Para Donald Trump, o general Qassem Soleimani “deveria ter sido abatido há muitos anos”. Mas foi na madrugada desta sexta-feira que o presidente norte-americano deu luz verde para o ataque ao líder da Al Quds, uma divisão responsável pelas operações do estrangeiro — e clandestinas — do Corpo da Guarda Revolucionária do Irão. A decisão começa agora a ser questionada interna e externamente. Por um lado, terá sido este ataque legal à luz da lei internacional? Por outro, devia ter sido autorizado previamente pelo Congresso norte-americano?

Os Estados Unidos justificam a morte de Soleimani como um ato de legítima defesa. “O ataque teve como objetivo travar novos planos de ataque iranianos”, explicou o secretário de Estado da Defesa, Mark Esper, numa nota emitida pouco depois de anunciada a morte do general. Soleimani estaria a planear ataques a instalações e diplomatas norte-americanos no Iraque, Líbano e Síria, segundo explicou com mais detalhe o representante especial dos EUA para o Irão, Brian Hook, ao canal saudita Al Arabiya. Nesta lógica, se o general não tivesse sido travado a tempo, centenas de norte-americanos acabariam por morrer.

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Esta justificação já foi, no entanto, questionada por pessoas de várias entidades. Uma delas foi Agnès Callamard, especialista em direitos humanos e relatora da ONU sobre execuções arbitrárias, que recorreu ao Twitter para questionar este ataque fatal — que vitimou também o número dois da coligação de grupos paramilitares pró-iranianos no Iraque, Abu Mehdi al-Muhandis. Nas suas palavras, estas mortes “provavelmente violam o direito internacional, incluindo os direitos humanos“.

Segundo explica, um país pode matar em legítima defesa apenas se esta for a única opção para impedir um ataque iminente. Fora deste contexto, “usar drones ou outros meios” para levar a cabo um assassinato seletivo, quase nunca é legal, mesmo que o alvo tenha estado envolvido em ataques terroristas no passado. Callamard lembrou também que mortes colaterais, como os seus motoristas e seguranças, são ilegais.

No entanto, este ataque pode ser justificado pelas leis internacionais de guerraexplica Bobby Chesney, advogado e professor de direito na Universidade do Texas, à NBC News. Isto porque, diz, apesar de o país não estar “tecnicamente” em guerra com o Irão, “parece estar num estado de conflito armado”. Nesse caso, a morte de um militar é justificada e a morte dos seus seguranças e motoristas não é ilegal, desde que o ataque tenha sido “proporcional” — ou seja, que tenham sido usados apenas os meios necessários para alcançar o objetivo.

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Noha Aboueldahab, investigadora do Brookings Institution, alerta no entanto para um detalhe que pode alterar a configuração deste ataque, do ponto de vista legal. Em declarações à Euronews, a investigadora lembra que o Corpo da Guarda Revolucionária do Irão é considerado pelos EUA como uma organização terrorista. Esta designação “expande drasticamente os limites do que é legal ou não”.

Os EUA consideram que estão em guerra contra o que consideram ser entidades terroristas, o que, por sua vez, lhe permite (no seu ponto de vista) realizar assassinatos seletivos”, explica.

Ainda assim, Aboueldahab defende que “a legalidade deste tipo de ataques de legítima defesa ou de defesa preventiva está longe de ser clara no direito internacional, pela razão óbvia de que pode ser usada ou abusada de forma imprudente”.

Trump tinha de pedir autorização ao Congresso? Advogados disseram-lhe que não

Se existiam indícios e provas de um ataque eminente por parte do Irão, ainda não foram revelados. A única informação que Donald Trump deu foi a de que Soleimani estava a planear “ataques tenebrosos”, prestes a acontecer e que foi apanhado “em flagrante”.

Agimos na noite passada para travar uma guerra. Não agimos para começar uma guerra”, assegurou.

Com indícios ou não, Trump decidiu e o ataque mortal aconteceu. O que levanta outra questão: não deveria o presidente norte-americano ter pedido aprovação do Congresso?

A primeira a levantar a questão foi Nancy Pelosi, líder dos democratas na Câmara dos Representantes, que exigiu mais detalhes sobre o que a administração vai fazer a seguir, sublinhando que o Congresso não tinha recebido qualquer informação prévia. “O ataque aéreo desta noite arrisca provocar uma ainda maior escalada perigosa de violência. Os EUA — e o mundo — não se podem dar ao luxo de as tensões escalarem até ao ponto de não retorno”.

Depois, Chuck Schumer, líder dos Democratas no Senado, foi mais claro: Disse à CNN que Trump não consultou os principais membros do Congresso, pelo que teme questões sérias sobre a base legal da operação.

“Esta ação pode muito bem ter aproximado a nossa nação de outra guerra sem fim — exatamente o tipo de guerra sem fim para a qual o presidente prometeu que não iria nos arrastar”, disse Schumer.

Mas não foi isso que considerou Trump ou os três grupos diferentes de advogados — da Casa Branca, Departamento de Justiça e Departamento de Defesa — que consultou. Escreve a CNN, que cita fonte da administração Trump, que todos os três grupos de advogados consideraram o ataque “uma ação totalmente apropriada e 100% legal”.

Mais: que Trump tinha autoridade para não pedir autorização do Congresso, uma vez que se trata de uma questão de legítima defesa.”Não sentimos a necessidade de pedir autorização sobre os direitos básicos de legítima defesa”, disse a fonte da administração.

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