Morreu José Oliveira Costa, economista, político e ex-banqueiro, avança a Visão. O ex-presidente do BPN (Banco Português de Negócios) tinha 84 anos e foi o primeiro banqueiro a cair, afastado meses antes do Estado ter nacionalizado o banco no final de 2008. Nesse ano, porém, Oliveira Costa acabaria detido num mega-processo, sendo aliás até agora o único banqueiro a ser detido por crimes de gestão, ainda que apenas preventivamente. Acabou por ser condenado, quase dez anos depois, a uma pena de 15 anos de cadeia num caso que ainda não está fechado. O funeral realiza-se na quinta-feira pelas 16h15, na Basílica da Estrela, em Lisboa.

Oliveira Costa foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva. Em 1998, chegou ao cargo de presidente do Banco Português de Negócios que ajudou a fundar e que foi a cabeça do grupo Sociedade Lusa de Negócios (SLN). Foi através da SNL que criou uma rede de ex-políticos, quase todos ligados a governos do PSD, dos quais Dias Loureiro e Arlindo Cunha eram alguns dos rostos. Nem Cavaco Silva ficou de fora da rede influências do antigo banqueiro, tendo investido em ações da SLN que depois revendeu com o acordo de Oliveira Costa a um preço mais elevado. Um negócio polémico que obrigou o já então Presidente da República a dar explicações públicas sobre a transação realizada enquanto não tinha funções de Estado.

Oliveira Costa abandonou a presidência do BPN no final de 2007, entre suspeitas de irregularidades no banco. Miguel Cadilhe, que lhe sucedeu a convite dos acionistas da SLN, ainda tentou segurar a instituição, ao mesmo tempo que limpava os problemas financeiros, mas a crise financeira de 2008 e o pânico que se seguiu à queda do Lehman Brothers levaram o então Governo de José Sócrates a avançar para a nacionalização do banco.

Esta foi a primeira intervenção pública de ajuda a uma instituição bancária e até agora a mais escrutinada com duas comissões parlamentares de inquérito e com uma fatura que já alcançou os 4.000 milhões de euros e que ainda não está fechada, mesmo depois da venda do banco em 2011 — depois de nacionalizado, o banco foi gerido pela Caixa Geral de  Depósitos e depois vendido aos angolanos do BIC por 40 milhões de euros, já sem os ativos tóxicos. A herança dos ativos mais tóxicos ficou no Estado, em sociedades veículo (a Parvalorem e a Parups).

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Oito anos depois de vender o BPN ao EuroBic, o Estado ainda está a pagar

A primeira comissão parlamentar de inquérito em 2009, logo após a intervenção do Estado naquele banco, ajudou a revelar vários esquemas e fraudes no BPN, incluindo uma contabilidade paralela escondida no Banco Insular, instituição com sede em Cabo Verde, onde estava escondido um buraco dos prejuízos e créditos incobráveis da instituição liderada por Oliveira Costa. Logo após a passagem para a gestão da Caixa Geral de Depósitos, foi identificado uma insuficiência financeira de 1800 milhões de euros.

Para além do desfile de operações suspeitas e fraudulentas, algumas das quais envolveram antigos políticos do PSD de Cavaco Silva, a comissão de inquérito expôs também a inoperância do Banco de Portugal na supervisão do BPN, apesar das várias inspeções realizadas ainda durante a gestão de Oliveira Costa, que antes de ser banqueiro foi administrador do supervisor bancário, e das muitas determinações para corrigir irregularidades que o banco ignorou ou demorou a responder.

O caso do BPN pôs ainda em cheque o papel de Vítor Constâncio como governador do Banco de Portugal, tendo sido pedida a sua demissão por vários partidos da oposição após a primeira comissão de inquérito.

Quando foi pela primeira vez chamado ao Parlamento a explicar as suspeitas que caiam sobre a sua gestão, Oliveira Costa recusou falar para não se autoincriminar. Mas, meses depois, já detido em prisão preventiva, o antigo banqueiro regressou ao Parlamento sob escolta policial para uma audição de muitas horas que acabou já depois da meia noite.

