O ministro das Finanças cessante, Mário Centeno, começa esta quinta-feira a preparar a sua despedida da Europa, lançando o processo de candidaturas à sua sucessão na presidência do Eurogrupo, da qual decidiu abdicar. Após o anúncio da sua saída do Governo — que se concretizará já na próxima segunda-feira, com a tomada de posse de João Leão –, Centeno dirigirá esta tarde, ainda por videoconferência, mais uma reunião do Eurogrupo, que não será a sua derradeira, pois, mesmo cessando funções como ministro, anunciou que concluirá o seu mandato, que termina em 13 de julho, presidindo então ainda ao processo de eleição do seu sucessor.
Esse processo será lançado na videoconferência de hoje, com a abertura de candidaturas, e neste momento os nomes apontados como favoritos à sua sucessão são os da ministra espanhola, Nadia Calviño, do luxemburguês Pierre Gramegna, e do irlandês Paschal Donohoe.
A eleição está prevista para a reunião do Eurogrupo de 9 de julho, a última antes do verão e a derradeira conduzida por Centeno, que é o primeiro presidente do fórum informal de ministros da zona euro a não cumprir mais do que um mandato, depois de Jean-Claude Juncker ter desempenhado o cargo entre 2005 e 2013 e de o holandês Jeroen Dijsselbloem ter cumprido dois mandatos, entre 2013 e 2018.
Ainda antes da reunião de hoje do Eurogrupo, agendada para as 14h30 de Lisboa, Centeno participará numa reunião do Conselho de Governadores do Mecanismo Europeu de Estabilidade — o fundo de resgate permanente da zona euro –, neste caso pela derradeira vez como governador, cargo que desempenhou em paralelo com o de presidente do Eurogrupo.
Centeno, o Ronaldo das finanças europeias que pediu para ser substituído
O ministro Mário Centeno, o “Ronaldo do Ecofin”, abdicou de concorrer a um segundo mandato como presidente do Eurogrupo, apesar do apoio que tinha das “bancadas” europeias, curiosamente reforçado no atual contexto da profunda crise económica do Grande Confinamento.
As reações na Europa ao anúncio de terça-feira de que Centeno deixa a pasta das Finanças no Governo português e, consequentemente, não se candidatará a um segundo mandato de dois anos e meio, demonstraram que o ministro português reunia todas as condições para ser reconduzido, mesmo que o seu mandato como presidente do Eurogrupo, iniciado em janeiro de 2018, não tenha sido glorioso em toda a linha.
Ao iniciar funções, Centeno elegeu como grande prioridade a reforma da zona euro e a concretização do aprofundamento da União Económica e Monetária e da União Bancária, mas abandona o cargo com a missão por completar, depois de muitos meses de negociações que não se traduziram nos progressos ambicionados.
Mário Centeno viu designadamente ‘esfumar-se’ aquela que foi uma das suas grandes ‘bandeiras’, o orçamento próprio da área do euro, o chamado instrumento para a convergência e competitividade — que provocou de resto um ‘choque’ com o primeiro-ministro António Costa em plena cimeira do Euro em Bruxelas, em dezembro passado –, e que parece ter definitivamente perdido as poucas hipóteses que tinha de singrar, ao ser ‘ignorado’ nos planos de recuperação da economia europeia no pós-pandemia da covid-19.
A eleição para a presidência do Eurogrupo, em dezembro de 2017, foi o corolário de uma ascensão meteórica de Centeno a nível de credibilidade e prestígio entre os seus homólogos na Europa, conquistada em dois anos.
Olhado à sua chegada a Bruxelas com desconfiança, em dezembro de 2015, por ser o titular da pasta das Finanças de um novo governo “geringonça”, apoiado por uma maioria parlamentar de esquerda — na ótica comunitária, de perigosa extrema-esquerda, apostada em inverter a política de austeridade aplicada durante o programa de ajuda externa –, Centeno teve de conquistar a confiança de Bruxelas e dos parceiros europeus.
Aliás, nos primeiros meses em funções, o primeiro Governo de António Costa teve como principal missão em Bruxelas lutar contra anunciadas sanções a Portugal, devido ao défice excessivo, de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB), registado no final de 2015, tendo a Comissão Europeia acabado por desistir das sanções em julho de 2016.
A partir daí, Centeno foi ganhando capital na Europa, que, olhando para o desempenho da economia portuguesa, deixou de recear novo ‘descarrilamento’ das contas públicas de Portugal ou uma nova Grécia. E 2017 seria em definitivo o ano da ‘consagração’ da economia portuguesa fora de portas.
