65 milhões de mortos em 18 meses. O número assustador é o resultado de uma simulação de pandemia realizada em outubro de 2019, em Nova Iorque, pelo Johns Hopkins Center for Health Security em parceria com o Fórum Económico Mundial e a Fundação Bill & Melinda Gates. O exercício, designado “Event 201” reuniu à mesa, durante três horas e meia, 15 indivíduos proeminentes associados a negócios à escala global, governos e saúde pública. O exercício em questão propôs ilustrar áreas onde parcerias público-privadas seriam necessárias para dar resposta a uma “pandemia severa” e diminuir as consequências económicas e sociais de larga escala.

Na página oficial do “Event 201”  — onde o exercício se encontra amplamente detalhado — é explicado que a hipotética pandemia iria requerer “cooperação fiável entre várias indústrias, governos nacionais e instituições internacionais importantes”. As muitas semelhanças com a pandemia da Covid-19, que desde dezembro está a preocupar o mundo fez com que surgissem várias teorias da conspiração, motivo que levou a organização a insistir publicamente que o “Event 201” não correspondeu a uma previsão.

“Não estamos a prever que o surto de Covid-19 mate 65 milhões de pessoas”, afirmou o Johns Hopkins Center for Health Security num comunicado. “Embora o nosso exercício de mesa incluísse um novo coronavírus simulado, as informações que usámos para modelar o impacto potencial desse vírus fictício não são semelhantes à Covid-2019”.

O cenário

Em anos recentes, o mundo assistiu a um número crescente de eventos epidémicos. A organização do “Event 201” fala em aproximadamente 200 eventos por ano, os quais têm vindo a crescer e são capazes de perturbar a saúde, a economia e até a sociedade. O exercício em questão teve por base discussões simuladas de maneira a encontrar uma resposta a uma “pandemia hipotética mas cientificamente plausível” — uma afirmação feita sensivelmente dois meses antes da Covid-19 começar a infetar o mundo. O cenário proposto para o “Event 201” tem muitas semelhanças com a pandemia agora vivida.

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O “Event 201” simula um surto de um novo coronavírus transmitido de morcegos para porcos e, depois, para pessoas. Eventualmente, a transmissão do vírus começa a registar-se entre pessoas, o que origina uma “pandemia severa”. O patógeno e a doença são, em grande parte, modelados com base na SARS.

A doença começa a espalhar-se “devagar” em porcos no Brasil. Mais tarde, começa a propagar-se de forma “eficiente” de pessoas para pessoas em ambientes de baixos rendimentos — em bairros lotados de algumas grandes cidades na América do Sul. Aí, a epidemia “explode”. “É primeiramente exportado por viagens aéreas para Portugal, Estados Unidos e China e depois para muitos outros países. Embora a princípio alguns países possam controlá-lo, o vírus continua a espalhar-se e a ser reintroduzido. Eventualmente, nenhum país consegue controlá-lo”, lê-se na página oficial do exercício.

No primeiro ano não existe vacina, apenas um antiviral fictício que ajuda os doentes, mas que não limita de forma significativa a propagação da doença. Durante os primeiros meses da pandemia, os casos de infeção “aumentam exponencialmente”, dobrando a cada semana. “À medida que os casos e as mortes se vão acumulando, as consequências económicas e sociais tornam-se cada vez mais severas”, continua.

O cenário termina com a morte de 65 milhões de pessoas num espaço de 18 meses. A pandemia começa a diminuir devido ao menor número de pessoas susceptíveis de ficarem doentes, mas continua a existir até que surja uma vacina ou até que 80 a 90% da população global esteja exposta.

As recomendações

O evento simulado a 18 de outubro em Nova Iorque mostrou “lacunas importantes” na resposta à pandemia, pelo que o Johns Hopkins Center for Health Security, o Fórum Económico Mundial e a Fundação Bill & Melinda Gates propuseram, em conjunto, um número de recomendações a ter em conta, as quais passam por “níveis sem precedentes de colaboração entre governos, organizações institucionais e o setor privado”:

  • Governos, organizações internacionais e empresas devem trabalhar em conjunto: “Durante uma pandemia severa, esforços do setor público para controlar o surto provavelmente ficarão sobrecarregados. Mas ativos da indústria, se implementados de forma rápida e adequada, podem ajudar a salvar vidas e a reduzir perdas económicas (…) Planos de contingência para uma potencial parceria operacional entre governo e empresas serão complexos, com muitos detalhes legais e organizacionais a serem abordados. Os governos devem trabalhar agora para identificar as áreas mais críticas e procurar os participantes do setor com o objetivo de finalizar acordos antes da próxima grande pandemia”;
  • “A indústria, os governos nacionais e as organizações internacionais devem trabalhar juntos para aprimorar os stocks internacionais de contramedidas médicas para permitir uma distribuição rápida e equitativa durante uma pandemia grave”;
  • “Países, organizações internacionais e empresas de transporte global devem trabalhar juntos para manter viagens e comércio durante pandemias graves. Viagens e comércio são essenciais para a economia global, bem como para as economias nacionais e até locais, e devem ser mantidas mesmo diante de uma pandemia”;
  • “Os governos devem fornecer mais recursos e apoio ao desenvolvimento e fabricação de vacinas, terapêuticas e diagnósticos que serão necessários durante uma pandemia grave”;
  • “Os negócios globais devem reconhecer o fardo económico das pandemias e lutar por uma preparação mais forte”;
  • “As organizações internacionais devem priorizar a redução dos impactos económicos de epidemias e pandemias”;
  • “Os governos e o setor privado devem atribuir uma maior prioridade ao desenvolvimento de métodos para combater a desinformação antes da próxima resposta à pandemia.”

Sensivelmente dois meses após este exercício surgiram as primeiras notícias relacionadas com o novo coronavírus, quw já infetou quase 200 mil pessoas em todo o mundo.

As recomendações podem ser lidas na íntegra aqui.