Uma equipa internacional de investigadores anunciou esta quarta-feira “um surpreendente número de eventos registados pelo XENON1T”, que é o sistema mais sensível na deteção de matéria escura, mas que isso ainda não significa a sua descoberta.
Uma equipa internacional, integrada por cinco investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), “anunciou hoje à comunidade científica um surpreendente número de eventos registados pelo XENON1T, o sistema mais sensível de sempre na deteção de matéria escura”, afirma a Universidade de Coimbra (UC).
“A natureza destes eventos não está, porém, ainda totalmente deslindada, não se declarando por isso a descoberta da matéria escura”, sublinha a UC, numa nota enviada esta quarta-feira à agência Lusa.
“A sua assinatura é semelhante à produzida por quantidades residuais de trítio (um átomo de hidrogénio com dois neutrões e um protão no núcleo), mas pode ser também sinal de algo muito mais importante: a existência de um novo tipo de partícula denominado axião solar ou de propriedades até agora desconhecidas dos neutrinos”, adianta a UC.
O XENON1T esteve em operação entre 2016 e 2018 em Itália, no laboratório subterrâneo de Gran Sasso, debaixo de 1.300 metros de rocha.
Projetado para a “deteção extremamente rara de matéria escura”, este “sistema de altíssima sensibilidade mostrou já conseguir registar outros eventos de muito difícil deteção”.
Em 2019, foi publicada na Nature “a medida direta conseguida com este sistema, pela primeira vez na história, do decaimento nuclear mais raro no universo”, exemplifica a UC.
O sistema XENON1T usa como alvo duas toneladas de xénon ultra-purificado.
“Uma radiação ao passar pelo alvo pode gerar, em geral, sinais ínfimos de luz e carga. A esmagadora maioria destes sinais (mais de 99,9%) deve-se a radiações de origem conhecida, o que permite aos cientistas calcular com grande precisão o número de eventos esperado. E aqui observaram-se mais 22,8% eventos em relação ao previsto”, refere José Matias-Lopes, investigador do Laboratório de Instrumentação, Engenharia Biomédica e Física da Radiação (LIBPhys) da FCTUC e coordenador da equipa portuguesa no projeto.
Uma possível explicação “terá a ver com a presença de trítio, um isótopo radioativo do hidrogénio”, esclarece, citado pela UC, José Matias-Lopes.
“Alguns átomos de trítio em 10 biliões de biliões de átomos de xénon seriam o suficiente para justificar o excesso de eventos registados”, mas “não existe ainda forma de medir estas tão ínfimas concentrações e assim confirmar esta hipótese”.
Outra possibilidade, “muitíssimo mais interessante, é a existência de um novo tipo de partícula”, refere José Matias-Lopes, avançando que, “de facto, o excesso de eventos observados tem energias similares às que se esperam para os axiões produzidas no sol”.
Os axiões são partículas previstas teoricamente, tendo o sol condições para ser uma fonte intensa deles.
Embora os axiões não sejam matéria escura, “o seu avistamento seria o primeiro de uma nova classe de partículas cuja existência é solidamente apoiada pelos estudos teóricos”, afirma a UC, destacando que “esta descoberta teria um forte impacto no avanço do conhecimento, não só da astrofísica, mas também da própria física”.
Adicionalmente, “os axiões produzidos no início do universo podem também explicar a origem da matéria escura”, admite a UC.
A terceira e última explicação avançada para o excesso observado tem origem nos neutrinos, que “passam aos biliões pelo nosso corpo a cada segundo, sem deixar rasto”.
A confirmar-se esta hipótese, “o momento magnético (uma característica de todas as partículas) dos neutrinos teria de ser superior ao valor previsto pela teoria”, o que “obrigaria à necessidade de criar novos paradigmas e modelos físicos capazes de o explicar”, nota ainda a UC.
Das três explicações consideradas pelos cientistas da colaboração XENON, “a mais favorecida em termos estatísticos é a dos axiões solares, com uma probabilidade de cerca de 99,98% de que os sinais sejam desta origem”, revela José Matias-Lopes.
Mas, adverte o investigador, “mesmo com este elevado grau de probabilidade, não se pode declarar descoberta”.
As outras duas possibilidades, trítio ou neutrinos com maior momento magnético, têm também uma elevada probabilidade, cerca de 99,93% em ambos os casos, de estarem na origem do excesso observado.
O XENON1T vai ser substituído por um novo sistema de deteção ainda mais sensível, o XENONnT, que deverá entrar em funcionamento este verão.
Os cientistas preveem ter, dois ou três meses depois, a confirmação da origem deste sinal —”se se deve a um contaminante ou, então, a algo verdadeiramente revolucionário: uma nova partícula ou tipo de interação que vai para além daquilo que já se conhece”.
Aproximam-se, por isso, “tempos de grandes avanços e de descobertas que levam a largos passos em frente no conhecimento da Humanidade”, sustenta o consórcio XENON.
O XENON é constituído por 163 cientistas de 28 grupos de investigação dos EUA, Alemanha, Portugal, Suíça, França, Holanda, Suécia, Japão, Israel e Abu Dhabi. Portugal é parceiro desta colaboração desde o seu início, em 2005, através da equipa do LIBPhys da Universidade de Coimbra.