É o hospital do país com mais casos positivos — e isso nota-se. Até ao momento, estão internadas no São João 28 pessoas infetadas com o novo coronavírus, em isolamento. O número pode até parecer baixo, mas já começou a provocar mudanças. Há doentes colocados noutras unidades ou a dividir quarto, mesmo estando em isolamento. E a ordem é para poupar material, mesmo que isso signifique entrar menos vezes nos quatros.

Qualquer profissional de saúde que entre em contacto com estes doentes deve estar vestido com o equipamento de proteção individual descartável, composto por peças como um fato impermeável, viseira, máscara ou luvas. “Há restrições muito sérias ao equipamento, nomeadamente viseiras e respiradores”, diz ao Observador um enfermeiro do Hospital de S. João, que preferiu não ser identificado.

Pedro Silva Costa, enfermeiro no serviço de urgência, confirmou ao Observador que a rutura de material “pode acontecer a qualquer momento” e que “do racionamento à restrição é um passo”. O profissional afirma não existir, para já, uma rutura de stock, mas um condicionamento. “O hospital informou internamente que estava a ter dificuldades em repor o stock máscaras P2, as conhecidas como bico de pato, e pediu para estas serem do uso exclusivo de profissionais que tenham contacto com pacientes positivos de Covid-19”.

As mascaras cirúrgicas estão, para já, asseguradas, mas em falta encontram-se também as proteções para pés até ao joelho. “Estão a tentar pedir mais fatos completos para substituir essa proteção”, revela. Equipados com este material de proteção máxima estão os profissionais a trabalhar na sala de triagem, na sala de contenção e nos serviços direcionados ao combate ao Covid-19. “Todos os materiais são de uso único, à exceção de uns óculos laváveis numa máquina a altas temperaturas. Isso também já está a a ser fazer”, assegura.

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O hospital de São João é o que recebeu mais casos no país

Segundo o enfermeiro do Hospital de S. João que preferiu não ser identificado, as refeições estão a ser distribuídas da forma habitual, quer por um enfermeiro ou por um auxiliar, sempre devidamente equipado. Numa situação normal, um enfermeiro pode entrar várias vezes no quarto do doente, seja para perguntar como se sente ou administrar medicação, mas em casos de Covid-19 os enfermeiros do S. João só entram no quarto “quando for realmente necessário”. A razão? Para “poupar o material”.

Pedro Silva Costa, profissional do serviço de urgências, adianta que “não há necessidade de visitar muitas vezes os doentes infetados”, a não ser para encaminhar para exames, dar medicação para a febre ou fazer nebulização em casos de dificuldades respiratórias. No entanto, admite a possibilidade da poupança de material. “Temos que gerir o medo, nós também temos medo. Obviamente que queremos contactar o menos possível com estes doentes”, refere.

Falta de camas leva a abertura de outros serviços e encaminhamento de doentes para casa

Inicialmente, o S. João tinha 25 camas disponíveis para os infetados de Covid-19, mas esse número para casos positivos já foi ultrapassado. Assim, ao serviço de infeciologia juntou-se também o serviço de ginecologia no combate ao vírus. É no serviço de ginecologia que, desde terça feira, foram internados quatro doentes, distribuídos por enfermarias com três camas. Fonte hospitalar explicou ao Observador que esta é uma medida que integra o plano de contingência do S. João.

“Os enfermeiros de ginecologia estão, neste momento, a receber formação”, garante um enfermeiro do Hospital de S. João, que preferiu não ser identificado, acrescentando que vários doentes infetados estão a ser isolados no mesmo quarto, como o caso de familiares que contraíram a doença na mesma data.

Um cenário que foi até admitido no passado sábado pela diretora-geral da Saúde. Graça Freitas explicou que as camas “não ficam indefinidamente ocupadas”, uma vez que o estado de saúde dos doentes vai evoluir e algumas pessoas vão tendo alta. “Outras pessoas que adoeceram na mesma data podem sair de um quarto em que estão sozinhas em isolamento para um isolamento de grupo de pessoas que adoeceram na mesma data, portanto podem passar para uma enfermaria com várias pessoas”, afirmou na conferência de imprensa de sábado à noite.

A ministra da Saúde, Marta Temido, acrescentou ainda, na mesma conferência de imprensa, que se está a fazer uma gestão “muito criteriosa” da ocupação de camas por casos sociais. “Sabemos que é um aspeto com que o SNS se confronta normalmente. Neste momento, é importante que os hospitais não estejam com camas ocupadas com casos sociais.”

A afluência de casos está a deixar as equipas “exaustas”, diz ao Observador um enfermeiro do hospital

Pedro Silva Costa, enfermeiro no serviço de urgência daquele hospital, diz desconhecer que isso já esteja a acontecer no S. João, mas admite que, numa segunda fase, partilhar quartos entre infetados ou continuar o tratamento em casa pode ser uma possibilidade, “principalmente para os casos positivos que apresentem sintomas ligeiros”.

