A moda não tem de ser rápida e meteórica e projetos como a wetheknot, marca portuguesa que passou por um longo período de maturação até atingir uma correspondência plena entre conceitos, produtos e valores, são a prova. Passou uma década desde que Sérgio Gameiro e Filipe Cardigos se juntaram para explorar a meia dúzia de ideias que tinham em comum. Mais do que referências de estilo, partilhavam a mesma consciência ambiental que, em 2010, já começava a passar de conversa paralela a debate inadiável.
Reaproveitamento, processo e proveniência — três prioridades do trabalho em dupla que acabaram por levá-los a deitar mãos ao lixo que encontravam na rua. Seguiram-se os pequenos acessórios em pele vegana, produtos estrela que levaram mais longe o nome da marca. Já este ano, em março, a nova coleção de vestuário, sempre no universo masculino, surgiu como resposta a uma nova fase. “Que dia é hoje?” levou a simplicidade do design e o conforto dos materiais ao encontro de um workwear de meia estação.
“A nossa bandeira são roupas de qualidade e muito confortáveis. Tudo é pensado para ser usado em qualquer situação e em qualquer lugar. Não há roupa para uma reunião, para sair à noite, para ir correr. E isto também vale para os acessórios”, explica Filipe, de 36 anos, ao Observador.
Minimal e essencialmente utilitária, a silhueta da wetheknot é livre de excessos. Sem estampados e numa base de cores neutras, as sweatshirts e hoodies em algodão orgânico são as peças chave do guarda-roupa proposto por esta marca portuguesa e, ao mesmo tempo, soluções oportunas numa altura em que meio mundo teve de fazer da própria casa também o local de trabalho. À lista de básicos, na forma de uma coleção permanente disponível durante todo o ano, juntam-se breves edições limitadas, como a que os dois designers lançaram no início do ano.
É certo que a maioria dos clientes são homens, não só em Portugal como espalhados um pouco por toda a Europa, mas as linhas simples tornam estas peças apetecíveis também ao público feminino. “Diria que 70% dos cliente que compram a nossa roupa são homens. Nos acessórios, a percentagem inverte-se. O ideal, no futuro, seria desenhar uma linha específica para mulher. Por muito que as nossas linhas direitas façam destas peças unissexo, é um unissexo a pensar no corpo masculino”, resume Sérgio.
Calções feitos com guarda-chuvas. As primeiras peças da wetheknot
Filipe é designer gráfico e já em 2010 tinha o estranho hábito de apanhar guarda-chuvas estragados na rua. Levava-os para casa, livrava-se do cabo e da estrutura metálica e ficava apenas com o tecido. “Foi aí que fizemos os calções”, exclama Sérgio, designer de moda, na altura com apenas 22 anos. “Foi um projeto divertido e teve uma boa aceitação, numa altura em que não éramos muito conhecidos. Aliás, acabou por tomar uma dimensão muito superior à nossa capacidade”, esclarece.
Os calções feitos com tecidos de guarda-chuvas estragados chamaram a atenção da imprensa. Ao mesmo tempo que permitiram à dupla ganhar visibilidade com um investimento inicial muito reduzido, os dois depressa perceberam que a ideia, apesar da originalidade, se esgotaria depressa. “O mercado ainda não estava preparado para receber aquele tipo de produto. Tivemos de abandonar a reciclagem e começar a fazer peças de raiz”, completa Sérgio.
Com a tónica na sustentabilidade, o projeto avançou para o patamar seguinte — uma linha de acessórios em pele vegana, que encontrou uma recetividade quase absoluta ao apelar a um segmento bastante específico dos consumidores de moda. “Foi aí que a marca se começou a consolidar e que deixou de ser um projeto paralelo para passar a ser o nosso ganha pão”, recorda. Filipe refere-se a 2015, ano em que criaram a empresa e abriram uma loja, em conjunto com outras marcas, e que ainda hoje existe, no Bairro Alto, em Lisboa.
Das mochilas, bolsas e estojos até chegar ao vestuário foi um passo rápido e lógico. “Começámos a diversificar e a produzir roupa com tecidos portugueses e fibras sustentáveis, como o algodão orgânico e o lyocell“, detalha. Ao mesmo tempo, a wetheknot afirmava-se como marca de slow fashion, criteriosa na escolha de materiais e parceiros e consciente quanto ao impacto da velocidade de um negócio neste ramo no ambiente e na própria sociedade.
“A sustentabilidade vai além dos materiais que utilizamos, tem a ver com uma ética também. O crescimento tem de ser orgânico, pensamos na durabilidade das peças, trabalhamos com fornecedores locais sempre que possível, não queremos estar presentes em grandes superfícies”, explica Filipe. A rede que construíram é praticamente uma família.
No atelier, instalado no Centro de Inovação da Mouraria, trabalham auxiliados por Bruna e David, uma designer e um assistente de comunicação. À distância estão Manuela e Sohil — ela uma costureira portuguesa em Vila Nova de Famalicão, ele um alfaiate indiano a viver em Lisboa. Juntos, garantem 80% da produção da marca. “Quando precisamos aumentar stocks, recorremos a pequenas fábricas. Os bonés, por exemplo, são produzidos numa unidade familiar”, continua. Os sabonetes, também à venda na oja, vêm de Mafra, produzidos artesanalmente por Teresa e Mário.
A sustentabilidade pode ser um valor fundador, mas Sérgio e Filipe não querem que seja um rótulo. O minimalismo utilitário continua a ser o melhor cartão-de-visita, quer para os turistas que, durante anos, pararam para fazer compras enquanto passeavam pelo Bairro Alto, quer para os clientes portugueses, alemães e suíços que repartem o bolo das vendas online. “Não queremos fazer da sustentabilidade o mais essencial. É uma obrigação, mas há cada vez mais marcas a usar isso como bandeira para vender. Até já soa a mau marketing”, sugere Filipe.
A pandemia e um novo chip de consumo
Até há dois meses, a wetheknot era um projeto viável. Neste momento, o futuro é tão incerto quanto o de milhares de outras pequenas empresas, sem estrutura para suportar uma redução drástica da faturação. A loja em Lisboa já reabriu, mas terá de esperar pelo público estrangeiro que, por estes dias, praticamente desapareceu da paisagem lisboeta. “Estamos apreensivos com o futuro, mas também queremos ter um espírito positivo”, admite Sérgio. “A nossa equipa está a dedicar-se à comunicação e a perceber como é que podemos criar uma comunidade em torno dos valores e não dos produtos”, completa.
Ao mesmo tempo que as contas se complicam, vender não é o objetivo final, pelo menos não nesta fase. “Estamos otimistas em relação a uma mudança de chip”, acrescenta Filipe. A valorização do que é local parece ser uma das lições aprendidas com a atual crise e as ferramentas para pô-la em prática surgem todas as semanas. É esta a esperança dos dois designers, talvez a única que lhes resta, a eles e à wetheknot, que este ano assinala dez anos de vida.
“Espero que as pessoas percebam que há valores que se sobrepõem ao prazer do consumo. Há um palco já montado para que isso possa florescer, mas não sabemos quando poderá acontecer”, confessa Filipe. Sérgio complementa: “Mas uma coisa espero que percebam — nunca voltaremos ao que era antes”.
Nome: wetheknot
Data: 2010
Ponto de venda: loja online e loja coletiva (Rua da Rosa, 197, Lisboa)
Preços: dos 12,50 aos 179 euros
100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.