Morreu na madrugada de esta terça-feira o músico e cantor português Pedro Barroso. Tinha 69 anos e morreu vítima de doença. A informação foi confirmada pelo seu filho, Nuno Barroso — também ele músico —, à Agência Lusa.

Há cerca de três meses, o músico e cantor tinha revelado em entrevista à Agência Lusa: “A condição física, após mais um ano de tratamentos médicos, impede-me de tocar; e, mesmo na parte de canto, canso-me ao fim de minutos”. Posteriormente, há apenas uma semana, o filho de Pedro, Nuno Barroso, comunicou na sua conta de Facebook que o pai tinha sido internado na unidade de cuidados paliativos do Hospital da Luz, “devido a ter entrado num processo de fase terminal da doença”.

Com carreira iniciada nos anos 1960, Pedro Barroso começou por revelar-se como músico e cantor no programa Zip-Zip, da RTP, acompanhado por Pedro Caldeira Cabral (guitarra portuguesa) e Pedro Alvim (viola), tendo prosseguido nas décadas seguintes com gravação de álbuns (mais de 20 editados ao longo da vida) e singles. Um dos seus temas mais conhecidos era ““Menina dos olhos d’água”, revelado em 1987. Barroso atuou ainda em mais de uma dezena de países, tendo sido distinguido com a Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA).

[Pedro Barroso a interpretar “Menina dos olhos d’água” no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em 2008:]

O Zip-Zip no começo, os muitos discos e “Menina dos Olhos d’Água”

Nascido a 28 de novembro de 1950, Pedro Barroso foi ainda professor de educação física durante mais de duas décadas, aliando essa atividade profissional à música.

Tendo trabalhado, ainda adolescente, na rádio — e mais tarde passou pelo teatro, nomeadamente pelo grupo Teatro Experimental de Cascais, e ainda pela pintura e literatura, publicando e pintando —, Pedro Barroso começou por revelar-se enquanto artista com apenas 19 anos, quando apareceu no popular programa Zip-Zip, da RTP.

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Logo no começo dos anos 70, no primeiro ano dessa década, editou o primeiro disco, um mini-álbum (EP) chamado Trova-dor. O primeiro álbum completo só chegaria já na segunda metade da década da década, em 1976 — dois anos depois do 25 de abril —, com o título Lutas Velhas, Canto Novo. Antes, não escondera a oposição ao Estado Novo e ao regime salazarista, tendo participado na fase pós-revolução na Campanhas de Dinamização Cultural do Movimento das Forças Armadas (MFA), dando concertos por todo o país.

A edição de discos e gravação de canções manteve-se sem grandes intermitências da segunda metade dos anos 1970 em diante. Nos anos 1980, por exemplo, Pedro Barroso gravou a canção “Menina dos Olhos d’Água”, que incluiu no álbum que editou em 1987, Roupas de Pátria Roupas de Mulher.

“Sou um poeta de canções, um artesão de canções”

Há dez anos, em entrevista ao site Música Portuguesa, Pedro Barroso resumia os seus então 40 anos de carreira: “São 40 anos de emoções e de luta por um país mais culto. Investimento muito em autoestradas, mas muito pouco em cultura e às vezes é mais importante um artista em cima do palco uma hora do que um embaixador a vida inteira”.

Na mesma entrevista de 2009, Pedro Barroso defendia não ser por natureza um autor de música popular — simplesmente “durante anos era forçado pelas editoras a fazê-la e fazia” — e criticava a música dessa época: “As canções têm de ter uma intenção e hoje não significam nada. Fazem-se só para vender. Eu procuro fazer coisas que fiquem. Recuso-me a fazer letras. Durante algum tempo fi-la, mas agora faço poemas para canções. Sou cada vez mais um poeta de canções. O que faço está para o mainstream como a gastronomia está para o fast-food. É artesanato, eu sou um artesão de canções”.

Na Enciclopédia da Música Portuguesa do Século XX, a sua obra é assim descrita: “”Nas suas canções destaca-se a conjugação entre o texto e a música, característica potenciada pela sua interpretação centrada na enunciação clara dos sentidos da letra, utilizando pouca ornamentação e um ataque forte das notas e palavras-chave”.

Já à Agência Lusa, dez anos depois, em 2019, falou das “gratas recordações” e do “mundo de abraços” deixados pelo seu percurso na música. Sem as canções, lembrou, “não tinha conhecido mundo”.

