Antes mesmo de chegarem a debate, os projetos sobre a lei da nacionalidade fizeram correr muita tinta, muito graças à falha de entrega do documento do Livre num dos temas essenciais para o partido e do qual fizeram bandeira ao longo da campanha eleitoral. E esta quarta-feira, no parlamento, foi um dos pontos que mais discussão deu entre a esquerda e a direita. Por entre as balas parece passar o PAN que só quer uma “correção de injustiça” para os cidadãos que entre 1974 e a entrada em vigor da Lei da Nacionalidade se viram impedidos de conseguir a nacionalidade portuguesa.
“Ó Elvas, ó Elvas, nacionalidade à vista”
Foi a deputada do PSD, Catarina Rocha Ferreira que ironizou com os versos da música de Paco Bandeira, ilustrando os riscos de se proceder a uma alteração à Lei da Nacionalidade para que seja atribuída a nacionalidade portuguesa apenas sob a condição de se nascer em território nacional, conforme propõem o Bloco de Esquerda e o Livre.
Os bloquistas querem que seja eliminado da Lei da Nacionalidade os critérios de que um dos progenitores tenha nascido em Portugal e ter residência no país no momento de nascimento da criança, tendo a deputada Beatriz Gomes Dias apontado o exemplo dos “filhos e filhas de imigrantes” que já nasceram no país, mas não conseguem a nacionalidade portuguesa.
O projeto de lei do Livre prevê nacionalidade para todos os cidadãos nascidos em Portugal entre 1981 e 2006 sem qualquer necessidade de apresentar “prova de residência legal de um dos progenitores”. Pretende também que seja necessário apenas “por mera declaração” fazer depender a atribuição da nacionalidade portuguesa aos casados e unidos de facto e, para efeitos de contabilização de tempo para atribuição da nacionalidade, conte a residência efetiva e não a residência legal, como atualmente acontece. Joacine Katar Moreira afirmou que a “legislação sobre a nacionalidade é um instrumento de justiça social” e que o partido defende que os “indivíduos nascidos em território nacional sejam obrigatoriamente cidadãos portugueses”.
Os projetos do Bloco de Esquerda e do Livre foram os que maiores críticas receberam dos outros partidos no hemiciclo, incluindo o PS que, pela voz da deputada Constança Urbano de Sousa contrariou a ideia de atribuir a nacionalidade portuguesa apenas pelo direito de solo. “É uma falácia dizer que o direito da nacionalidade português não consagra o direito de solo ou não lhe dá relevência”, apontou a deputada.
Constança Urbano de Sousa reconheceu que o projeto de Lei do PAN serve para corrigir uma injustiça e questionou ainda o Partido Comunista Português sobre a forma adotar na definição do critério de residência dos progenitores, antes de alertar para os riscos de se “fabricarem de forma artificial cidadãos portugueses” que, notou, podem “nem sequer falar português”.
Catarina Rocha Ferreira, do PSD, foi uma das vozes mais críticas durante o debate ao acusar a esquerda de querer “transformar Portugal numa maternidade para passaportes europeus”.
A social-democrata afirmou ainda as alterações à Lei da Nacionalidade “têm de ter sentido de Estado” e que são “importantes de mais para que “ande ao sabor de ventos ou pequenas brisas eleitoralistas”. “Não pode ser ‘a la carte’, sob pena de ser um convite à imigração ilegal”, alertou Catarina Rocha Fernandes.
Já o deputado André Ventura, do Chega, equiparou as propostas dos partidos a “uma espécie de “nacionalidade em saldos que pode fazer de Portugal um parente pobre da Europa” enquanto João Cotrim de Figueiredo, deputado único do Iniciativa Liberal, manifestava a intenção de votar contra todos os projetos de lei porque “reflete a visão liberal e responsável”.
Da bancada do CDS haveria de chegar o momento mais tenso de debate, com o deputado Telmo Correia a motivar uma intervenção em defesa da honra de Joacine Katar Moreira, do Livre.
Lei da nacionalidade. Polémica entre Joacine e CDS por causa dos “símbolos nacionais”
Antes, o democrata-cristão afirmou que as propostas do BE, PCP, PAN e Livre desvalorizavam o valor de pertença ao país, ao conferir a “qualquer pessoa em qualquer circunstância” a nacionalidade portuguesa.
Numa tentativa de retirar a proposta do PAN do saco das propostas apresentadas pela esquerda, em torno do direito de solo ou direito de sangue, a líder parlamentar do partido, Inês Sousa Real, sublinhou que a proposta “propõe uma correção histórica” para quem foi “deixado de fora pelas sucessivas alterações legislativas”.
Beatriz Gomes Dias, a deputada bloquista a quem coube encerrar a discussão depois do momento mais inflamado entre Joacine Katar Moreira e Telmo Correia, recordou as origens dos portugueses e “todas as pessoas que são estrangeiras no seu próprio país”, apontando mais especificamente para os “filhos e filhas de imigrantes que, apesar de aqui terem nascido, continuam sem aceder à nacionalidade portuguesa, vendo-se assim privados de direitos fundamentais de cidadania”.