Nova Iorque é a casa de partida do roteiro internacional das grandes semanas da moda, mas também a passerelle que mais se tem ressentido com a redefinição de estratégias por parte de marcas e designers. Esta edição, que chegou ao fim na última quarta-feira, depois de dez dias de desfiles, não foi exceção e as ausências foram quase tão badaladas como as propostas dos criadores para o outono de 2020.
Pela primeira vez em décadas, Ralph Lauren, o grande veterano da moda norte-americana, abdicou do lugar no calendário oficial. O designer apresentará a sua coleção para a próxima estação fria em abril. Tommy Hilfiger, outro nome forte, optou por atravessar o Atlântico. O desfile do criador acontece no próximo dia 16 de fevereiro na Tate Modern, durante a Semana da Moda de Londres. E Jeremy Scott? O diretor criativo da Moschino cancelou a presença na Semana da Moda de Nova Iorque a duas semanas do arranque do evento e anunciou que o desfile da marca homónima irá ter lugar em Paris, durante o mês de julho.
A agenda nova-iorquina viu-se ainda privada da sua estrela maior. Tom Ford, que é também presidente do Council of Fashion Designers of America (CFDA), levou o seu aguardado desfile para Los Angeles, uma jogada de génio já que a Costa Oeste registou, em fim de semana de Óscares, a maior concentração de estrelas por metro quadrado do ano. Jeff Bezos, Jennifer Lopez, Miley Cyrus, Renée Zellweger, Kylie e Kris Jenner, Kate Hudson, Demi Moore e Chiara Ferragni — a constelação ocupou a primeira fila e viu desfilar uma coleção feita a pensar, não em passadeiras vermelhas, mas num guarda-roupa quotidiano, chique e sensual, ao estilo do senhor Ford.
Uma igreja neo-bizantina e o Drácula de Coppola: o regresso dramático de Rodarte
Da mesma forma que marcas e designers se mantêm distantes da semana da moda — Alexander Wang adotou uma agenda desfasada, Joseph Altuzarra e Thom Browne foram para Paris e a Calvin Klein não está a apresentar coleções em formato de desfile –, outros optam por regressar. Foi o que aconteceu na última terça-feira com as irmãs Kate e Laura Mulleavy, fundadoras e diretoras criativas da Rodarte. O cenário foi privilegiado: a nave central da Igreja de São Bartolomeu e um aparato decadente de trepadeiras, mobiliário, lâmpadas e velas.
“Drácula de Bram Stoker”, de Francis Ford Coppola, está por detrás da coleção do próximo outono. A ligação é tudo menos direta — mais do que visuais vampirescos, foi o guarda-roupa desenhado em 1992 por Eiko Ishioka, em especial para a personagem de Winona Ryder, que serviu de referência à dupla. As silhuetas senhoris dos anos 40, as polka dots, os drapeados, as mangas volumosas, os estampados florais de toque vintage e a overdose de lantejoulas não podiam estar mais longe de um registo noturno.
Na fase final do desfile, a passerelle encheu-se de longos vestidos fluidos e de espécies botânicas exuberantes. Os coordenados negros estiveram pelo meio, a recordar que as histórias sombrias nunca deixaram o imaginário das irmãs Mulleavy. Com uma mão cheia de naked dresses, a Rodarte piscou ainda o olho às mais cobiçadas passadeiras vermelhas. Um regresso dramático? Sim, mas igualmente triunfante.
Durante a ausência em Nova Iorque, a marca experimentou a Semana da Alta-Costura de Paris, refugiando-se, mais recentemente, na sua cidade natal, Los Angeles. Dentro de um estúdio e com as embaixadoras da marca — Kristen Dunst, Yalitza Aparicio, Gabrielle Union, Lili Reinhart e King Princess, entre outras — personificaram um excesso romântico e kitsch que pode muito bem, agora de volta à passerelle, catapultar a Rodarte para um lugar dianteiro no panorama da moda.
No dia anterior, segunda-feira, a Proenza Schouler marcou o calendário. Depois de deambular por Paris, a dupla Jack McCollough e Lazaro Hernandez regressou a Nova Iorque em 2018. As assimetrias e as bainhas pelo joelho foram os destaques de uma coleção sóbria e utilitária, que os criadores admitiram ter nascido de uma manta. Este elemento conduziu a golas e decotes desnivelados e ao uso inesperado de abotoaduras em saias e vestidos.
