A convocação de manifestações em Lisboa e no Porto para 4 de junho às 18h00 é a resposta do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE, afeto à CGTP) perante o anúncio desta terça-feira por parte do Ministério da Cultura de regras de reabertura de teatros, cinemas e recintos de espetáculos. O porta-voz do Cena-STE, Rui Galveias, adiantou ao Observador que as manifestações se devem “à falta de medidas de emergência e apoio aos trabalhadores das artes e à falta de medidas de fundo para a crise no setor da cultura”.
Na capital o protesto decorrerá no Rossio, enquanto no Porto terá como cenário o Campo Mártires da Pátria. “Vamos respeitar as regras sanitárias de distanciamento, mas pretendemos alargar a manifestação a todo o setor”, afirmou Rui Galveias. “Sentimos que estamos em braço de ferro há já algum tempo com o Governo e que não somos ouvidos. Isolar a questão na ministra é esquecer o Governo como um todo, como se as soluções não tivessem também de passar pelos ministérios do Trabalho, da Economia, das Finanças. Os problemas não estão baseados numa pessoa.”
Teatros e cinemas podem reabrir com todas as filas ocupadas, guardando lugar de intervalo
Depois de semanas de expectativa, e a apenas cinco dias do início da reabertura de teatros, cinemas e recintos, o Ministério da Cultura divulgou um conjunto de regras a que devem obedecer as empresas e entidades organizadoras de espetáculos. O documento que o gabinete da ministra Graça Fonseca remeteu ao Observador indica que a “higiene e segurança” de “corpos artísticos, equipas técnicas e restantes trabalhadores e colaboradores” terá de obedecer a pelo menos cinco normas. A saber:
- medição de temperatura “à chegada ao edifício, sem registo dos resultados”;
- “desinfeção de equipamentos técnicos, ferramentas e adereços antes da sua utilização”;
- gel desinfetante e toalhetes em salas de ensaio e camarins;
- “arejamento natural das salas e camarins”, apenas “quando aplicável” e “sempre que possível”;
- não-partilha de “instrumentos, objetos e acessórios utilizados durante ensaios ou concertos”.
De acordo com o documento, os espaços devem ter “um plano de limpeza e desinfeção regular”, que inclui a “higienização completa das salas antes da abertura de portas e logo após o final de cada sessão”.
Em salas fechadas, isto é, teatros e cinemas, os lugares são todos obrigatoriamente sentados, com um assento de intervalo entre espectadores que não sejam coabitantes. “Não podem ser ocupadas as duas primeiras filas da sala junto ao palco ou, em alternativa, deve ser garantida a distância de pelo menos dois metros entre a boca de cena e a primeira fila ocupada”, lê-se, o que grosso modo significará uma redução de cerca de 50% na lotação máxima.
Há “obrigação de utilização de máscara de proteção por parte do público” e “as entradas e saídas de pessoas devem ter circuitos próprios e separados”. A máscara é também uma obrigação para artistas, técnicos e outros funcionários, com exceção dos ensaios e dos momentos em que estão em cena.
Já os espetáculos ao ar livre são obrigados a ter lugares marcados (cadeiras ou marcações no chão) com um metro e meio de distância entre pessoas. O documento é omisso quanto à utilização de máscaras ao ar livre.
O Ministério da Cultura e a Direção-Geral da Saúde (DGS) decidiram também que não haverá intervalos nas peças ou nos filmes, mas “quando tal não seja possível, a duração do intervalo deve ser reduzida ao mínimo indispensável, recomendando-se aos espectadores que permaneçam sentados”.
No quadro da crise pandémica, o Governo anunciou a 30 de abril o calendário de desconfinamento e regresso à atividade, tendo decidido que a reabertura de salas de espetáculos deve ocorrer a partir de 1 de junho. Uma versão provisória das regras de reabertura foi remetida a 14 de maio pelo Ministério da Cultura a estruturas representativas do setor cultural, nomeadamente sindicatos, associações e teatros nacionais, com pedido de comentários e contributos.
A versão final, agora conhecida, é da responsabilidade da tutela e da DGS. O anúncio estava previsto para a semana passada mas aconteceu esta terça-feira ao fim da tarde, durante uma visita da ministra da Cultura ao Museu Municipal Álvaro Viana de Lemos, na Lousã.
“Há um problema de custos”
Após uma primeira leitura das regras, Rui Galveias comentou que “as medidas são frágeis” no que aos interesses de artistas, técnicos e outros trabalhadores do setor cultural diz respeito. “O Ministério da Cultura deve ter uma visão de sonho das artes do espetáculo”, classificou, pois “a partir de agora fica do lado das companhias e atores a responsabilidade de assumirem o risco”.
Na opinião do sindicalista, trata-se de “regras aparentemente simples mas que se atiram cá para fora sem previsão de custos de implementação”. “Há um problema de custos, estamos muitas vezes a falar de estruturas artísticas que não são apoiadas pelo Estado ou são-no de forma frágil. Se fica tudo dependente da capacidade humana e financeira das estruturas, tem de haver mais medidas de apoio”, reivindicou Rui Galveias, para quem “o acesso gratuito a testes de despistagem é uma medida urgente” não contemplada pelas regras agora apresentadas.
O porta-voz prometeu que o Cena-STE vai divulgar em breve o parecer relativo às regras provisórias que remeteu na semana passada ao Ministério da Cultura, para que sejam conhecidas as diferenças entre as preocupações do sindicato e o documento final da tutela.
“É obrigatório dar segurança às pessoas”
O empresário Pedro Borges, responsável pela distribuidora Midas Filmes e pela sala de cinema independente Cinema Ideal, no Chiado, em Lisboa, comentou que “o mais importante é as pessoas sentirem segurança e que não vão entrar num local perigoso”. Congratulou-se por as regras terem sido “aligeiradas” em alguns pontos, face à versão provisória de 14 de maio, nomeadamente por já não imporem como uma das opções para acomodação do público uma fila de intervalo e pelo menos dois lugares desocupados entre espectadores.
“Não me parece mal que num período de transição tenhamos estas normas de funcionamento, até para o público se sentir bem e à vontade. Imaginar o nosso cinema com o pessoal todo de máscaras ou o público a sair pelas traseiras para não se cruzar com quem chega é uma forma de organização ao estilo militar, mas é obrigatório dar segurança às pessoas”, disse Pedro Borges, cuja sala comporta um máximo de 190 pessoas e deverá ficar-se agora por cerca de metade.
Noutro quadrante, representantes de distribuidores e exibidores, sobretudo de salas consideradas comerciais, fizeram saber esta semana que discordam da reabertura a 1 de junho e propõem em alternativa o dia 2 de julho. Alegam que até lá não há estreias nacionais e internacionais “com competência para mobilizar públicos”. “Se o Governo obrigar todas as salas de cinema a abrir portas no dia 1 de junho, há empresas de distribuição e de exibição que correm o risco de insolvência”, afirmou ao Observador na segunda-feira António Paulo Santos, diretor executivo da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (FEVIP).