Além do encerramento do Procedimento por Défice Excessivo sob o qual o país se encontrava desde 2009, e de as agências de notação financeira começarem a melhorar a sua avaliação da dívida soberana portuguesa, Portugal avançou com uma candidatura que meses antes era impensável, a do seu ministro das Finanças, entretanto ‘batizado’ — em maio de 2017 — pelo homólogo alemão Wolfgang Schäuble como “o Ronaldo do Ecofin”, a presidente do fórum informal de ministros das Finanças da zona euro.
A 4 de dezembro, Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo, à segunda volta, sucedendo a um dos ‘falcões’ de Bruxelas em termos de política económica, o holandês Dijsselbloem.
Em 2018, ao cabo de sensivelmente meio ano em funções, teve um dos momentos altos do seu mandato, ao anunciar o acordo “histórico” com as autoridades gregas — no final de uma maratona negocial — sobre a conclusão do terceiro programa de assistência à Grécia, consumada em agosto, e que, nas palavras do próprio, representou o “final dos últimos resquícios da crise do euro”, já que pôs fim ao ciclo de resgates a países na zona euro no quadro da crise económica e financeira, entre os quais Portugal (2011-2014).
Enquanto na Europa se concentrava nas complexas negociações sobre o aprofundamento da União Económica e Monetária, a nível nacional garantiu que Portugal fosse prosseguindo a trajetória de correção do défice, e logrou a ‘proeza’ de garantir que o país registasse, em 2019, o primeiro excedente orçamental da história da democracia (0,2% do PIB).
A parte final do mandato de Centeno — à imagem do sucedido com o seu trabalho no Governo — acaba, todavia, por ficar marcada pela profunda crise provocada pela pandemia da covid-19, que, como afirmou recentemente o vice-presidente da Comissão Valdis Dombrovskis, deixou uma “cratera” na economia europeia idêntica à causa por um asteroide. O impacto exato só será determinado mais à frente, mas o certo é que o novo coronavírus é responsável pela maior contração económica da história da zona euro, quando esta estava finalmente reerguida.
No entanto, o seu trabalho nos últimos meses a nível da resposta europeia à crise da covid-19 acabou por ser curiosamente dos que mais elogios lhe mereceram por parte dos seus pares e das instituições europeias — incluindo dos ministros das Finanças da Alemanha e da ‘frugal’ Holanda –, pelo que Mário Centeno deixará Bruxelas ‘de cabeça erguida’ e seguramente com a convicção de que, se não tivesse tomado a decisão de ‘pendurar as chuteiras’, não teria tido muitas dificuldades em continuar na posição de ‘Ronaldo do Eurogrupo’ por mais duas épocas e meia.
A passagem de Centeno do Eurogrupo em 39 frases
“Esta eleição na política interna em Portugal na verdade não muda nada. Nós temos um princípio de credibilização e de responsabilização das políticas económicas em Portugal, ela é feita com certeza no contexto económico e monetário em que Portugal se encontra, e isso era assim antes desta eleição, e vai ser assim após esta eleição.”
No dia da eleição como presidente do Eurogrupo, 4 de dezembro de 2017
“Eu continuo a ser ministro das Finanças de Portugal, e isso é uma enorme diferença face a outras situações com as quais esta eleição possa ser comparada. Traz para o país uma distinção que nenhuma outra até hoje tinha trazido.”
No dia da eleição como presidente do Eurogrupo, 4 de dezembro de 2017
“Estou muito motivado para liderar o Eurogrupo nos próximos dois anos e meio. Agradeço ao Jeroen [Dijsselbloem] pelo trabalho duro e pelos compromissos que conseguimos atingir nos últimos cinco anos. Muito foi feito. Saímos da crise, mas o trabalho ainda não acabou, certamente nunca está, mas a janela de oportunidade que temos agora em termos políticos e económicos deve ser usada para completar a reforma das instituições da zona euro.”
Cerimónia de passagem de ‘testemunho’ da presidência do Eurogrupo do holandês Jeroen Dijsselbloem para Mário Centeno, 12 de janeiro de 2018
“É muito motivante aquilo que nos espera nos próximos dois anos e meio, mostraremos todo o empenho no processo de construção de uma Europa mais robusta e mais resistente a crises, que é aquilo que os decisores políticos têm como obrigação fazer para com os seus cidadãos, numa relação transparente e que traga previsibilidade à vida de todos nós.”
12 de janeiro de 2018
“Portugal tem, obviamente, imenso a ganhar — como todos os outros países — da superação destes desafios que agora enfrentamos e vamos dar o nosso melhor.”
12 de janeiro de 2018
“Portugal é um dos mais importantes ‘case study’ na Europa nestes dias.”
