Al Green

“Let’s Stay Together”, 1972

Vamos ser sinceros: num qualquer momento desta quarentena vamos fraquejar, esquecer a distância de segurança, pegar na babynha (ou babynho, babynhx, conforme os gostos) e fazer doce, doce, doce amor, daquele que cansa e sua e conduz ao sono dos justos com o coração cheio e a alma lavada (e eventualmente uma infeção ou outra). Há muito que foi inventada a banda-sonora para estes momentos em que o desejo assoma e o amor se manifesta em esplendor de genitália. Os premilinares, sabemo-lo, estão a cargo de Al Green e de Let’s Stay Together, um disco que, até hoje, sempre que foi ouvido por dois adultos em idade de acasalamento acabou por conduzi-los ao mencionado acasalamento. Acompanha com preservativos e desinfetante para as mãos.

Marcos Valle

“Previsão do tempo”, 1973

Quando o mago Marcos Valle editou Previsão do Tempo já havia lançado dos bons discos de samba-canção, Samba ’68 e Viola Enluarada (ambos de 1968), e um tremendo disco de fusão de MPB com o som que vinha dos EUA, Mustang côr de Sangue (de 19690). Com boa vontade podia incluir Garra (de 1971) nesta lista, mas a obra-prima é Previsão do Tempo (de 1973), em que a bossa, o samba, o funk, os sintetizadores herdados a Stevie Wonder se unem para criar uma das maiores obras-primas da música – brasileira ou não – dos últimos 50 anos. Previsão do Tempo é um balanço do estado dos tempos, apenas que servido com um groove danado e uma inventividade melódica que é raro encontrar. E a guitarra wah-wah de “Mentira” cai muito bem no nosso mundo de fake news. Acompanha com Jack Daniels sem gelo.

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Kraftwerk

“The Robots”, 1978

Para baixar um pouco de rotação, nada melhor que redescobrir uma das bandas pioneiras da eletrónica e autora de um sem número de faixas que vocês conhecem mas não sabem de quem são – como “The Robots”, a faixa de abertura de The Man Machine. É verdade que os Kraftwerk podem ser, para o grande público, um pouco crípticos, mas não em The Man Machine, em que se concentraram em faixas mais pop e dançáveis, com a estupenda “The Model”. O álbum tinha algo de potencial, explorando as relações entre os humanos e as máquinas – e não se esqueçam: no fim será a tecnologia que nos irá salvar.

Joy Division

“Isolation”, 1980

O álbum Closer tinha de estar nesta lista, que mais não seja porque contém a faixa “Isolation”, extremamente apropriada para estes tempos. Aliás, todo o clima de demência de Closer rima com a paranóia apocalíptica de supermercados varados por contribuintes em pânico, não vão ficar sem papel higiénico durante uma gripe. Closer, escrito em plena new wave, com um som minimal (guitarra, baixo, bateria, ocasioinais sintetizadores) e metálico, cheio de eco, como se viesse do fundo das águas ou do cume de uma igreja, é um disco de um sufoco infernal, o sufoco de um homem que não consegue fugir a si mesmo, à consciência da sua pequenez, à consciência das suas limitações num mundo selvático e implacável. Apropriado para estes dias, e serve com gin (duas doses para cada meia dose de tónica) sem adornos.

Prince

“Controversy”, 1981

Vai chegar um momento em que as crianças vão ficar tão irrequietas que se tornarão insuportáveis. A atitude pedagógica nesta situação é fechá-las no quarto e alimentá-las por uma palhinha, enquanto o senhor e a sua senhora (ou qualquer outra combinação possível, desde que consentimento mútuo – e nada de animais, atenção) põem esta obra-prima de 1981, que levou o funk para o seu caminho mais perfeito: o da cama. Nunca existiu um músico tão sensual quanto Prince (pelo menos com menos de 1,70m) e se há algo que devemos manter nesta crise é o nosso sentido de sensualidade – mesmo que o nariz nos pingue e o corpo nos doa. Porque os vírus têm mais dificuldade de nos apanhar se estivermos a abanar a anca (lei de Bonifácio). E se for para morrer, que seja com um falsete na aparelhagem.

