É um trabalho que começa com a elaboração de uma lista e só termina quando todas as eventuais suspeitas são afastadas — ou confirmadas. Assim que um doente é internado com suspeitas de coronavírus, em qualquer um dos hospitais portugueses que estão a receber casos do Covid-19, não entram em campo apenas os médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos laboratoriais que vão testar a infeção e depois tratá-la — também começam a trabalhar de imediato os “detetives” da Direção Geral da Saúde.

O termo é tudo menos técnico, mas descreve na perfeição o trabalho que fazem nestes casos. É aos delegados de saúde e elementos da DGS que cabe começar a tentar perceber se aquela pessoa pode ter infetado outros antes de ter sido internada — e, nesse caso, quem.

São os chamados “contactos próximos de alto risco de exposição”, pessoas que a DGS define como alguém que:

  • tem uma “exposição associada a cuidados de saúde” — um médico que tenha prestado cuidados a um doente infetado, alguém que tenha estado em contacto com amostras do vírus ou ainda que tenha estado com um doente em ambiente fechado;
  • teve um “contacto em proximidade ou em ambiente fechado com um doente” — por exemplo, um gabinete, uma sala ou uma área até dois metros;
  • viajou com um doente infetado “numa aeronave” — tendo estado sentado a dois lugares de distância do paciente — ou num navio. Em ambos os casos, a pessoa teria de ser ou companheira de viagem do infetado ou teria de ter prestado cuidados de saúde diretos ao doente ou ser tripulante de bordo que servisse o paciente. Todas as pessoas são consideradas contacto próximo se o doente apresentar “sintomatologia grave” ou tivesse tido “grande movimentação dentro da aeronave”.
  • viveu na mesma casa com o doente.

A esses juntam-se ainda os contactos próximos com baixo risco de exposição — pessoas tiveram um “contacto esporádico (momentâneo)” com um doente infetado, por exemplo, as que tenham tido “exposição a gotículas/secreções respiratórias” em movimento ou circulação.

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Todos eles vão para uma lista, elaborada com a ajuda do doente em causa, a quem perguntaram: com quem esteve nos últimos dias?; com quem vive?; de onde veio?; de quem esteve mais perto?; por onde passou? “É no contacto com o cidadão que está doente que nós sabemos com que é ele contactou“, explica Mário Durval, diretor do departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), ao Observador.

Este é o primeiro passo na identificação dos contactos próximos do doentes infetados com Covid-19. Caso seja necessário, também se pode perguntar às “pessoas de proximidade que vivenciaram também esses contactos”, já que se pode dar o caso do paciente não se lembrar “de tudo”. Um exemplo: se um jovem internado não conseguir responder com certeza a estas perguntas, os detetives pode recorrer, por exemplo, aos seus pais para tentar reconstituir os seus dias antes do internamento.

Cabe aos delegados de saúde pública do local de residência ou do local de estadia — “porque, por vezes, as pessoas residem num lado, mas estão noutro” — fazer perguntas para tentar perceber com que pessoas esteve o paciente “num raio de dois metros” e em que determinado dia. É assim que se estabelece uma “fita de tempo”, que começa no “último contacto com o provável foco” — por exemplo, no caso de uma pessoas regressada de Milão, começa a contar a partir do último dia que esteve na cidade — e estende-se até 14 dias antes.

“É evidente que, quando há uma grande distância, os delegados de saúde contactam uns com os outros e pedem apoio uns aos outros”, acrescenta o delegado regional de saúde de Lisboa e Vale do Tejo. “Nós tentamos saber ao máximo e as condições em que esteve [em determinado local].”

Mário Durval recorda que a transmissão é feita por gotículas “no tal raio de dois metros”. Essas gotículas caem nas superfícies, onde se conservam durante cerca de 24 horas, e são transmitidas através do “toque de mãos”. O contágio não é feito através das mãos, mas são elas “o meio de transporte até aos olhos ou até à boca” — a transmissão é feita pelas “mucosas dos olhos e da boca”.

“Sabemos que há determinados locais em que o coronavírus está já na comunidade e temos de perguntar se estiveram nesses locais ou se as pessoas estiveram com outras pessoas que estão confirmadas como doentes”, afirma Mário Durval, indicando que, por norma, os delegados de saúde acabam por encontrar “a ligação”, isto é, onde é que o doente foi infetado. “Temos de localizar no tempo a probabilidade maior de infeção. Nunca temos nada exato em medicina, jogamos sempre com probabilidades.”

Uma vez criada uma lista de contactos — as tais pessoas próximas de um doente confirmado —, essas pessoas são contactadas, “normalmente por via telefónica”, e é-lhes pedido para estarem atentas aos sintomas. Será a segunda fase do trabalho dos detetives.

Vamos acompanhá-las durante 14 dias após o contacto“, diz ainda o diretor do departamento de Saúde Pública da ARSLVT, referindo que, ao longo dos dias seguintes, é perguntado a cada uma daquelas pessoas como se sentem, que sintomas têm (se tiverem) e qual a temperatura corporal. Se os relatos que os técnicos forem recebendo de quem está sob vigilância o justificarem, as pessoas podem ser isoladas, internadas ou sujeitas ao teste, por exemplo.

A ministra da Saúde deu a mesma indicação há cerca de duas semanas, relativamente aos dois casos confirmados de coronavírus em Portugal: “Os contactos próximos vão ser colocados em vigilância. As Administrações Regionais de Saúde estão a trabalhar no sentido da sua identificação e, no fundo, da avaliação do seu grau de risco, do seu grau de de exposição”, afirmou Marta Temido. “O que será feito é uma determinação de medidas proporcional àquilo que for o grau de risco identificado.”

Quantas pessoas podem ser incluídas na lista e, depois, vigiadas de forma próxima? Não é possível determinar um número médio quanto ao coronavírus, mas Mário Durval dá um exemplo relativamente a outra doença. “Houve um caso de sarampo em que tivemos de contactar mais de 100 pessoas.”

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