Um quarto dos 11.500 inquiridos num estudo sobre o impacto social da pandemia de covid-19, no final de março, já revelava ter sofrido impactos financeiros, sentidos com mais intensidade por quem já tinha dificuldades antes desta crise.

O inquérito, realizado entre 25 e 29 de março, para avaliar o impacto social da pandemia de covid-19, é da responsabilidade de quatro investigadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa.

Os seus autores reconhecem que o inquérito não tem representatividade em termos de grupos populacionais, não sendo representativo da população portuguesa, por exemplo, permitindo apenas relacionar variáveis presentes no estudo e a sua inter-relação.

A análise concentra-se também muito no discurso direto dos inquiridos, possível de analisar em respostas a perguntas abertas, em que os participantes foram chamados a dar opinião ou a relatar situações.

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“Os efeitos económicos e sociais da pandemia são assimétricos e essa assimetria tenderá a aumentar ao longo do tempo. Pese embora os dados deste inquérito terem sido recolhidos ainda numa fase inicial da pandemia, logo depois de ter sido decretado o estado de emergência, os sinais do impacto diferenciado do ponto de vista dos rendimentos já eram visíveis entre os inquiridos (cerca de um quarto reconhece ter visto, entretanto, a sua situação financeira afetada)”, refere-se no estudo.

Na fase inicial da pandemia as pessoas em situação económica mais precária já eram as mais afetadas financeiramente, com situações que variam entre a perda parcial de rendimento, os que foram forçados a tirar férias e os que perderam o emprego, não se refletindo ainda no período do inquérito o efeito do recurso ao ‘lay-off’ (redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho efetuada por iniciativa das empresas, durante um determinado tempo) por muitas empresas.

As dificuldades agravam-se se já existiam antes da crise provocada pela pandemia.

Os inquiridos foram também questionados sobre o estado de emergência e as restrições a ele associadas, com nove em cada 10 participantes do estudo a declararem que o consideram necessário, sendo entre os mais jovens que mais se defende medidas mais restritivas.

“À medida que aumentam a idade, a escolaridade e os rendimentos dos inquiridos, diminui a propensão para a defesa de maiores limitações. Para além disso, quem se posiciona ideologicamente ao centro ou à direita apresenta uma maior probabilidade de afirmar que seriam necessárias mais restrições. Por fim, os homens tendem a expressar menos esta posição que as mulheres. Pertencer a um grupo de risco não tem qualquer relação com a opinião sobre este tema”, conclui o estudo.

Entre os que defendem medidas mais restritivas as críticas mais comuns são ao desrespeito pelo confinamento, sobretudo da parte dos mais idosos, e o abuso da liberdade para sair para pequenas tarefas ou passeios curtos.

Manifestam também concordância com o encerramento de fronteiras, para evitar importação de casos, pedem o fecho de mais empresas e indústrias não essenciais, para evitar riscos de contágio, e um número de supermercados abertos mais reduzido, com controlo de vendas para evitar açambarcamento.

No final de março, cerca de um terço dos inquiridos acreditava que as restrições atualmente em vigor iriam durar até ao final do verão. São os mais velhos que dizem acreditar que o atual quadro de medidas terá uma duração longa.

O inquérito pretendia ainda aferir a confiança dos inquiridos em relação à resposta à pandemia, no que respeita aos seus principais intervenientes, e a confiança nas fontes de informação.

A confiança na resposta do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do primeiro-ministro, António Costa, da diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, e da ministra da Saúde, Marta Temido, é maior à medida que aumenta a idade dos respondentes e também o nível de rendimentos. Ter um posicionamento ideológico mais à direita também baixa os níveis de confiança nestes intervenientes, mas com especial incidência nos três últimos.

A confiança nas forças de segurança e no Serviço Nacional de Saúde é mais generalizada, mas ainda assim visível a menor confiança dos mais jovens e dos que têm mais dificuldades económicas.

A maioria dos inquiridos revela ter muita confiança em fontes de informação tradicionais, como a televisão e a imprensa escrita.

“No entanto, estes níveis de confiança elevados não são uniformes entre todos os grupos de inquiridos: os indivíduos mais jovens e com menores níveis de escolarização tendem a confiar menos na televisão e na imprensa”, lê-se no estudo.

Inversamente, os inquiridos com menos habilitações literárias e com mais dificuldades financeiras são os que confiam mais nas redes sociais.

“Por outro lado, é entre as camadas mais jovens da população (entre os 25 e os 34 anos) que a fiabilidade da informação proveniente das redes sociais é mais questionada”, acrescenta-se.

Há ainda referência a uma percentagem muito reduzida da amostra de inquiridos que se enquadra entre o grupo dos mais vulneráveis, por fazerem parte dos grupos de risco definidos no âmbito da pandemia e por se encontrarem numa situação económica mais fragilizada, para dar expressão às suas principais preocupações atuais e aos seus receios face ao futuro.

Sem surpresa, as preocupações prendem-se com os rendimentos e as consequências da sua perda, as questões de saúde mental associadas ao isolamento social e a dificuldade de conciliar trabalho e família. Entre os principais receios para o futuro voltam a estar os rendimentos e a saúde.