17 de janeiro de 2018
“Politicamente, é muito importante que neste momento em concreto possamos olhar para a expansão da zona euro com muito otimismo e com muita determinação. Temos naturalmente de criar condições para que isso aconteça.”
22 de janeiro de 2018
“Depois de ter estado focado, durante muitos anos, na gestão de crises, o Eurogrupo pode finalmente virar todas as suas atenções para o processo de completar a arquitetura da UEM [União Económica e Monetária]”.
20 de fevereiro de 2018
“Eu, enquanto presidente do Eurogrupo, recomendaria a todos os países da área do euro manterem o excelente trabalho que tem sido feito em cada um desses países no sentido de promover a estabilidade das contas públicas, a estabilidade do sistema financeiro e a melhoria da competitividade da área do euro.”
21 de fevereiro de 2018
“[Se os problemas existentes não forem resolvidos,] a próxima crise virá mais cedo e pode doer tanto [como a anterior]. Não estamos ainda totalmente a salvo.”
1 de março de 2018
“Quanto à reforma do MEE [Mecanismo Europeu de Estabilidade], estamos a fazer bons progressos. Há um apoio alargado para reforçar o papel do MEE na gestão de crises no atual quadro institucional, evitando ao mesmo tempo duplicações com a Comissão Europeia.”
12 de março de 2018
“A União Bancária é uma prioridade. (…) Completar a União Bancária, com os três pilares, será uma grande conquista para nós neste ano.”
20 de março de 2018
“Às vezes, os políticos podem ter más ideias, mas todos nós, coletivamente, temos de nos dar e resolver as boas e as más ideias e tentar encontrar soluções e, por isso, a discussão sobre o ‘Brexit’ é tão importante, por um lado para mostrar a determinação na construção do futuro e do ponto de vista do Reino Unido da definição de qual é a relação que o país quer ter com esta noção da Europa.”
9 de maio de 2018
“A Grécia reconquistou o controlo pelo qual lutou. Com controlo, vem a responsabilidade. Os gregos pagaram caro as más políticas do passado, pelo que voltar atrás seria um erro prejudicial.”
Numa mensagem em vídeo dirigida aos gregos no dia em que a Grécia deixou de estar sob o controlo da ‘troika’, 20 de agosto de 2018
“Há questões que se levantaram após sabermos a trajetória para o défice proposta pelo Governo italiano (…). Há um conjunto de princípios de gestão orçamental que devem ser seguidos por todos os países que estão na área do euro.”
1 de outubro de 2018
“As nossas regras orçamentais não são um fim em si mesmas, visam criar as condições para um crescimento económico sustentável e facilitar o funcionamento da União Económica e Monetária.”
20 de novembro de 2018
“A sua importância e o seu impacto durante as duas primeiras décadas da sua história são incontestáveis, mas o seu futuro permanece por escrever. A responsabilidade que pesa sobre nós é, assim, histórica.”
Em comunicado, a propósito do 20.º aniversário do ‘nascimento’ do euro, 30 de dezembro de 2018
“A grande notícia dos últimos tempos é que Portugal deixou de ser tema de discussão no Eurogrupo.”
TSF/Dinheiro Vivo, 12 de janeiro de 2019
“Muito foi alcançado [nestes anos, mas é] necessário mais para assegurar que a zona euro está bem preparada para lidar com futuras crises.”
Na celebração do 20.º aniversário da criação do euro, 15 de janeiro de 2019
“Há votações importantes ainda no Reino Unido. Nós todos desejamos que haja um acordo e que esse acordo permita que se crie uma situação de previsibilidade para todos os agentes económicos e financeiros.”
21 de janeiro de 2019
“O euro é a segunda moeda do sistema monetário internacional, a seguir ao dólar, por uma larga margem. Contudo, o euro fica aquém do que seria de esperar dada a relevância económica da Europa no mundo.”
22 de março de 2019
“Muitos esperavam que a UE se dividisse diante do processo do ‘Brexit’. Muitos esperavam que a UE vacilasse perante os desafios da nova administração norte-americana à ordem internacional. Mas a Europa demonstra uma notável resiliência e união.”
9 de maio de 2019
“A Europa vive o maior e mais sustentável e prolongado período de recuperação económica das últimas décadas.”
29 de maio de 2019
“A Europa precisa de uma liderança, precisa de clareza, de modo a permitir que as nossas economias e as nossas sociedades continuem a crescer.”
21 de junho de 2019
“Ao encontrar um candidato para dirigir o FMI, como em outras decisões da União Europeia, devemos lutar por uma posição comum. Quero ajudar a encontrar esse consenso e, por isso, não participarei nesta etapa do processo.”
