As alterações ao subsídio de mobilidade para os residentes da Madeira — segundo as quais os madeirenses apenas terão de pagar o preço máximo estipulado de 86 euros (65 no caso dos estudantes), libertando-os de adiantar valores passíveis de reembolso — vão fazer com que os passageiros do arquipélago deixem “de ser sensíveis ao preço” dos voos e passem a comprar passagens mais caras, diz ao Observador do diretor de operações em Portugal da companhia aérea low-cost, José Lopes. Ou seja, a medida vai acabar por custar mais aos contribuintes, porque o Estado reembolsa a diferença entre os 86 euros e o custo real do voo.

Mas a medida também não será neutra para a empresa, já que a transportadora se apressou a lançar uma ameaça: encerrar a rota para a Madeira se a medida, aprovada no Orçamento do Estado para este ano, não for revertida.

O Parlamento aprovou na quarta-feira, por unanimidade, uma proposta do PSD-Madeira que antecipa para 2020 a revisão do regime de mobilidade para os residentes do arquipélago da Madeira que voem para o continente. Até agora, os madeirenses tinham de pagar o valor total do bilhete, pedindo depois um reembolso — que correspondia ao montante pago acima de 86 euros (65 euros no caso dos estudantes), até um limite de 400 euros. Por exemplo, se a passagem de avião custasse 250 euros, um passageiro (que não estude) recebia a diferença entre esse valor e 86 euros, ou seja, 164 euros. Mas, para obter o reembolso, era necessário entregar vários documentos em lojas CTT, sendo que o processo podia demorar meses.

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As regras vão, porém, mudar e os madeirenses vão passar a pagar no ato da compra apenas o valor que efetivamente têm de desembolsar (nas viagens entre a região autónoma e o continente, o valor é de 65 euros para os estudantes, e 86 para os restantes; no caso dos voos entre a Madeira e os Açores, o limite é de 89 e 119 euros, respetivamente), não tendo de pagar o valor total do bilhete e de pedir depois o reembolso. Além disso, desaparece o limite máximo de 400 euros. Na prática, o pedido de reembolso deixa de ser feito pelo passageiro, para passar a ser realizado pela própria companhia aérea — e, por arrasto, os atrasos nos pagamentos em vez de serem imputados aos madeirenses, passam também para as empresas.

Em declarações ao Observador, José Lopes critica a medida, afirmando que fará com que os madeirenses deixem de ser “sensíveis ao preço”, e que passem a comprar voos mais caros e mais tarde, “porque para eles o preços é sempre o mesmo”. Alerta, por isso, que a medida vai fazer aumentar a comparticipação do Estado nas viagens. Pelas contas da Easyjet, o OE passará a ter de desembolsar 200 milhões de euros por ano para apoiar a medida (em vez dos atuais 45 milhões).

Se o preço real for de 500, 600 ou 1.000 euros, o Estado é que paga a diferença e a pessoa que está a viajar é insensível ao preço. E isto vai fazer disparar os preços para o OE”.

Com esta reação, a Easyjet parece antecipar uma das possíveis consequências da medida: que os passageiros passem a escolher a companhia aérea não apenas consoante o preço. Na prática, na ótica dos madeirenses, todas as companhias passam a ser “low-cost” (precisamente porque terão de pagar sempre o mesmo valor).

Medida demoraria “cerca de três anos” a ser implementada

A companhia tem ainda mais argumento contra a medida, desta feita de carácter técnico. Segundo José Lopes, o novo regime “não é implementável em termos tecnológicos”, dado que seria necessário que a companhia criasse “uma linha de compra nos nossos canais de vendas, quer no website, quer na app, quer nas ligações que os sistemas têm aos sistemas dos agentes de viagens, completamente separado, completamente novo, feito de raiz”, o que poderia levar “cerca de três anos”.

Trata-se de criar um processo de compra novo em duas rotas num universo de mais de 1100 rotas. É extremamente complexo e não exequível.”

Para o responsável da Easyjet, a situação devia ser resolvida com um “mecanismo” através do qual as pessoas recebessem os reembolsos “de forma automática”, mas excluindo a intervenção da companhia aérea, que apenas teria de informar o Estado sobre os detalhes do voo em que cada passageiro viajou. O pagamento aos madeirenses seria depois feito automaticamente por um serviço público, “tal como nos reembolsos de IRS”.

Aquilo que devia existir é um sistema de corresponsabilização que faça com que as pessoas procurem tarifas mais baratas, comprem com antecedência os voos e depois recebam os seus reembolsos de forma rápida  e eficiente ao longo do tempo”, acrescenta o responsável pela low-cost em Portugal.

José Lopes pede “bom senso político” aos deputados e partidos políticos para que revertam a decisão. Se tal não acontecer, a companhia aérea garante que vai encerrar as ligações ao arquipélago.

“Sistema de incentivos está a fazer aumentar tarifas”

O diretor de operações da Easy Jet no país considera ainda que o regime de subsídios de mobilidade na Madeira “está a provocar uma subida das tarifas”, por estar a fazer aumentar a procura. Nas contas da Easyjet, os gastos públicos com o subsídio de mobilidade têm aumentado. Quando o modelo dos limites de reembolso foi criado, em 2015, o valor fixou-se “em 24 milhões” e “hoje em dia, já ultrapassa os 45 milhões”, segundo o responsável. “Atirou-se dinheiro para o sistema e as pessoas, como deixaram de ser sensíveis ao preço, começaram a comprar mais caro. A nossa estimativa é que o modelo que querem implementar vá representar um custo para o OE superior a 200 milhões de euros, porque todos os madeirenses vão deixar de ser, de todo, sensíveis ao preço”.

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Em julho, a Comissão parlamentar de Economia aprovou uma proposta do PSD-Madeira que previa que os madeirenses passassem a pagar apenas 86 euros (65 para estudantes) nas viagens entre o continente e o arquipélago. A lei foi publicada em Diário da República em setembro para que entrasse em vigor com o Orçamento do Estado (OE) seguinte, ou seja, de 2020.

Segundo o texto aprovado na Comissão, terá de ser a companhia aérea a “requerer, nos serviços competentes da entidade prestadora do serviço de pagamento [que é designada pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e dos transportes aéreo e marítimo], o respetivo pagamento”.

Promulgado diploma de alterações ao subsídio de mobilidade dos residentes na Madeira

A medida visa a “consagração de um princípio que visa unificar todo o território Português, incluindo os Portugueses que vivem nas Regiões Autónomas”. Foi inscrita na proposta de OE do Governo, mas para entrar em vigor apenas em 2021. Só que uma proposta de alteração entregue pelo PSD-Madeira antecipou o prazo para este ano. Foi aprovada por unanimidade “e “produz efeitos com a entrada em vigor do Orçamento do Estado de 2020”.

A Easyjet considera, porém, que falta informação sobre como deve ser operacionalizada e que, “até notícias do contrário”, vai continuar a vender voos para a Madeira.