E quando as pessoas que não têm ascendentes nem descendentes a seu cargo puderem começar a sair? E se as empresas começarem a funcionar por turnos? E se os estabelecimentos comerciais começarem a ter um limite de lotação? Os cenários foram colocados pela ministra da Saúde, num entrevista para podcast “Perguntar não ofende”, de Daniel Oliveira. Não passam de cenários possíveis que Marta Temido apenas admitiu como hipótese. Mas deu uma certeza:

Não vamos, de facto, até se descobrir uma vacina, voltar a ter a vida que tínhamos”.

É certo que “não podemos ficar fechados em casa o resto da vida”, mas há que ser “racional” na hora de aliviar as restrições impostas. A pergunta nem é tanto que decisões tomar, mas quando. Marta Temido explica que há “dois ou três critérios” a ter em conta antes de se avançar para a redução das medidas de isolamento. O primeiro é fazer uma avaliação da situação epidemiológica: “Se tivéssemos um número crescente de casos durante vários dias, seria improvável que tivéssemos uma decisão de reduzir as medidas de pressão”. Ou, vendo o cenário de forma inversa:

Admitindo que estamos no planalto e que nos vamos manter mais alguns dias no planalto: se tivermos um número de 500, 600, 700 novos casos, durante 5 ou 6 dias, e depois começarmos a assistir a uma redução (que antecipamos que seja uma redução demorada), penso que, quando se tornar uma constante, poderemos começar a imaginar outros cenários. Quando tivermos pessoas a recuperar, quando tivermos os óbitos também controlados, quando percebermos que a capacidade dos cuidados intensivos a ficar mais aliviada, é o primeiro sinal — não é o único“, explica a ministra.

Depois, explica Marta Temido, para desenhar um regresso à normalidade é preciso “ter em atenção aquilo que os outros países vão tendo como as suas experiências”. E, acrescenta: “Temos de ser muito racionais”. Até porque, adianta, “face à nossa contenção massiva, estaremos mais frágeis em termos de imunidade”. “A nossa imunidade é baixinha“, diz a ministra.

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Num dia em que a Direção-Geral da Saúde emitiu uma norma que aconselha o uso de máscaras em espaços interiores fechados com várias pessoas e questionada sobre se, até haver vacina, a mascara fará parte do dia-a-dia dos portugueses, Marta Temido admite: “Em espaços mais movimentados e confinados imagino que sim”.

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A ministra da Saúde diz esperar que “a incidência máxima já tenha sido atingida, que já tenhamos passado o pico“, mas reconhece que estes dados têm “fragilidades”. E explica porquê: “Trabalhamos com sistemas de informação que são frágeis e que não estavam preparados para receber uma pandemia”. Marta Temido resume que são “sistemas que reportavam bem quando tínhamos 100 casos de sarampo, mas que têm um comportamento frágil quando têm um maior volume de casos”.

Não me sinto totalmente segura com a informação que estou a trabalhar. Não por desconfiança daquilo que seja a competência técnica das pessoas, mas porque tenho consciência das fragilidades do sistema”, confessa.

Questionada sobre se há mais infetados do que os números demonstram, Marta Temido admite que existam mais dois ou três mil casos do que os número oficiais: “Os nossos números, as nossas modelações epidemiológicas dizem isso. Não há muito mais [casos], mas há sempre um diferencial”. Segundo explica, os mais dois mil ou três mil casos de contaminações que possam existir dizem respeito a casos que aguardam resultados e outros que estejam em vigilância.

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A ministra adiantou que foram feitos 170 mil testes até agora e que foram feitos mais rastreios no mês de abril do que em março. “Estamos a intensificar a realização de testes”, explica na entrevista para o podcast “Perguntar não ofende”, de Daniel Oliveira. Ainda assim, Marta Temido lembra que o mais importante, nesta altura,  é o isolamento e a higiene.

“O norte já viveu momentos de aflição”, diz ministra. Mas capacidade do SNS não está a ser toda utilizada

Marta Temido admite que a região norte do país e alguns hospitais como em Aveiro e Ovar já viveram “momentos de aflição”. Ainda assim, lembrando que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem uma capacidade limitada, a ministra garante que, “neste momento, não estamos a utilizar toda a a capacidade”. “Há alguma folga”, diz, explicando que há um segundo nível de capacidade do SNS que ainda não foi acionado: a complementaridade com o privado — o que, diz, não é ainda necessário.

A governante enaltece que a “procura de cuidados intensivos tem abrandado” e “houve situações em que provavelmente a opção de colocação em cuidados intensivos foi porque havia uma capacidade excedentária”.

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Quanto ao aumento da mortalidade entre os doentes não Covid-19, Marta Temido diz que  é “prematuro” concluir dizer que as pessoas estão a morrer por receio de ir ao hospital ou por falta de cuidados. “Que é um risco, que é uma preocupação, sim”, disse. A ministra adiantou ainda que, por isso, estão a ser identificados “todos os doentes cujos tratamentos foram suspensos ou adiados”. “Vamos procurar proceder a esse reagendamento o mais depressa possível”, assegurou, admitindo que imagina que “as filas de espera estejam pior do que estavam no início do ano”.

Podemos começar a recuperar e fazer para os doentes não Covid-19 o que fizemos para os Covid-19 e ser mais intensivos. Implica dizer aos médicos que continuamos a contar com eles”, explica.

Marta Temido disse acreditar que todas as decisões foram tomadas de forma adequada e no momento adequado. Quanto a uma vacina: “Tudo aquilo que sei leva a crer que a vacina só aparecerá daqui a um ano. E, portanto, temos que ser resistentes até em termos psicológicos”.

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