Primal Scream

“Screamadelica”, 1991

Queremos ser livres e fazer o que nos apetecer, canta a dada altura Bobby Gillespie, o vocalista dos Primal Scream, nesta obra-prima do deboche, do escapismo, da vontade de sair fora do corpo, seja pela dança, pelas substâncias – digamos – exóticas, ou pela combinação das duas. Screamadelica, na génese, debaixo daquelas camadas todas, é um disco de r’n’b, com aquele groove herdado do gospel e as guitarras saídas do blues mais infernal. Mas por cima levou uma valente camada de sintetizadores e eletrónica, a que Gillespie sorvia em raves movidas a MD, e transformou-se do disco revivalista que era previsto ser num fragmento do futuro, em que a batida sobe sempre e a viagem nunca acaba.

Pavement

“Crooked Rain, Crooked Rain”, 1994

Tendo em conta que é muito possível que acabemos por não os ver ao vivo no Primavera Sound, porque provavelmente esta situação vai arrastar-se e levar ao encerramento dos festivais, a atitude de uma pessoa precavida numa crise destas é: ouvir a obra completa dos Pavement vezes sem conta. Escolher um só disco dos Pavement é uma tragédia, um horror, uma tortura, a que me vejo obrigado, indo contra as minhas crenças, mas talvez Crooked Rain, Crooked Rain seja o mais catchy, o mais orelhudo, o mais cheio de ganchos, e sabe Deus que toda a gente precisa de um pouco de leveza e alegria por estes dias. Além disso, Crooked Rain, Crooked Rain (que possivelmente é o pináculo do indie-rock dos anos 90) inclui o tema “Unfair”, um deboche à guitarra que inclui uma das minhas letras javardas de sempre:

“Walk with your credit card in the air!
Swing your nachos like you just don’t care!
This is the slow sick sucking part of me
This is the slow sick sucking part of me”

Até hoje não sei exatamente o que é a slow sick part of quem quer que seja, mas ouçam e digam de vossa justiça. Acompanha com cerveja e pcp.

Ariana Grande

“thank u, next”, 2019

Em momentos difíceis precisamos de líderes, de visionários, de gente sábia – como Ariana Grande demonstra ser nessa tremenda canção que é “thank u, next” em que, ao mesmo tempo que agradece a cada ex-namorado o que aprendeu com cada um, de seguida como que diz “Venha o próximo”, porque as batalhas travam-se e, percam-se ou ganhem-se, há um amanhã para tomar conta. Assim de repente há pelo menos quatro canções extraordinárias em “thank u, next”, singles perfeitos: “needy” (um controlo vocal do outro mundo), “NASA”, “7 rings” e a faixa que dá título ao disco. É do melhor r’n’b que se fez nos últimos anos, ancorado no jazz e na soul do passado, mas sem medo de arriscar. O disco leve perfeito.

David Bruno

“Miramar Confidencial”, 2019

Uma regra universal do comportamento humano é que queremos o que não podemos ter – o que significa que em confinamento procuramos escapismo. E não há, entre os artistas contemporâneos, maior mestre nas lides do escapismo que David Bruno, o produtor do grupo de hip-hop Conjunto Corona que, a solo, se dedica a explorar o pecado, o desejo e as matreirices de amor ocorridas (ou passíveis de ocorrer) na sua amada Vila Nova de Gaia. O mais recente Miramar Confidencial tem um conceito que anda à volta de um caloteiro, Adriano Malheiro, e dos seus amores – mas é só mais um desculpa para criar um disco que soa à banda-sonora da série Miami Vice e tem alguma da melhora linguagem de rua e de engate que se inventou a norte do Tejo. Para acompanhar com Safari Cola e Coca da Gruta, Blu Curaçao  com Ice Tea Gruta, Pisang Ambon com Fruti Gruta e Três Velhotes com Gruta Tónica.

Rainbows and Unicorns

Playlist de Jungle Julia

Podem achar estranho que no meio de todos estes discos eu resolva incluir uma playlist, mas é uma daquelas valentes salgalhadas para quando não estamos com paciência para escolher discos mas em que cada faixa é exatamente aquela faixa que queríamos ouvir (e todas elas pedem mojitos). A “Freedom”, de George Michael, segue-se “Groove is in the heart”, dos Dee-Lite e logo a seguir estamos em “I Wanna dance with somebody”, de Whitney Houston. Há Stevie Wonder, há Earth, Wind & Fire, os Commodores, Sebastien Tellier, Jorge Ben. E no fim, um valente sorriso que dá vontade de dizer “Vem cá, se tens coragem, ó covid de treta”.