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) não ter detetado evidência de ilegalidades na venda dos produtos, referindo que são dois processos distintos.

“Violações reiteradas” dos deveres de um intermediário financeiro

Nas duas situações, estas reclamações reconhecidas correspondem a investidores não qualificados, clientes de retalho, muitos dos quais subscreveram vários produtos. As duas comissões de peritos identificaram nos casos dos dois grupos bancários indícios de prática ilícita de intermediação financeira na venda destes produtos aos balcões. Em causa estão produtos estruturados muitos complexos que foram colocado junto  de clientes de retalho.

O presidente da comissão que analisou os clientes do BES acrescenta que esta conclusão resulta da avaliação de documentos, mas também de entrevistas feitas com antigos funcionários do banco sobre a forma como eram comercializados estes produtos. Foram detetadas meia centena de produtos emitidos por dezenas de sociedades, alguns sem documentação de suporte ou pouco acessível para as pessoas.

Vítor Pereira Neves destaca as práticas mais encontradas, quando estamos perante dívida emitida por empresas do Grupo Espírito Santo, a informação sobre a situação financeira do GES não era correta. Em segundo lugar, estes produtos não são adequados aos perfil dos investidores a quem foram vendidos, porque estes não tinham capacidade para perceber o risco que estavam a correr. A comissão ficou com a convicção de que existiam “violações reiteradas das obrigações de intermediário financeiro”. 

No caso do Banif, as reclamações foram apresentadas por clientes em Portugal. Já no universo BES as reclamações recebidas pela comissão de peritos dos clientes da Venezuela, África do Sul e do Banco Privée, em países como a França e a Suíça. A maioria destes lesados são emigrantes portugueses. Há um número de reclamações enorme que corresponde a produtos híbridos, que combinam caracteristicas de depósitos e instrumentos de dívida.

Uma vez identificados os lesados, o próximo passo no processo seguirá o quadro legal criado pela lei de 2017 criada para permitir a indemnização dos lesados do Banco Espírito Santo, nomeadamente dos que subscreveram papel comercial. O financiamento desta solução conta com uma garantia do Estado. A criação deste fundo que será supervisionado pela CMVM será materializada pelas associações que representam os clientes lesados do Banif e os clientes lesados do BES na África do Sul e na Venezuela, bem como os do Banque Privée.

No total, as duas comissões de peritos trataram cerca de 3000 reclamações, correspondentes a mais de quatro mil produtos. Ficaram pelo caminhos vários pedidos porque não cumpriam os critérios para serem considerados elegíveis, como serem instrumentos financeiros de dívida, como obrigações ou papel comercial, vendidos aos balcões das duas instituições e emitidos por sociedades/empresas com ligações acionistas ao BES e ao Banif. Também houve reclamações fora de prazo e sem a informação necessária para serem validadas.