Segundo a RTP, existem seis doentes infetados internados em casa, que apresentam sintomas leves, como febre ou dores no corpo, e têm condições sociais que permitem o isolamento. Estas pessoas estão, segundo a mesma reportagem, a ser acompanhadas por uma linha de apoio, duas vezes por dia, e por uma equipa de hospitalização domiciliária do Hospital de S. João.

E esta quinta-feira foi anunciado que um dos doentes que também esteve internado no hospital já não tem a doença, sendo o primeiro recuperado.

O Observador sabe que existem, neste momento, quatro camas disponíveis nos cuidados intensivos para doentes com o novo coronavírus.

A morte de doentes com Covid-19 será “inevitável” em Portugal

No dia em que se confirmou esse primeiro doente curado em Portugal, o enfermeiro Pedro Silva Costa, explicou ao Observador que a equipa faz contenção de danos e “não cura ninguém” — trata dos sintomas. Segundo o profissional, o hospital tem dois mil enfermeiros a trabalhar e está desde o inicio desta semana a recrutar profissionais de outros serviços para reforçar o combate ao vírus. “A maioria está a trabalhar em turnos de 12 horas, mas há quem faça mais. A equipa está exausta”, admite. O mesmo enfermeiro revelou ao Observador que existem pelo menos dois profissionais de quarentena e um infetado. Uma informação confirmada à RTP por Margarida Tavares, médica infeciologista do S. João.

O S. João comunicou esta quinta-feira novas medidas de prevenção, previstas no plano de contingência em vigor, incluindo, para profissionais, a suspensão do registo biométrico, o apoio psicológico e a avaliação da temperatura corporal no início e no fim de cada turno, reportando ao Serviço de Saúde Ocupacional em caso de hipertermia ou sintomas respiratórios.

Também toda a atividade clínica não urgente, “nomeadamente consultas externas, intervenções cirúrgicas, sessões de hospital de dia e meios complementares de diagnóstico e terapêutica”. António Almeida, cardiologista no serviço de cirurgia torácica do S. João viu, desde segunda-feira, as suas consultas reduzidas a 10%. “A alguns disse os resultados dos exames por telefone, a outros prescrevi medicação por via eletrónica. Todos compreenderam a situação”, afirma ao Observador.

Para este médico, “ninguém está preparado” para esta doença, acredita que “a morte por Covid-19 será inevitável em Portugal”, assim como o contágio de profissionais de saúde. “Nesta fase, vão surgir as formas mais avançadas da doença, como dispneias ou pneumonias bilaterais”, adianta, acrescentando que o país “ainda tem uma amostra pequena” de infetados. “Não somos biologicamente muito diferentes de Espanha e Itália, por isso o que acontece nesses dois países é um bom espelho do que vai acontecer em Portugal.”

Um enfermeiro do hospital, que não quis ser identificado, afirma que até agora, os profissionais de saúde têm-se apresentando “cansados, sem grandes temores e com uma grande vontade de resolver o problema”, mas fora do seu serviço este enfermeiro sente que há “apreensão e receio” por parte de alguns colegas. Sentimentos que atribui à falta de informação vinculada por parte do hospital.

Ainda assim, os doentes internados sem qualquer sintoma, diz o enfermeiro, estão bem dispostos e otimistas, principalmente aqueles que conseguem contactar com os seus familiares. As visitas no hospital estão suspensas e o Observador sabe que é medida a febre a todos os acompanhantes de utentes que tenham consultas no São João.

Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos, visitou na manhã desta quarta-feira o hospital e reuniu-se com a administração. À saída, em declarações aos jornalistas, elogiou o trabalho desenvolvido pelos profissionais de saúde, mas admitiu serem necessários reforços.

“O Hospital de S. João tem feito um trabalho extraordinário que vale a pena relevar, será um exemplo seguramente para todos os hospitais que venham a ter muitos casos desta infeção (…) Tem uma equipa muito dedicada e bem preparada. É evidente que estão a precisar de gente e isso também se enquadra naquilo que fizemos, que foi pedir apoio aos médicos. Hoje mesmo a lista inicial vai ser entregue ao Ministério da Saúde e à diretora da Direção-Geral de Saúde”, disse.

Uma urgência avançada e uma tenda de campanha a caminho

O Observador sabe que as 17 tendas do INEM instaladas no exterior do S. João irão funcionar como um hospital de campanha, assim que for necessário, e destinam-se à avaliação inicial e decisão clínica de casos suspeitos de Covid-19, mas não ao internamento.

No exterior do hospital estão instaladas 17 tendas do INEM

Já os 34 contentores vizinhos, também articulados com o INEM, têm uma ligação direta ao hospital e funcionarão, caso seja necessário, como uma urgência avançada, para onde serão reencaminhados todos os doentes que apresentem sintomas respiratórios.