Cesário Bonito tinha estado três anos na presidência (naquela que foi a terceira passagem pelo clube), Afonso Pinto de Magalhães ocupou o cargo durante cinco anos, Américo de Sá foi líder durante dez anos. Do meio da década de 60 até abril de 1982, o FC Porto teve apenas três presidentes. Na altura, pelo que se passara antes, era impensável. Daí para cá, não foram três – foi apenas um. O mesmo que, apenas pela terceira vez ao longo de quase quatro décadas, terá um adversário nas eleições. Neste caso, dois. É neste cenário que chega a um novo sufrágio.

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Muito mudou no mundo, no desporto e no FC Porto desde que Pinto da Costa é presidente. E basta atentar nas primeiras notas desta campanha para chocar com essa realidade: colocou uma mensagem aos sócios no site oficial da candidatura e fez um vídeo que passou nas redes sociais. Foi no ano de 1982 que foi lançado o microprocessador Intel 80286 e o computador Commodore 64 (e também o primeiro vírus numa máquina), que começou a Guerra nas Malvinas, que Helmut Kohl se tornou chanceler alemão, que Felipe González chegou a primeiro-ministro de Espanha (que entrou aí na NATO), que a Itália ganhou o Mundial de futebol em Espanha, que saiu o filme ET – que ficaria como recordista de bilheteira por vários anos. Entre Campeonato, Taça de Portugal e Supertaça, os dragões tinham 12 títulos; hoje, tem 72, incluindo sete internacionais.

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“Nesta minha primeira comunicação aos sócios do FC Porto, queria saudá-los efusivamente e agradecer tudo aquilo que têm contribuído para o engrandecimento do FC Porto. Tenho muito orgulho no meu passado como dirigente desportivo no FC Porto: pelos anos que passei como chefe de secção; pelos anos que fui diretor das atividades amadoras, na presidência de Afonso Pinto de Magalhães; pelos quatro anos de sucesso que o FC Porto teve sob a presidência do Dr. Américo de Sá, em que eu fui diretor para o futebol; e em todo o passado como presidente do FC Porto”, começou por referir nessa mensagem que “inaugurou” a candidatura.

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Mas não é a pensar nesse passado que eu me candidato à presidência, novamente, do FC Porto. É a pensar nas dificuldades tremendas do presente, e na esperança e na certeza que tenho – com a minha nova equipa, que oportunamente apresentarei – de que vamos conseguir sucessos no futuro, solidificar o clube, para que ele possa continuar a ser um dos grandes do futebol europeu”, acrescentou na mensagem aos associados, naquele que ficou como mote da campanha.

“O diagnóstico sobre o presente é duro. Tal como aconteceu quando me candidatei pela primeira vez, tenho consciência de que este é um momento que exige mudanças e estou disponível para voltar a protagonizá-las. Queremos continuar a ser um caso de estudo no panorama do futebol mundial, e isso implica superar deficiências nos planos financeiro, organizacional e desportivo. Além disso, impõe-se renovar os órgãos dirigentes do clube. Os objetivos serão os mesmos de sempre: ganhar, ganhar, ganhar”, salientou no “compromisso”, acrescentando: “Não abdicaremos de ser aquilo que somos há décadas: um clube incómodo. Somos incómodos porque nos levantamos contra as injustiças de um país estupidamente centralizado. Somos incómodos porque lutamos e vamos continuar a lutar pela verdade desportiva. Somos incómodos porque ganhamos muitas vezes contra tudo e contra todos. Somos incómodos porque os que querem fazer crer que somos provincianos sabem bem que o nosso nível é internacional. O incómodo que causarmos continuará a ser uma medida do nosso sucesso”.

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Com o regresso de duas antigas glórias do futebol para os órgãos sociais (Vítor Baía e Fernando Gomes) e a entrada de duas figuras de peso no mundo económico e empresarial (José Américo Amorim, sobrinho de Américo Amorim considerado um gestor de topo para ajudar a remodelar clube e SAD, e Paulo Mendes, administrador do Banco Carregosa), Pinto da Costa surge com listas renovadas a preparar presente e futuro que passa pela construção de uma Academia para potenciar a formação mas sem esquecer as referências necessárias na equipa principal.

“Cidade do futebol? Quando dizemos o que queremos e estamos a fazer aparecem logo a boicotar. Temos um projeto que será aprovado mas há problemas de licenças. Há espaço e temos de pensar em grande, daí passar da academia à cidade do futebol. É algo importante. O FC Porto não tem academia mas tem lançado talentos, tem tido resultados, é o único clube que conquistou um título europeu nas camadas jovens. Mas queremos melhor. Em 1987 quando vencemos o título europeu tínhamos muitos portugueses mas os jogadores mais decisivos foram o Młynarczyk, o Celso, o Juary, o Madjer, o Futre que era da escola do Sporting… Pensar que só vou ter jogadores da formação… Nunca mais poderíamos pensar em ir longe nas provas europeias. Pensar que não precisamos de jogadores estrangeiros é uma utopia”, destacou em entrevista ao Porto Canal.

