Foi no final da aula que deu esta tarde na chamada telescola que Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações aos jornalistas, deu uma espécie de segunda aula, desta vez sobre o tema que tem marcado a semana: as manifestações anti-racistas e os atos de vandalismo em estátuas que representam o passado do país. Numa intervenção estruturada e pensada sobre o tema, o Presidente da República sistematizou a questão da seguinte maneira: haver racismo em Portugal até há, em alguns setores, mas a forma de o combater não passa por julgar o passado com os olhos de hoje, muito menos passa por uma “radicalização gratuita e pouco inteligente” da sociedade portuguesa. Quanto ao ato de vandalizar estátuas, nomeadamente da estátua do Padre António Vieira em Lisboa, Marcelo não tem dúvidas: “é imbecil”.

“Julgar a historia de hoje para o passado é um risco enorme, depois virá o amanhã e haverá quem julgue de outra maneira”, começou por dizer o Presidente da República quando foi instado pelos jornalistas a comentar o caso da vandalização de estátuas e símbolos do colonialismo em Portugal, e no mundo. Isto porque o património que existe ligado à cultura e à história “tem de ser considerado na época em que se viveram” e “não se justifica vandalizar ou destruir” monumentos “que são testemunhos da personalidade da nossa história”. “Senão começávamos no D. Afonso Henriques, que perseguiu muçulmanos e acabávamos na Torre de Belém e nos Jerónimos. Ia tudo”, ironizou.

Para Marcelo, o que foi feito com a estátua do padre António Vieira em Lisboa “demonstrou ignorância e imbecilidade”. E explicou porquê: “É imbecil porque é difícil não se saber quem foi uma das grandes personalidades da história do país”. “O padre António Vieira foi um grande diplomata, lutou pela independência, foi progressista para aquela altura, foi perseguido pela Inquisição, foi o maior orador português da sua época, por isso, ser considerado um exemplo do que se quer demolir na nossa história é uma coisa verdadeiramente imbecil”, disse.

Não é destruir a história, é fazer história diferente

O ponto é: não olhar para o passado à luz do que se sabe hoje, mas sim à luz do que se sabia e do que se vivia à época. “Nunca gostei da ideia de queimar livros, ou de destruir obras de arte porque eram do tempo em que havia escravos, ou ditaduras. Se formos apreciar assim as obras de arte vamos destruir aquilo que é a expressão cultural da história da humanidade”, disse, afirmando que não é a passar tinta e borracha sobre o passado que se resolve os problemas de hoje e do futuro. “A maneira de lutar contra as discriminações é criar condições, hoje e para o futuro, que reduzam essas desigualdades”, disse.

Ou seja, “não é destruir a historia, é fazer história diferente. Porque o destruir a história é teoricamente um exercício muito fácil mas, na prática, não vai mudar as condições de vida dos que estão discriminados e isolados”, disse. Perante isto, isso significa que, ao contrário do que disseram por exemplo os líderes do PSD e CDS, há racismo em Portugal? “Há”, admitiu Marcelo, afirmando que “há setores racistas e xenófobos em Portugal”. “Não sei se Portugal é racista como um todo, não há estudos que o digam. Agora, que há setores racistas e xenófobos, há”, disse.

Naquilo que foi uma espécie de aula sobre revisionismo histórico, Marcelo terminou ainda a dizer que, a juntar-se a uma pandemia e a uma crise sem precedentes, Portugal não precisa de “radicalização gratuita”. “O povo português ganha alguma coisa com a radicalização gratuita e não inteligente?”, questionou o Presidente apelando ao consenso sobre a forma como se deve lidar com o assunto: “Vamos transformar o tema sério das desigualdades e descriminações num tema sobre gestos que de repente passam a ser o tema central da vida política portuguesa? Ainda por cima gestos demonstrativos de ignorância e imbecilidade. Acho que é perda de tempo”, resumiu.

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