A afluência de pessoas aumentou, o atendimento mudou, muitos artigos já esgotaram mesmo nas prateleiras. Nos últimos dias, as farmácias, a par dos supermercados, são o único destino de muitos portugueses em quarentena, seja para reforçar o stock de medicamentos, seja para procurar meros artigos de proteção, como máscaras, luvas ou álcool em gel. A procura nem sempre é correspondida, apesar do esforço dos profissionais, que fazem horas extra e tentar seguir à risca todas as normas de segurança e higiene.
Agostinho Franklim Marques, presidente da secção regional do Norte da Ordem dos Farmacêuticos, admite que o setor está a viver “um momento muito complicado”. “Apesar de os farmacêuticos estarem serenos e empenhados, encontram-se extremamente cansados”, afirma em entrevista ao Observador.
O presidente destaca o “papel pedagógico” destes profissionais a lidarem com o medo, a ansiedade ou a desinformação dos utentes e vê com bons olhos os estudantes finalistas que se voluntariam nesta altura para trabalhar.
“As farmácias estão na linha da frente e são a porta de entrada da maioria das pessoas. É lá que muitas perguntam as suas dúvidas e desabafam”, conta, acrescentando que “finalmente, agora há gente assustada e a tomar consciência de que esta situação é grave”.
Em Lisboa, na farmácia Vila Expo, Hugo Fonseca conta que o movimento é mais notório nas últimas semanas. “Estamos a falar de duas a três vezes mais pessoas por dia do que há quatro meses”, refere, acrescentando que o tempo de espera pode chegar aos 30 minutos, dependendo da altura do dia.
Aqui o atendimento continua a fazer-se ao balcão, apesar de, no passado sábado, a ministra da Saúde, Marta Temido, ter dado a indicação para que todas as farmácias optassem pelo postigo. “Não é tão fácil de desinfetar e leva a que as pessoas estejam muito mais perto do vidro. O atendimento com postigo não é eficaz, pois só podemos receber uma pessoa de cada vez”, justifica.
Nesta farmácia existem quatro balcões a funcionar mas é obrigatório manter uma distância de um metro e meio entre as pessoas, “para evitar a transmissão de gotículas da tosse ou da fala”. Os balcões são sempre desinfetados depois de cada atendimento, incluindo os terminais de multibanco. Já os profissionais apresentam-se, se possível, com máscara e óculos de proteção. “O que falta nas farmácias é o que falta a todos os profissionais de saúde: máscaras”, alerta Hugo Fonseca.
O farmacêutico adjunto daquele espaço afirma que tem recomendado à maioria dos utentes que levem o que precisem “para pelo menos dois meses”, por forma a poderem ficar em casa e não terem que se deslocar à farmácia tantas vezes. Hugo Fonseca admite que muitas das pessoas que atende demonstram “preocupação” e “ansiedade”, uma vez que a linha SNS 24 “não tem capacidade para responder a toda a gente”.
Depois de perguntar os sintomas, o farmacêutico recomenda que novos e velhos fiquem em casa e evitem locais fechados e com muita gente. “Ir para o hospital à procura de uma cura ou de confirmar alguma coisa só vai sobrecarregar ainda mais o Serviço Nacional de Saúde”, defende.
Álcool em gel, máscaras e luvas são, até ao momento, os produtos mais procurados. “Não recomendamos luvas e também não as temos. Máscaras também não temos e álcool em gel é raríssimo haver, quando chega desaparece num instante”.
No que toca aos medicamentos, os antipiréticos, como o paracetamol e o ibuprofeno, encabeçam os pedidos. “Ainda não está a falhar nenhum dos dois, as pessoas que não entrem em pânico por causa disso. Continua a haver paracetamol suficiente para toda a gente”, sublinha, acrescentando que o medicamento apenas já não está disponível para encomenda. “Num futuro próximo pode ser que ainda haja alguma escassez. As farmácias que tenham um grande stock poderão continuar a mantê-lo durante algumas semanas”.