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Assim, e mesmo sem ter propriamente um “Programa” para apresentar em relação ao próximo mandato, que já referiu ser o último, Pinto da Costa tem quatro grandes desafios para os próximos quatro anos, das vitórias no futebol ao peso nas decisões do mesmo, passando pela parte financeira e pelas modalidades. Será o projeto dos quatro V: regressar às vitórias, vender jogadores, construir visão para o futuro e ter vitalidade nas modalidades.

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  • O regresso às vitórias no futebol. Há um número que continua a ser “mágico” no FC Porto e faz a diferença: 60. Foram esses os títulos ganhos por Pinto da Costa no futebol, ao transformar um clube que tinha pouca expressão em termos nacionais conquistas numa formação capaz de criar hegemonia não só no plano interno mas também na Europa, onde em duas décadas e meia conquistou sete troféus. Depois do período Villas-Boas e Vítor Pereira, houve um eclipse no sucesso: após a Supertaça de 2013, foi preciso esperar até maio de 2018 para festejar o título já com Sérgio Conceição, a que se seguiu mais uma Supertaça. Todavia, esse é o grande desafio – inverter a hegemonia que passou para as mãos do Benfica por forma a quebrar o que se passou nos últimos sete anos, naquele que foi o período de menor sucesso desportivo desde os anos 80.
  • A recuperação financeira e o futebol de formação. Os quatro elementos novos na Direção apresentada por Pinto da Costa entroncam no binómio futebol-economia: Vítor Baía para ser diretor do futebol, Fernando Gomes para estar com o futebol de formação e fazer a “ponte”, José Américo Amorim e Paulo Mendes para os assuntos financeiros e novas parcerias. Mas é também neste binómio que assenta muita da sustentabilidade possível dos azuis e brancos a breve e médio prazo: com uma situação financeira complicada (que pior ficou com a pandemia e com a impossibilidade de levar a cabo os negócios que fariam entrar 147 milhões de euros nos cofres da SAD), a proposta de um adiamento do empréstimo obrigacionista e a necessidade de realizar mais valias para cumprir o fair-play financeiro, o FC Porto vai ter de vender, de adequar/baixar os custos e potenciar novas receitas. É aqui que entra a formação, até por forma a capitalizar o triunfo na Youth League de 2019 – os jovens feitos no clube até podem ter um valor contabilístico residual mas é daí que podem sair as principais mais valias não só desportivas mas também a nível de futuras vendas para equilíbrio de contas.

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  • O poder do futebol português. É uma análise transversal a comentadores, analistas e dirigentes que se tem solidificados nos últimos tempos (basta ver o que se está a passar agora na Liga de Clubes): se é verdade que durante muitos anos o FC Porto teve o poder do futebol português, esse mesmo domínio começou a passar na última década para o Benfica. Essa é também uma das críticas mais vezes apontadas pelos dois candidatos nestas eleições dos azuis e brancos: por comodismo, inépcia ou sobranceria, os dragões foram sendo afastados dos centros de decisão. Aqui entronca outro dos desafios: equilibrar os pratos da balança em relação ao rival mais direto e voltar a ter uma voz mais ativa nas várias vertentes do futebol português.

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  • A sustentabilidade das modalidades. Ao contrário do que aconteceu com José Fernando Rio e Nuno Lobo, Pinto da Costa recusa prometer o nascimento ou o regresso de mais modalidades de pavilhão ou ao ar livre porque centra sobretudo atenções na consolidação das existentes perante todas as dificuldades criadas pela pandemia. Sem esquecer a secção de desporto adaptado, um dos “pontos de honra” do presidente azul e branco desde a década de 80/90, a ideia passará por dar continuidade ao crescimento do andebol em termos de expressão europeia (na época passada chegou à Final Four da Taça EHF, esta temporada estava nos oitavos da Liga dos Campeões – ambos feitos históricos), por manter o hóquei em patins a lutar por todos os títulos, por colocar o basquetebol na disputa das provas nacionais, todas com possíveis ajuntamentos orçamentais e prolongar a ligação de sucesso com a W52 no ciclismo que já valeu quatro Voltas a Portugal seguidas. A criação do futsal, o regresso do voleibol masculino (o feminino voltou em 2019/20) ou a aposta num Gabinete Olímpico tendo em vista os Jogos de Paris em 2024 ficarão como ideias possíveis mas a médio prazo.