O Presidente da República apareceu na sessão solene do 25 de Abril muito justificativo da decisão do presidente da Assembleia da República de manter a sessão evocativa no Parlamento em pleno estado de emergência e quando os portugueses estão em recolhimento por causa do novo coronavírus. “Esta sessão é um bom e não um mau exemplo“, disse para responder à polémica sobre a manutenção da celebração parlamentar. Deixou para o fim os avisos sobre o desconfinamento e a promessa do dia em que o país vai celebrar as vítimas desta pandemia.
A “convergência”, começou logo por dizer Marcelo mal subiu ao púlpito do hemiciclo, “tem sido fundamental” nesta fase, por isso pediu “unidade”, perante um Parlamento que, na última semana, foi palco de polémcia sobre a comemoração do 25 de Abril, mesmo depois de encontrada uma solução final, muito minimalista, da tradicional cerimónia. Estavam tantos deputados quanto o número de anos da Revolução, depois de longa discórdia com CDS, Chega e PAN a protestarem contra a celebração e até com o único antigo Presidente que compareceu na cerimónia, Ramalho Eanes, a declarar discordar dela.
Gerou-se um combate político como não se via desde que a pandemia começou e Marcelo apareceu no Parlamento, de cravo na mão e não na lapela, com a intenção de acalmar estes ânimo e recentrar o foco no “essencial”: “Vencer as crises que temos de vencer.”
Evitou contribuir para a discórdia, mas acabou por se colocar de um lado nesta discussão, ao dizer que “o Presidente da República nunca hesitou um minuto em estar nesta evocação de Abril”. Não deixaria de vir, disse, por “pulsões momentâneas” e pelo “efémero” que, se tivesse sido seguido, Portugal nunca se teria tornado no país que é atualmente. De recordar que, entre os antigos Presidentes, Eanes compareceu, embora fosse contra, Jorge Sampaio faz parte do grupo de risco por isso não foi à cerimónia e Cavaco Silva fez saber que não iria.
Disse ser “sensível” às críticas dos que não queriam a comemoração, mas deixou-lhes a sua reflexão: “Não é este o tempo excecional e em tempos excecionais não devem dispensar-se evocações costumeiras e ritualistas? Não. É precisamente em situações excecionais que se impõe costumes e rituais. O 10 de junho é essencial e vai ser invocado, tal como o 1º de dezembro e o 5 de outubro. O 25 de Abril é essencial e tinha de ser evocado. É em momentos de sofrimento que mais importa evocar a pátria.”
Também pegou na crítica mais frequente para lhe dar a sua resposta a partir daquele palco, dirigindo-se aos que questionam que “num tempo em que não se visita familiares e lares, haver uma festa de políticos”. E respondeu: “Esta não é uma festa de políticos. Evocar o 25 de Abril é falar deste tempo, não é ignorá-lo.” E defendeu os deputados que “não vieram de outra galáxia”, foram “uma livre escolha dos portugueses”. Não marcar o dia seria, disse “um absurdo cívico”, “verdadeiramente incompreensível” e “vergonhoso”.
Para aplacar a sensibilidade pública face à impossibilidade de os portugueses se despedirem dos seu mortos — um dos argumentos que surgiu nesta discussão da última semana que parece mais incomodar Marcelo –, o Presidente prometeu neste dia uma cerimónia coletiva de homenagem aos que perderam a vida neste tempo de pandemia. “Evocar abril é chorar os mortos. É evocar os mortos que no fim hão de ter homenagem coletiva”, disse. Quando tudo passar.
As linhas de Marcelo para o desconfinamento
Feita a defesa, Marcelo passou de raspão pelos avisos para a fase que se seguirá ao confinamento, mas não sem os deixar bem sublinhados. O Presidente alertou para a “máxima convergência possível” e a necessidade de não ceder ao “simplismo de separar velhos e novos, urbanos e rurais e Norte, Centro, Algarve e Lisboa e não discriminar pessoas ou opiniões”. Uma solução que o primeiro-ministro já apontou como possível em entrevista ao Observador.
E pediu a “conjugação de aberturas amadurecidas com precauções bem explicadas e compreendidas”, referindo-se às medidas que o Governo está a estudar — e anunciará na próxima semanas — para fazer regressar ao ativo alguns setores de atividade que têm estado parados, caso do pequeno comércio. Marcelo não se opõe a que isso seja feito, desde que de forma “amadurecida” e explicada em detalhe à população.
Também falou nos problemas económicos e sociais que o país atravessa e que “vai atravessar”, antevendo mesmo que as consequências da pandemia se prolonguem “durante anos” e na necessidade de o Governo acudir “aos desempregados, famílias aflitas e empresas estranguladas”. Isto além da referência à necessidade de se “exigir uma Europa lúcida, empenhada, solidária e rápida a agir” em que se ultrapassem os “egoísmos e unilateralismos”. Um remate com destinatários além fronteiras, quando na União Europeia se debatem os apoios aos estados membros nesta pandemia e, sobretudo, o plano de recuperação para o pós.