Mais lento foi o processo na justiça.

Por que razão Oliveira Costa foi condenado?

Considerado autor da “maior burla da história”

Foram precisos seis anos, 2 mil dias, 170 testemunhas e 25 milhões de documentos até ao dia da sentença, em maio de 2017. Oliveira e Costa, à data com 81 anos, não esteve presente, já por motivos de saúde. Era ele um dos principais arguidos, acusado dos crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documentos, infidelidade, aquisição ilícita de ações e fraude fiscal. E que acabou condenado a 14 de anos de cadeia, naquela que foi considerada a “maior burla da história da Justiça portuguesa julgada até ao momento”, como referiu o presidente do coletivo de juízes, Luís Ribeiro.

Mas o processo não morreu aqui. Um ano depois, porém, o Tribunal da Relação de Lisboa acabaria por devolve-lo à primeira instância. É que o coletivo de juízes não contabilizou o crime de abuso de confiança, previsto na lei com uma pena de um a oito anos. Viria a fazê-lo seis meses depois, somando a pena final aplicada a Oliveira e Costa para 15 anos.

Oliveira Costa foi acusado por, entre 2001 e 2009, ter sido o responsável por um esquema que envolveu a SLN, depois denominada Galilei (em liquidação) e o BPN, a criação de centenas de offshore para esconder prejuízos e comprar e vender ações. Foi também acusado de ter usado o Banco Insular, em Cabo Verde, para desviar dinheiro dos clientes, que depois regressava a Portugal quando era preciso pagar os juros. Ou seja, o cliente fazia uma aplicação em dinheiro e o seu dinheiro era usado por estas empresas e  o Insular através do BPN Cayman e regressava a Portugal quando era preciso pagar juros aos clientes. Recorde-se que a titularidade do Banco Insular foi escondida ao Banco de Portugal durante anos, tendo cessado atividade em 2009.

O tribunal sublinhou que o núcleo duro do esquema fraudulento que movimentou ilegalmente milhões de euros era composto por: Oliveira Costa; Luís Caprichoso que geria a área financeira da SLN, José Vaz Mascarenhas, ex-presidente do Banco Insular (condenado a sete anos e três meses); e Francisco Sanches, ex-chefe de gabinete de Oliveira Costa e ex-administrador do BPN (seis anos e nove meses).

O tribunal considerou que os quatro foram os principais responsáveis do desvio de 9 mil milhões do grupo e que privilegiaram os seus interesses em detrimento do grupo. Leonel Gaspar, o seu advogado, defendeu sempre não acreditar que o seu cliente se tivesse apropriado de um único “centavo”.

Dos 15 arguidos, 12 foram condenados e três absolvidos. Em outubro de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa viria a confirmar a pena de 15 anos, embora desse razão à defesa de Oliveira e Costa num ponto: o crime de fraude fiscal pelo qual fora condenado tinha já prescrito. Todos os 11 recursos interpostos pelos condenados foram indeferidos.

No ano anterior, o ex-banqueiro foi condenado num outro processo, extraído deste megaprocesso relacionado com o BPN, a 12 anos de prisão por dois crimes de burla qualificada e fraude fiscal. Com ele foi também condenado  Arlindo de Carvalho, a seis anos de prisão, Francisco Sanches e Luís Caprichoso foram ambos condenados 10 anos de prisão, José Neto a seis anos e José Monteverde e António Coelho Marinho a quatro anos, respetivamente.
A empresa “Amplimóveis” foi condenada a uma pena de multa de 85 mil euros. Ricardo Oliveira, também foi absolvido neste caso. O julgamento prolongou-se por dois anos.

Nenhum destes processos transitou ainda em julgado, ou seja, a decisão não se tornou definitiva e por isso Oliveira e Costa permanecia em liberdade, com o seu estado de saúde a agravar-se. O ex-banqueiro esteve preso preventivamente durante oito meses e depois ficou preso em casa até se esgotar o tempo legal para esta medida de coação. A decisão de o manter em casa prendeu-se, precisamente, pelo agravamento do seu estado de saúde.