“As máscaras não existem e é criminoso um profissional não se proteger”
Felgueiras foi dos primeiros focos de infeção do novo coronavírus, levando muitos residentes a correr à farmácia em busca de soluções. A farmácia LimaLixa foi uma delas. A farmacêutica Daniela Magalhães conta que “desde que foi decretado o plano de contingência, o movimento aumentou”. A procura de máscaras e de álcool em gel cresceu 90% e estes produtos já esgotaram várias vezes. “Felizmente temos conseguido repor sempre o stock”, diz em entrevista ao Observador.
Para esta profissional de saúde, uma parte da população encontra-se preocupada e “ligeiramente em pânico”, embora, na sua opinião, alguns ainda enfrentem a situação com “demasiada leveza e descontração”. Apesar de ainda não ter atendido ninguém que apresentasse sintomas de Covid-19, a farmacêutica partilha que é a medicação para o combate de estado gripais que mais se tem vendido por ali.
Na farmácia LimaLixa foram ainda postas em prática várias medidas preventivas a pensar no atendimento ao público. Ter um número máximo de quatro pessoas no local, apelar à deslocação apenas em caso de extrema necessidade, ter barreiras no chão para estabelecer o limite de proximidade, distribuir álcool em gel por todos os balcões para uso dos utentes, desinfetar de forma constante balcões, teclados e terminais de multibanco ou optar pelo atendimento feito pelo postigo, a partir das 20h, são alguns exemplos adotados.
Na farmácia Lemos, em pleno centro do Porto, o cenário é outro. Maria Oliveira conta que no final da semana passada a corrida foi grande, mas depois de a baixa portuense se ter transformado “num autêntico deserto”, o movimento diminuiu bastante. “Está tudo fechado aqui à volta, aparecem pessoas mais velhas e essencialmente turistas”, diz ao Observador.
No chão são visíveis as marcas que ditam as regras de proximidade, nos balcões há placas de acrílico aparafusadas para diminuir o contacto pessoal e o desinfetante dá as boas vindas a quem espera pela sua vez junto à entrada. “A nossa farmácia é grande, por isso as pessoas podem e devem esperar cá dentro e não lá fora, sujeitas ao frio e ao vento.” Entre as medidas de prevenção, está também o pedido a uma funcionária para “limpar cinco vezes ao dia balcões, teclados e terminais multibanco”.
Neste momento, há três farmacêuticos a trabalhar. Por isso apenas três pessoas podem ser atendidas de cada vez. Maria Oliveira explica que “cada profissional está equipado com luvas e máscara cirúrgica”, tal como mandam as recomendações. Sobre o atendimento por postigo, a responsável garante que, para já, “não há necessidade”, até porque dessa forma o atendimento seria feito individualmente e “demoraria muito mais tempo”.
Na farmácia Lemos não existe falta de medicamentos, apenas a necessidade de reforçar stocks de paracetomol, vitamina C e medicação para doenças crónicas, como diabetes ou hipertensão. “Temos ainda stocks disponíveis para encomendas”, garante Maria Oliveira, concluindo que ao contrário de outras farmácias, esta, por estar situada na baixa do Porto, encerra uma hora mais cedo do que o habitual.
A carência mais sentida pelos farmacêuticos é, segundo Agostinho Marques, presidente da secção regional do Norte da Ordem dos Farmacêuticos, o equipamento de proteção individual. “As máscaras não existem e é criminoso um profissional não se proteger”, critica. “Ao estarmos equipados damos uma sensação de confiança, sendo também uma forma de as pessoas interiorizarem as medidas necessárias a tomar”.
A falta de desinfetantes nas prateleiras é outro problema comum. “Muitas farmácias já estão a produzir o seu próprio álcool em gel, mas isso não será para sempre. Quando houver dificuldade em adquirir álcool, a situação vai complicar-se”, avisa.
O representante da Ordem dos Farmacêuticos a norte garante que “ainda não há falta de medicamentos”. “Pode existir um esgotamento num dia mas a distribuição está assegurada.” Ao Observador, o Infarmed adiantou que as farmácias hospitalares, comunitárias e de rua “estão a reportar a falta de medicamentos e outros artigos através de um fluxograma”. A mesma fonte acrescentou que “é possível encomendar os medicamentos em falta” e que a empresa conta com um grupo para acompanhar estes pedidos e uma equipa própria “à procura de novos fornecedores”.