Para celebrar o Dia Mundial da Luta Contra a Sida, o Observador e a Janssen, companhia farmacêutica do grupo Johnson & Johnson, continuam na pista de figuras icónicas na nossa cultura que perdemos devido ao vírus do HIV.
Desta vez, sentámo-nos com Carlos Pinillos, bailarino principal da Companhia Nacional de Bailado, para imaginar a carreira de Rudolph Nureyev, o soviético considerado por muitos o melhor bailarino do mundo.
A prevenção é o melhor remédio
Dados de 2018 demonstram que existem, globalmente, cerca de 37.9 milhões de pessoas a viverem com VIH a nível global – e destas pessoas 21% desconheciam o seu estado viral.
O tempo entre o momento da infeção por VIH e o diagnóstico depende de diversos fatores, como a noção do paciente de que está a ter comportamentos de risco, a frequência da realização dos testes e o reconhecimento de sintomas sugestivos de infeção aguda.
O vírus do VIH é frequentemente assintomático durante os primeiros 10 anos, fazendo com que muitos infectados não estejam cientes do seu estado viral, correndo o risco de infectar parceiros e de aceder a um tratamento tardio.
A recomendação é que qualquer pessoa sexualmente ativa deve testar para doenças sexualmente transmissíveis pelo menos uma vez por ano. No caso dos grupos de risco, a recomendação é que estes testes sejam feitos mais regularmente, a cada 3-6 meses.
Os testes regulares podem deixar os pacientes “descansados”. No caso de um resultado positivo, é o primeiro passo para um tratamento rápido e eficaz.
Segundo o relatório “Infeção VIH e SIDA em Portugal 2019” da Direção Geral de Saúde, 2018 viu cerca de 973 novos diagnósticos de VIH em Portugal, um número que tem vindo consistemente a descer e é resultado dos esforços de prevenção, rastreio e diagnóstico junto das populações e, em especial, dos grupos de risco, como por exemplo a distribuição de preservativos gratuita, programa de troca de seringas e a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP).
Não obstante a tendência decrescente que se tem vindo a registar desde 1999, Portugal tem apresentado das mais elevadas taxas de novos casos de infeção VIH e SIDA da Europa ocidental. Pela falta de recursos e investimento suficiente nesta área, muitas pessoas ainda não foram diagnosticadas, ou então são diagnosticadas muito tarde – Portugal tem uma taxa de diagnóstico tardio de cerca de 55%.
P&R a Ricardo Fernandes, Director Executivo GAT - Grupo Ativistas em Tratamentos
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O que é o GAT?
O GAT, Grupo Ativistas em Tratamentos, foi criado em 2003 e é uma organização sem fins lucrativos de doentes, pessoas que vivem com VIH, Hepatites, ou activistas nesta área que têm interesse em mudar o paradigma actual.
Qual a missão do GAT?
Nós advogamos mudanças legais e políticas que afectem positivamente a saúde, o direito e a qualidade de vida das pessoas que vivem com VIH, ou em risco de infecção de VIH, Hepatites ou infecções relacionadas. Pretendemos contribuir para o objectivo da ONUSIDA que é agora de 95-95-95 até 2030.
Em que áreas actua?
Trabalhamos, sobretudo, na área da prevenção, do diagnóstico precoce e acesso aos serviços de saúde, na área dos tratamentos, da qualidade dos tratamentos e da sua sustentabilidade, na discriminação e estigma e na produção de conhecimento, para que possamos conhecer melhor a realidade das epidemias em Portugal e, com essa realidade, podemos fazer uma intervenção de maior qualidade.
Que ações são fruto do trabalho do GAT?
Felizmente temos muitas ações bem sucedidas, mas destaco algumas: os nossos centros de saúde sexual para comunidades específicas, como o CheckPointLX e o inMouraria, que são respostas inovadoras e reconhecidas boas práticas por entidades europeias; o estabelecimento da rede de rastreio comunitário nacional, uma rede de rastreio em comunidades de risco, feita por diversas organizações sem fins lucrativos mas que permite, simultaneamente, uma uniformização dos testes e também uma recolha abrangente dos dados para que possamos conhecer a realidade epidemiológica do país.
Ricardo Fernandes, Director Executivo do GAT (Grupo Ativistas em Tratamentos), expõe a situação: “Portugal está na vanguarda daquilo que é o acompanhamento das pessoas que vivem com VIH. Temos disponíveis os melhores medicamentos, os nossos médicos estão entre os melhores da Europa, porém os recursos são escassos. Há poucos médicos, as consultas estão cheias e, apesar da lei prever que a medicação para doenças crónicas seja dispensada para mínimo de 3 meses, muitas vezes os hospitais não cumprem essa orientação por falta de orçamentação para comprarem medicamentos para tanto tempo.”
Direito à Igualdade
Embora existam meios diferentes para a transmissão do vírus – desde o sexo desprotegido à transmissão mãe-bebé (praticamente inexistente em Portugal, devido às práticas do Sistema Nacional de Saúde no acompanhamento das grávidas), um problema com que todos os portadores do vírus vivem é o medo de discriminação.
