A pandemia de Covid-19 agudizou casos de violência doméstica pré-existentes e à Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica chegaram nas últimas semanas o dobro dos pedidos de ajuda em comparação com o período de confinamento.
Em declarações à Lusa, a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, disse que o que recolheu das reuniões que manteve com as estruturas da rede nacional no período de emergência aponta para uma “agudização dos casos de violência que já pré-existiam” em 70% dos casos.
“Não eram situações novas espoletadas pela Covid e pelo confinamento, ao contrário do que por vezes se vê em alguma literatura sobre o assunto, mas situações em que já existia violência que se intensificou em situação de confinamento e de convivência permanente das vítimas com os agressores”, disse.
No período que abrange a pandemia de Covid-19 a rede nacional registou 15.919 atendimentos, fazendo agora, e desde a última quinzena de maio, uma média de 4.500 atendimentos, cada vez mais presenciais à medida que o desconfinamento avança, e que são quase o dobro dos 2.500 atendimentos em média nas quinzenas e abril, que já eram “um número muito significativo”, defendeu Rosa Monteiro.
Os pedidos de ajuda cresceram sobretudo nas vias telefónicas e digitais. A linha de apoio da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), o email e o número de SMS criado especificamente para o contexto da pandemia e que o Governo pretende manter receberam 727 contactos entre 19 de março e 15 de junho, um aumento de 180% face ao primeiro trimestre de 2019.
“Aqui há um aumento brutal relativamente ao ano passado durante a crise pandémica. Esta procura de informação e apoio que depois é canalizada para as estruturas da rede nacional tem sido muito significativa e irá continuar a ser”, disse a secretária de Estado.
Os dados relativos a acolhimento em casas abrigo indicam que 564 pessoas foram acolhidas, das quais 329 mulheres, 220 crianças e 15 homens. Mas também se registaram saídas destas estruturas de apoio, com 370 mulheres a concluírem o processo de autonomização nesta fase.
Rosa Monteiro disse que as 100 vagas extra criadas de forma preventiva no início do estado de emergência permitiram que as casas de abrigo não sofressem pressão ao nível da sua capacidade nem registassem situações de rutura, com uma média de 50 a 60 vagas ocupadas nas 100 vagas extra, que “vão manter-se até ser necessário”.
“Estamos a lidar com uma margem muito grande de incerteza, não sabemos o que é o pós-pandemia. No futuro teremos que avaliar, [as vagas] não foram criadas com intenção de permanecerem”, disse.
Certas são 120 novas vagas em 2022, segundo as previsões do Governo, em três casas residenciais para idosas vítimas de violência doméstica, 40 vagas em cada uma das casas a abrir, uma por grande região (Norte, Centro, Sul), um projeto no qual o Governo está ainda a trabalhar e noticiado na segunda-feira pelo jornal Público.
Além da área da Cidadania e Igualdade, participam no projeto as áreas governativas do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Coesão Territorial, sendo que será esta última que ficará responsável pelo financiamento da reconstrução e adaptação dos edifícios onde vão funcionar as três novas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), que serão depois geridas pela CIG.
“O projeto parte da necessidade de experimentarmos um modelo de acolhimento residencial casa-abrigo para mulheres idosas vítimas de violência doméstica, uma resposta especializada que até ao momento não existe no nosso país e que temos tido um número que não será a maioria, mas não podemos ignorar essa realidade”, disse Rosa Monteiro, acrescentando que “a especificidade dos cuidados que muitas destas mulheres idosas exigem e têm como necessários” baliza a preparação dos protocolos, trabalho que ainda está em curso.
Dos quase 16 mil atendimentos na rede nacional feitos durante o período da pandemia, 1.167 foram a pessoas com mais de 66 anos. A violência doméstica sobre idosos é ainda uma realidade muito escondida, muitas vezes porque as vítimas sentem que têm que proteger os agressores.
“Violências contra mulheres idosas é muitas vezes praticada por filhos, noras, genros, familiares. Toleram situações de violência, porque não querem imaginar uma situação em que os filhos possam ser presos, ter um processo-crime. Há aqui uma situação muito particular, para além de uma maior vulnerabilidade, um maior isolamento, por serem pessoas que têm níveis de rendimento muito inferiores, e o fosso nas pensões entre homens e mulheres é muito significativo, isto também tem peso, a questão da pauperização”, disse Rosa Monteiro.
Há ainda a crescente visibilidade que o problema tem ganho, referiu a secretária de Estado, que disse que são muitas vezes as equipas de técnicos da rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica que detetam casos em visitas conjuntas com programas autárquicos de entrega de medicamentos ou alimentos, por exemplo, ou de acompanhamento das forças de segurança.
“Esta resposta é importante. As mulheres não são todas iguais”, disse, referindo que a especialização incide em questões como o acompanhamento psicológico ou o acompanhamento legal que pode ser necessário num processo judicial que se venha a desencadear na sequência da queixa por violência doméstica.
Rosa Monteiro contou que uma das primeiras experiências com que se confrontou numa visita a uma casa abrigo foi precisamente com a de uma idosa acamada há um ano, numa situação de total dependência física que estava ali por não ter para onde ir e não haver alternativa viável àquela resposta de acolhimento. Também as questões de saúde precisam de uma resposta especializada, defendeu.
Outra resposta especializada e diferenciada que o Governo se encontra a concluir e que espera ter terminada até ao final do verão é a que vai garantir apoio e acompanhamento psicológico às crianças que presenciaram ou vivenciaram violência doméstica e que chegam às casas abrigo, quase sempre com as mães, também como vítimas.