Nova Iorque e os novos prodígios
Talvez a Semana da Moda de Nova Iorque esteja mesmo em crise, embora ver um veterano a sair de fininho possa também representar um incentivo à renovação. Num calendário que se estendeu por dez dias e que só na reta final abriu alas para os pesos pesados da moda norte-americana, as atenções voltam para novas promessas do design, como é o caso da consensual Felisha Noel, cujas criações podemos facilmente imaginar nas curvas de Beyoncé (nem de propósito, a designer natural de Brooklyn já vestiu esta e outras divas). Abriu a primeira loja aos 19 anos. Esta quarta-feira, nove anos depois, estreou-se na semana da moda
Sukeina foi outra estreia da fashion week. Criada pelo senegalês Omar Salam em 2012, a marca é atualmente uma das favoritas de Naomi Campbell, com peças estruturadas e volumes criados por plumas. Depois de Londres e Paris, a chinesa Muzkin chegou à passerelle nova-iorquina. Tia Adeola é outro dos nomes há muito na mira dos críticos. Já vestiu Gigi Hadid e Sia e, em 2018, fez parte da lista dos 21 melhores jovens designers da Teen Vogue. A estreia foi no dia 8 de fevereiro, ao som de “Girl From Ipanema”.
Entre os não estreantes, existem tenros talentos dignos de nota e Christopher John Rogers é seguramente um deles. Em novembro do ano passado, levou para casa o prémio CFDA/Vogue Fund e na passerelle já se afirmou com uma linguagem inconfundível. Exuberante, garrido e ruidoso — propôs um outono de folhos, tons flúor, ombros poderosos, vestidos de baile megalómanos. Enquanto isso, a marca Area explora materiais, peças e silhuetas renunciado à linearidade clássica de uma coleção. Franjas boémias, malhas confortáveis, looks de alfaiataria, slip dress e volumes teatrais — Nova Iorque é o palco certo.
Herrera e de la Renta: o poder do sangue novo
São duas marcas históricas, ambas a gozar de um novo fulgor. Dentro dos ateliers da Carolina Herrera, Wes Gordon é rei desde 2018. No caso da Oscar de la Renta, Laura Kim e Fernando Garcia assumiram o controlo há quase quatro anos. No moodboard, a dupla reuniu referências tão dispersas como fotografias do famoso Baile Preto e Branco de Truman Capote, no Placa Hotel, pinturas de Caravaggio e o clássico da Disney “Fantasia”. A confluência de ideias desfilou na emblemática Biblioteca Pública de Nova Iorque — visuais diurnos marcados pelo color block e, em contraste, por uma escala sóbria de cinzentos. Com o evening wear, deu-se uma explosão de plumas, brilhos e plissados. Pelo meio, apareceu uma versão em preto do vestido usado por Scarlett Johansson na cerimónia dos Óscares.
Já Wes Gordon voltou a pincelar a passerelle branca de cores fortes. O azul cobalto, o amarelo canário e o escarlate abriram as hostilidades, sob o olhar atento da própria Carolina Herrera, sentada na primeira fila. O equilíbrio entre a aura glamorosa da marca e um vestuário desenhado para o dia-a-dia da mulher é constante no trabalho de Gordon — uma única peça pode simultaneamente ser uma sweatshirt descontraída e um elegante vestido de cocktail. Mais do que bordados minuciosos e pedraria aplicada, o designer trabalha a cor, os volumes e a arquitetura das peças.
O nostálgico Marc Jacobs
Coube a Marc Jacobs, que à luz desta edição da semana da moda até pode ser considerado um resistente, encerrar o calendário, ao final da tarde desta quarta-feira. Experiente viajante no tempo, o baú abriu-se diretamente para os anos 60, bem mais alinhado com o guarda-roupa de Jackie do que com o de Brigitte. As silhuetas em forma de A, os colarinhos arredondados e os tons pastel foram elementos reatualizados à luz de um minimalismo depurador. Na reta final da apresentação, Jacobs libertou-se desta contenção, trabalhou comprimentos, texturas e volumes e apresentou vestidos de noite capazes de brilhar na mais faustosa das falas.
Foi um desfile repleto de estrelas. A abertura ficou a cargo da dançarina e coreógrafa Karole Armitage, que cedeu lugar na passerelle aos rostos do momento como Gigi e Bella Hadid, Kaia Gerber, Karlie Kloss, Adut Akech, Mica Argañaraz, Liya Kebede, Edie Campbell, entre outros. Miley Cyrus foi convidada a desfilar, vestiu calças e top pretos.
O criador encerrou a fashion week com chave de ouro. Nos últimos dias desfilaram ainda nomes como Michael Kors, Christian Siriano, Tory Burch, Jason Wu, Anna Sui e Coach, entre muitos outros. O calendário de apresentações das coleções outono-inverno 2020/21 prossegue em Londres, onde os desfiles começam já esta sexta-feira e se prolongam até dia 18 de fevereiro. Marcas como Victoria Beckham, Erdem, Burberry, Roland Mouret, Christopher Kane e os portugueses Marques’Almeida fazem parte do alinhamento. Para já, fique com as imagens dos desfiles que marcaram a Semana da Moda de Nova Iorque na fotogaleria.