Marcelo recorda “baladeiro” que também se envolveu “nos combates democráticos”

Também o Presidente da República emitiu uma nota em que lamenta a morte do músico português. Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Barroso foi “ativo, interventivo e enérgico”, tendo sido também “um dos ‘baladeiros’ antes da Revolução” e, já no pós-25 de Abril, um homem que se envolveu “nos combates democráticos e nas campanhas de dinamização cultural”.

@ FERNANDO VELUDO/LUSA

O Presidente evoca ainda, em mensagem publicada no site da Presidência da República, o último concerto do artista, em dezembro de 2019, em Torres Novas. “Pedro Barroso lembrou o que hoje lembramos: a sua voz, o seu empenho, a sua violentíssima ternura“.

Ministra da Cultura: “Transformou a canção em protesto, manifesto, pensamento e transformação social”

A Ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou a morte do “cantor, compositor, letrista e poeta Pedro Barroso”, descrevendo-o como “uma das vozes da canção de intervenção portuguesa e um dos trovadores do 25 de Abril”.

Membro de uma geração única da música portuguesa, que transformou a canção em protesto, manifesto, pensamento e transformação social, Pedro Barroso ensinou-nos que a resistência de um povo também se cria a cantar”, refere a ministra da Cultura, em comunicado enviado ao Observador.

A mensagem cantada por Pedro Barroso “é tão importante quando a escreveu como nos dias que vivemos, em que é preciso cantar e continuar a resistir”, defende ainda o ministério da Cultura, que envia à família e amigos “sentidas condolências”.

Simone de Oliveira recorda “músico que o país conheceu mal”

A cantora Simone de Oliveira, que conheceu e colaborou com Pedro Barroso, que morreu esta terça-feira, em Lisboa, disse à Lusa, muito emocionada, que a morte do músico é “um desgosto” para si.

“O Pedro foi um homem da palavra e da música que este país, infelizmente, conheceu mal”, disse Simone de Oliveira, salientando a “excecionalidade do trabalho” do cantor e compositor.

@ Ricardo Castelo/Observador

“Convivi com ele, estivemos para fazer um projeto juntos que fomos adiando devido às nossas vidas”, disse a cantora.

Ruy de Carvalho: “Perdemos um grande artista, um grande ser humano”

Também o ator Ruy de Carvalho escreveu um texto na sua conta oficial de Facebook, dando conta da morte do seu “querido amigo”. O ator escreveu: “Receber esta notícia foi um duro golpe… Estávamos pouca vezes juntos, mas gostávamos muito um do outro…. Até um dia, meu querido amigo. Perdemos um grande artista, um grande ser humano.”

https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=2916820058356596&id=455832431122050

Também o clube desportivo Belenenses lamentou o falecimento do músico Pedro Barroso na madrugada de esta terça-feira, sócio e autor de um dos hinos do clube do Restelo, apresentando as “sentidas condolências” e “um abraço de muita amizade” a familiares e amigos.

“Deixa-nos aos 69 anos um nome grande da cultura portuguesa, sócio 1.648 do clube e que, na Gala do Centenário do Belenenses, fez questão de se afirmar uma vez mais como Belenenses até ao fim”, pode ler-se numa nota publicada no sítio oficial do clube, que atualmente milita na primeira divisão distrital de Lisboa.

Ferro Rodrigues: “Uma das figuras mais importantes da música popular portuguesa”

O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, lamentou a morte do músico Pedro Barroso, de quem era amigo, e que recordou como “uma das figuras mais importantes da música popular portuguesa”.

“Acabo de ser informado do falecimento de Pedro Barroso, autor, músico e intérprete que conhecia há mais de 50 anos e de quem tive a honra de ser amigo. Pedro Barroso foi, sem dúvida, uma das figuras mais importantes da música popular portuguesa”, refere a segunda figura do Estado, numa mensagem de pesar enviada à Lusa.

O presidente da Assembleia da República transmitiu, em seu nome e do parlamento, “o mais sentido pesar e fraterna solidariedade” à família e deixa uma palavra de agradecimento a Pedro Barroso.

“Pela sua atividade enquanto músico de intervenção, e, bem assim, pela defesa intransigente dos direitos dos autores, é enorme a minha gratidão”, refere.