“Estamos a preparar-nos para a hipótese de contágios em massa, pelo que estão a ser tomadas medidas de prevenção e controlo de infeções para que todos os hospitais do mundo apliquem as precauções habituais”. O aviso foi feito pela diretora interina do departamento de doenças emergentes da Organização Mundial de Saúde (OMS) em conferência de imprensa a 14 de janeiro, dois dias depois de as autoridades tailandesas terem detetado no aeroporto o caso de uma mulher que acabara de chegar da China e que teria sido infetada por uma nova estirpe do coronavírus (2019-nCoV). E de haver já registo 41 infetados e um morto.

O alerta, porém, seria considerado “excessivo” em Portugal. A Direção-Geral de Saúde prometia atenção ao problema, mas insistia que eram muito curtas as possibilidade de se tornar numa epidemia global. Uma semana e meia depois, os números não pararam de aumentar e esta sexta-feira eram já 26 os mortos, com quase 830 casos positivos e a presença do vírus em nove países.

Enquanto a OMS, que já se reuniu duas vezes, continua a considerar ainda não haver uma emergência global, mas, para já, uma emergência na China que tem um elevado risco a nível regional e global”, como frisou o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus, a posição portuguesa passou a “mais atenta”, mas mantém-se “pouco alarmista” e a “aguardar com tranquilidade a evolução do surto”.

14 de janeiro: OMS alerta para a possibilidade de contágio entre humanos

Maria Van Kerkhove explicava, a 14 de janeiro, que o genoma do novo vírus já tinha sido sequenciado por laboratórios chineses e alertava para a possibilidade de haver contágio entre humanos, embora ainda não existissem dados suficientes para confirmar essa suspeita. Nessa altura, mais de 700 pessoas estavam a ser vigiadas, 41 casos tinham sido oficialmente confirmados na China, seis dos quais em estado grave. E a primeira vítima mortal do surto tinha sido registada em dezembro: era um homem de 61 anos, um cliente habitual de um mercado de peixe em Wuhan que foi encerrado ao público, por ter sido o local onde a maioria dos infetados (comerciantes e consumidores) tinha estado.

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Ainda nesse dia, via comunicado no site oficial, a Direção-Geral de Saúde tentava acalmar os portugueses. Depois de explicar que tinha sido “identificado um novo coronavírus como agente etiológico da doença”, ressalvava: “O surto continua em investigação”. “Os dados preliminares não revelam evidência de transmissão pessoa a pessoa”, lia-se no comunicado, que também emitia recomendações a todos os que viajassem para aquela região — para que evitassem contactos com pessoas que aparentassem infeções respiratórias, lavassem frequentemente as mãos e evitassem contactos com animais, por exemplo.

15 de janeiro: DGS considera alerta “um bocadinho excessivo”

Um dia depois, sabe-se oficialmente que, no caso detetado com o vírus na Tailândia, a mulher que contraiu a doença não tinha estado no mercado de peixe frequentado pelos outros infetados. Um especialista em medicina respiratória da Universidade da China, David Hui Shu-cheong, revelava também ao jornal South China Morning que esta informação podia significar “que o vírus estivesse a alastrar para outras zonas de Wuhan”. A possibilidade de ser transmitida entre humanos não era confirmada pelas autoridades de saúde de Wuhan, no centro da China, mas, numa declaração publicada no portal oficial, a Comissão Municipal de Saúde de Wuhan explicava que, embora não houvesse nenhum caso de contágio entre seres humanos comprovado, a possibilidade de ocorrência “limitada” não podia ser descartada.

Nesse dia, e perante as reações ao alerta lançado pela própria OMS — com a experiência do que aconteceu em 2002, com o SARS (800 mortos) e em 2012 com o MERS (790 vítimas)  –, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, acabaria por falar aos jornalistas à margem de um evento no Infarmed.

Apesar de salientar ser importante acompanhar a evolução do vírus, a DGS mostrou-se menos alarmada que a OMS e as autoridades chinesas, considerando mesmo excessivas as palavras da OMS quanto à hipótese de este vírus se propagar e sair da China e de ser transmitido entre humanos.

“É um bocadinho excessivo. Obviamente há sempre esse potencial na natureza, uma pandemia da gripe é quando um vírus da gripe sofre uma mutação tão grande que é altamente contagioso e pode atingir todo o mundo. Quando foi a SARS, foram tomadas medidas drásticas, neste caso parece-me um bocadinho excessivo porque não há, de facto, evidência de transmissão entre pessoas, para haver essa massificação da doença é preciso que, por contacto ou por via aérea, um vírus se dissemine entre a população humana, não é o caso”, disse.

Na altura, a convicção de Graça Freitas era que o vírus dificilmente passaria fronteiras. “Não há grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal, mesmo na China, o surto foi contido, porque o mercado foi encerrado. Portanto era necessário que alguma pessoa estivesse nessa cidade, nesses mercados, e que entretanto tivesse vindo para Portugal. A probabilidade é muito pequena”, garantiu a responsável, que voltou a dizer que o vírus estava “circunscrito à cidade chinesa onde ocorreu” e que não havia razões para os portugueses estarem alarmados.

