Pelo menos dois lares de idosos no norte de Portugal organizaram, contra as recomendações da Direção-Geral da Saúde e da Igreja Católica, celebrações do “beijar da cruz“, tradicional do domingo de Páscoa, entre os utentes.

Um dos casos ocorreu num lar de idosos em Freiriz, concelho de Vila Verde, que promoveu este domingo a celebração do compasso pascal, dando o mesmo crucifixo a beijar a um grande número dos idosos que ali residem. Isto apesar de a própria Igreja Católica ter recomendado a suspensão desta tradição do tempo da Páscoa do beijar da cruz devido às medidas de prevenção do contágio do coronavírus — e de os idosos constituírem o principal grupo de risco para esta doença.

A celebração foi transmitida em direto através da página de Facebook do Centro Social de Freiriz e o vídeo foi posteriormente divulgado pelo Semanário V, meio de comunicação local do concelho de Vila Verde. No vídeo, é possível ver vários utentes do centro social beijarem um mesmo crucifixo. Um padre entra no lar acompanhado por algumas funcionárias, todos munidos de máscara cirúrgica, e diz as orações tradicionais da Visita Pascal. Depois, continua: “Com a cruz devidamente desinfetada, vamos então beijar Cristo ressuscitado enquanto cantamos.

Uma funcionária passa depois com o crucifixo por grande parte dos idosos, que a beijam. Entre cada beijo, a funcionária limpa a cruz com um pano, embora não seja percetível se é utilizado algum produto de desinfeção. Durante a breve cerimónia, é possível ver alguns dos idosos recusarem-se a beijar o crucifixo.

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[No vídeo divulgado pelo Semanário V é possível ver vários idosos a beijar o mesmo crucifixo.]

Este vídeo em particular não está disponível na página de Facebook do Centro Social de Freiriz. Porém, naquela página, há vários outros vídeos e fotografias que dão conta da realização destas celebrações durante este fim de semana no lar de idosos.

Idosos e funcionários sem sair desde 24 de março

Contactada pelo Observador, a diretora do centro social, Teresa Barbosa, confirmou a existência de 43 utentes no lar e garantiu que desde o dia 24 de março está em vigor uma quarentena profilática no centro. Desde esse dia, ninguém entra nem ninguém sai do lar, incluindo os 10 funcionários que lá estão — e todos os funcionários foram testados para a Covid-19 e os testes deram negativo.

Segundo Teresa Barbosa, o padre, que é também presidente do centro social, foi a única pessoa que entrou no exterior, fazendo-o “com as devidas precauções“. Até agora, nenhum dos idosos do lar apresentou sintomas compatíveis com a Covid-19.

Na semana passada, o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, tinha anunciado o cancelamento do Compasso da Páscoa. Num comunicado, o arcebispo dizia que os padres não deveriam apresentar a cruz para ser beijada ou tocada, devendo os sacerdotes procurar “evitar todo o tipo de contacto que possa servir de transmissão“.

Além deste caso em Freiriz, foi também conhecido um outro caso em Barcelos, onde uma mulher e um homem promoveram uma celebração do beijar da cruz em plena rua. Nesse caso, a celebração não foi organizada pela Igreja Católica nem contou com a presença de membros do clero.

Lar em Melgaço levou crucifixo a utentes em apoio domiciliário

Outro caso aconteceu no Centro Social de Paderne, em Melgaço, zona onde já se registaram, noutro lar de idosos, mortes por Covid-19. Segundo o jornal O Minho, foi a diretora de serviços daquele lar que tomou a iniciativa de improvisar uma Visita Pascal aos 15 utentes que beneficiam do apoio domiciliário da instituição.

Àquele jornal, a responsável admitiu que não seguiu as indicações da DGS e explicou: “A iniciativa foi minha, era a minha vez de levar os pequenos-almoços ao domicílio e decidi levar um pouco de alegria a casa destas pessoas“. Quatro utentes do regime de apoio domiciliário beijaram a cruz, que foi depois levada para o interior do lar de idosos e beijada por outros idosos.

Fiz isto porque muitos deles não têm ninguém, a família não os pode visitar e andaram a semana toda a queixar-se de que não iam ter Páscoa este ano“, afirmou a responsável considerando a sua ação como um ato de “carinho” perante os idosos que são “muito católicos”.

Dentro do lar, o crucifixo foi desinfetado com álcool entre cada beijo. “A intenção era melhorar o estado anímico dos utentes, nunca pensei que as pessoas fossem levar para o lado de querer fazer mal”, disse a diretora de serviços da instituição.

A câmara municipal já emitiu um comunicado a apelar a todas as instituições do concelho que sigam as práticas que constam do plano de contingência do município.

O próprio Papa Francisco deixou, na semana passada, um conjunto de conselhos aos bispos e padres de todo o mundo sobre como viver o período da Páscoa em circunstâncias como as atuais, e assinalava que, no máximo, o beijo da cruz devia ficar limitado ao celebrante — ou seja, ao padre ou bispo que preside à celebração.

GNR investiga “festa pascal” em Famalicão. MAI diz que pessoas envolvidas estão identificadas

A GNR está a tentar identificar as pessoas envolvidas numa celebração pascal, no domingo, numa rua em Vermoim, Vila Nova de Famalicão, com direito a beijos na cruz e a champanhe, disse fonte daquela força à Lusa.

Num vídeo que acabou divulgado nas redes sociais, vê-se uma mesa colocada na rua e uma mulher a dar uma cruz a beijar a cerca de 10 pessoas ali presentes.

Uma vizinha foi chamada a juntar-se ao convívio e mostrava alguma renitência em aproximar-se, mas alguém disse “estamos separados, ninguém vê”.

Outra pessoa alertou que alguém estava a filmar o momento. “Deixa estar a filmar. Tem de estar a um metro”, atirava outro presente no local. Segundo a fonte da GNR, o caso será remetido para tribunal. Em causa poderão estar os crimes de desobediência e/ou de propagação de doença contagiosa.

O ministro da Administração já confirmou entretanto que há três casos referenciados pela GNR relacionados com celebrações de “beijar da cruz”: o ocorrido em Barcelos e outros dois em lares. “Essas situações estão identificadas, as pessoas estão identificadas e serão alvo dos procedimentos legais aplicáveis“, disse Eduardo Cabrita.