Twitter, 1 de agosto de 2019
“Saúdo a equipa de Von der Leyen para a Comissão Europeia e estou ansioso por começar a trabalhar de perto com os seus comissários no nosso objetivo comum de reforçar o euro.”
Twitter, 10 de setembro de 2019
“Temos assistido a muitos avanços e recuos por parte da administração norte-americana relativamente à sua política (comercial). Em futebol, é como quando o defesa tem pela frente um jogador nervoso.”
Der Spiegel, 05 de novembro de 2019
“A contenção já implementada está a levar a economia a tempos de guerra. A hora é de conter aquilo que é a pandemia, mas a hora é também de manter a economia a funcionar, de manter o emprego, de garantir que as empresas têm liquidez para num momento difícil conseguir manter as suas obrigações.”
18 de março de 2020
“Todos na Europa percebem exatamente a natureza desta crise, o seu caráter totalmente exógeno à vontade dos governos, a eventuais más políticas que tivessem sido seguidas. Não estamos a falar de crises estruturais.”
18 de março de 2020
“Sairemos desta crise com uma dívida mais alta para todos os Estados. É decisivo que essas dívidas não sejam um obstáculo para que os Estados assumam novas dívidas. Para isto precisamos de prazos longos e juros baixos. Um caminho para reduzir a carga da crise seria a emissão de títulos de dívida comum [os chamados ‘coronabonds’]. Poderiam ser limitados no tempo, como contempla a proposta francesa”
Jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”, 4 de abril de 2020
“Todos temos a noção de que este não é um momento para manter as políticas do costume. Temos de mostrar aos nossos cidadãos que a Europa os protege.”
Numa mensagem vídeo divulgada antes de uma reunião do Eurogrupo considerada decisiva para a resposta económica europeia à crise provocada pela pandemia de covid-19, 07 de abril de 2020
“Estamos nisto juntos. Todos em confinamento, com o número de vítimas a aumentar a cada hora, e sem fim à vista. Todos os dias somos recordados de que este vírus é cego. Cego às bandeiras, ao género, à cor ou à classe social. Não há passageiros de primeira classe. Ou afundamo-nos ou nadamos juntos. Esta é uma verdadeira emergência. Isto é global.”
9 de abril de 2020
“Precisamos de dois anos inteiros pelo menos para voltar ao nível de 2019. Com cautela, porque a dívida [pública] requer mais tempo, mas é fazível que em finais de 2022 voltemos aos níveis de 2019.”
Entrevista aos jornais El Mundo (Espanha), Le Monde (França), Frankfurter Allgemeine Zeitung (Alemanha), Corriere della Sera (Itália) e NRC (Holanda), 15 de abril de 2020
“Esta é uma crise simétrica que inevitavelmente vai levar a que todos os países fiquem com mais dívida no curto prazo e que enfrentem, no segundo trimestre de 2020, uma recessão verdadeiramente avassaladora. Os velhos livros pelos quais nos regíamos já não nos servem neste período. A resposta que temos de dar tem de ser enquadrada nesta nova realidade.”
Público, 21 de abril de 2020
“[Estamos a falar de] doze zeros [para o plano de recuperação]. As nossas calculadoras dos telemóveis não dão para introduzir esses números. Só calculadoras científicas conseguem lidar com doze zeros.”
Público, 21 de abril de 2020
“A emergência sanitária vai introduzir uma fatura pesada na economia da zona euro, como demonstram as previsões de primavera da Comissão Europeia. Não podemos evitar o vírus, mas podemos aliviar o seu efeito sobre os cidadãos e as empresas europeias.”
Twitter, 6 de maio de 2020
“Este é um salto na integração, com certeza. Dívida comum, um debate sobre impostos da União Europeia e uma grande quantidade de dinheiro comum para combater esta crise. (…) Infelizmente, é muito mais fácil fazer este tipo de progressos [na União Europeia] durante tempos de crise do que quando o sol está a brilhar.”
Sobre as medidas da resposta europeia à crise, CNBC, 29 de maio de 2020
“Se se comparar o tamanho disto [da resposta europeia] ao que era esperado nos anteriores instrumentos orçamentais para a competitividade e convergência na zona euro, é quase 75 vezes maior. [Este] é um momento muito importante para a Europa.”
Sobre as medidas da resposta europeia à crise, CNBC, 29 de maio de 2020
“A busca de uma vacina para este vírus, em termos medicinais, está a progredir à máxima velocidade, [mas] na política económica, não existe esse cenário, de ter uma espécie de vacina.”
5 de junho de 2020
(André Campos, da agência Lusa)