“A realidade de um portador de VIH é, sobretudo, condicionada pelo contexto de discriminação e estigma que ainda vivemos, não só em Portugal mas em todo o mundo”, explica Ricardo Fernandes. “As pessoas têm obstáculos a nível do contexto laboral, onde muitas vezes não podem contar que vivem com VIH com medo de serem discriminadas, e têm muita dificuldade em justificar todas as suas obrigações de seguimento de VIH.”
Estas obrigações incluem duas visitas ao hospital por ano, bem como análises prévias e uma deslocação mensal para obter a medicação. “Mesmo apresentando justificação do hospital, os patrões começam a indagar-se porque é que a pessoa vai tantas vezes ao hospital. Principalmente porque a maior parte dos portadores são pessoas saudáveis – como estão em tratamento, são pessoas activas e sem constrangimentos, o que torna difícil de explicar as ausências.
No website da Avert, uma organização global que reúne e promove informação e educação sobre o VIH e a SIDA, testemunhos anónimos mostram que o medo do estigma e da discriminação é um dos maiores medos dos portadores: “Eu sentia que, se dissesse a alguém que era positiva, iriam julgar-me e olhar para mim de forma diferente. Por isso, mantive o meu diagnóstico segredo durante 3 anos, mas fez-me sentir isolada do mundo. Achei que ninguém me iria aceitar a mim ou à minha situação, e isso impediu-me de encontrar alguém em quem confiar. Há tantos estereótipos à volta do VIH que fazem a vida tão mais difícil. Era mais fácil manter o segredo.”
As leis que criminalizam a transmissão do VIH ou que penalizam a não divulgação do estatuto serológico positivo, que existem em cerca de 60 países, aumentam o estigma e desencorajam as pessoas a fazerem o teste ou a serem tratadas, por receio de processos judiciais.
Em Portugal, os direitos consagrados pela lei portuguesa, como o princípio da igualdade, princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à reserva da intimidade e da vida privada ou o direito ao sigilo médico, são aplicáveis na fundamentação de participações e queixas para proteger e defender as pessoas que vivem com VIH de atos de discriminação ou de desrespeito dos seus direitos de cidadãos.
Ainda assim existem barreiras na vida diária, como discriminação em atendimento nos serviços de saúde públicos ou, por exemplo, na compra de casa. “A partir de um determinado montante, é exigido um teste ao VIH para o seguro de vida. A pessoa verá o seu seguro recusado ou agravado devido à sua condição de saúde” explica Ricardo Fernandes. “Este tipo de procedimentos é baseado num cálculo, ao qual não temos acesso à fórmula atual, mas que sabemos ser desatualizado e que não tem em conta a actual esperança média de vida de um portador de VIH.”
Depois existe ainda, a discriminação dentro da própria família, que acontece a alguns portadores do vírus. É uma área complexa para os grupos de apoio, que não têm como interferir em situações familiares. Organizações como o GAT tentam garantir que os portadores têm o apoio emocional e psicológico necessário, referenciando-as para cuidados especializados, onde possam as questões emocionais que advêm da não-aceitação por parte da família.
Cabe aos portadores de VIH decidir se contam e a quem contam o seu estado serológico. Muitos optam por não contar, por medo de estigma, discriminação ou violência. No entanto, prestadores de cuidados de saúde defendem que é importante para a saúde mental dos portadores que tenham alguém com quem partilhar os seus medos e que os encoraje a manter o tratamento.
Apoiar alguém com VIH
“A Organização Mundial de Saúde aponta o estigma e a discriminação como uma das grandes barreiras a conseguirmos controlar a epidemia do VIH/SIDA. As pessoas acabam por não se testar com medo do resultado positivo, no fundo por causa de toda a realidade que mudará à volta delas do ponto de vista do estigma e da discriminação. Por outro lado, muitas pessoas que descobrem que são seropositivas, acabam por não recorrer aos serviços de saúde com medo de encontrar alguém e serem “descobertas”, e sofrerem repercussões a nível social, como perder família e amigos – aquilo a que chamamos uma “morte social”, explica o director do GAT.
O melhor que pode fazer pelos portadores de VIH é lutar contra o estigma – informe-se e derrube os mitos que encontrar sobre o VIH nos seus círculos. O VIH é uma doença de transmissão díficil (apenas possível através de atos sexuais desprotegidos, a partilha de objectos cortantes e perfurantes como as utilizadas no consumo de drogas, e a transmissão vertical entre mãe e filho), pelo que o contato habitual e convívio com portadores de HIV não traz nenhum risco. Pelo contrário, as pessoas diagnosticadas que tomam a medicação e têm a sua carga viral indetectável, não conseguem transmitir a infecção.
Organizações como o GAT Portugal, fornecem inúmeros folhetos com explicações simples sobre o vírus. Pode também contactar as organizações que trabalham com o tema e fazer voluntariado ou apoiar o seu trabalho.
Por fim, se alguém que conhece for diagnosticado, esteja aberto a ouvir e a apoiar. Informe-se sobre o vírus e os apoios disponíveis e encoraje a pessoa a seguir o tratamento. E trate-a como sempre tratou – como um amigo.