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Para essa convicção contribuía também o facto de Graça Freitas considerar “fraquíssima” a possibilidade de contágio entre humanos. “Isso é apenas uma possibilidade, e portanto a eventual propagação não é uma hipótese neste momento a ser equacionada”, disse, justificando a sua afirmação com o facto de, à data, “nenhum profissional de saúde” ter adoecido — ao contrário do que aconteceu com o SARS,  “em que os profissionais de saúde foram muito atingidos pela doença, morreram muito, porque estavam de facto em contacto com os doentes”.

Ainda assim, Graça Freitas garantiu que, em Portugal, todos os serviços de saúde estão preparados caso exista alguma suspeita de um caso semelhante. “Nós alertámos os serviços de saúde, temos uma linha de apoio, uma linha telefónica que é atendida por médicos. Se um médico atender um doente que vem daquela cidade e tiver uma pneumonia ou sintomas respiratórios telefona para a linha. A linha de contacto SNS24 também está alertada”, informou, voltando a referir não haver “nenhum motivo para alarme” ou “nenhum motivo sequer para alerta”

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21 de janeiro. Novos casos fora do país e entre profissionais de saúde

Uma semana depois, os dados das autoridades chinesas revelavam precisamente o contrário do que a diretora-geral da Saúde antevia e confirmavam os receios da OMS. Depois da China e da Tailândia, começaram a aparecer pacientes infetados no Japão, na Coreia do Sul, em Macau e nos Estados Unidos. Um comunicado da própria DGS emitido esta terça-feira fazia este ponto de situação: 270 casos em Wuhan, incluindo quatro mortos.

O surto não ficou confinado a Wuhan, na província de Hubei, como dizia Graça Freitas, havendo já registo de 14 casos na província de Guangdong, cinco na província de Beijing, dois casos em Shangai e, além fronteiras, dois na Tailândia, um no Japão e outro na Coreia do Sul. E as autoridades chinesas até já alertaram para que não se saia nem se entre em Wuhan. Só depois de a DGS emitir este comunicado se conheceram os casos em Macau e nos Estados Unidos.

E mesmo o que a diretora-geral de Saúde usava como explicação para que o vírus não fosse transmitido entre humanos também foi derrubado: houve 15 casos confirmados em profissionais de saúde.

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Em cerca de 24 horas, o cenário agravou-se ainda mais. Esta quarta-feira, enquanto a OMS estava reunida de emergência para tomar medidas sobre este novo vírus, uma atualização dos dados mostrava que as vítimas destes vírus duplicaram: 17 mortos e 473 pessoas comprovadamente infetadas só na China.

O Observador tentou falar com Graça Freitas, por mais que uma vez, para perceber se a desvalorização inicial relativamente ao coronavírus se mantinha, mas a diretora-geral remeteu explicações para uma conferência de imprensa esta quarta-feira. Após essa conferência, mais contida, e confrontada pela TVI se era caso para alarme, Graça Freitas respondeu: “Há caso para continuarmos muito atentos, de facto houve um aumento de casos, não foi ainda identificada a fonte donde é que este vírus foi originário e isso é muito importante”.

Temos que estar atentos e ir tomando medidas à medida que o risco nos indicar que devemos tomar essas medidas. Sabemos que todos os países estão a fazer o mesmo, que a China está a fazer um esforço para conter o vírus dentro de fronteiras, vamos aguardar atentamente sem alertas”, acrescentou, explicando que por ora não iriam ser tomadas medidas, para além do reforço das linhas telefónicas de apoio à saúde.

A DGS reafirmou que não há uma situação de alarme, mas, por precaução, está “com mais atenção” aos sete casos exportados para fora da China.

Fonte oficial do Ministério da Saúde, também contactada pelo Observador, garantiu que o Governo está acompanhar o caso em permanência através da DGS e da OMS. Apesar das indicações da OMS há uma semana, uma outra fonte da Direção-Geral da Saúde considerou normal estes vírus serem avaliados em Portugal “de uma forma evolutiva e pouco alarmista”.

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Um dia depois da segunda reunião do comité da OMS – na qual, mais uma vez, se optou por não declarar a emergência global, adiando para quinta-feira uma decisão sobre medidas adicionais, mas falando já num “elevado risco a nível regional e global”, como frisou o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus, a diretora-geral da Saúde voltou a falar sobre o tema.

Graça Freitas confirmou aos jornalistas aquilo que há uma semana e meia considerou ser um cenário com pouca “probabilidade”. Três pessoas que tinham vindo da China  para Portugal e com sintomas semelhantes aos provocados pelo coronavírus (espirros, dificuldades respiratórias) ligaram para a linha SNS24 (808242424). O último contacto telefónico foi “na última noite”, adiantou, esta sexta-feira, a diretora-geral da saúde, Graça Freitas.

No entanto, em nenhum dos casos se considerou que se podia estar perante o Novo Coronavírus. “Se o risco escalar, teremos de escalar as medidas”, assumiu a responsável, que esta semana também reforçou as medidas de prevenção em duas unidades de saúde: nos hospitais de São João (adultos e crianças), no Porto, e Curry Cabral e Dona Estefânia, em Lisboa.

Sobre as medidas a aplicar nos aeroportos, designadamente o rastreio de passageiros, Graça Freitas disse que essa medida, para já, não é aconselhada pela OMS e que é “uma tarefa do país de origem da doença (China), que tem de rastrear todos os passageiros que possam estar doentes na altura do embarque”.

Graça Freitas disse ainda que é preciso “aguardar com tranquilidade a evolução do surto”.