Antes de começar a viagem, um pouco de história. A N2, que ultimamente tem inspirado tanto escritores como políticos, foi classificada pelo Decreto Lei 34:593 de 11 de Maio de 1945 que definiu o Plano Rodoviário Nacional da época. Para a definição do traçado foram aproveitadas antigas vias medievais e romanas bem como boa parte da antiga Estrada Real, criando uma espécie de alameda longitudinal entre Chaves e Faro, ao longo de 738,5 quilómetros  — na altura considerava-se uma obra essencial para ligar o Norte ao Sul do país pelo interior.

No entanto, pela N2 nunca passou o tráfego intenso que lhe estava previsto, provavelmente por estar distante das principais cidades e, também, pela progressiva desertificação do interior. Acabou, então, por ver alguns dos seus troços desclassificados para estradas regionais. Voltada ao esquecimento durante boa parte da sua existência, voltou às luzes da ribalta nos últimos anos através de uma série de iniciativas que a visam promover enquanto produto turístico, ideal para as chamadas roadtrips de vários dias, um pouco à imagem da Route 66, nos Estados Unidos, a Ruta 40, na Argentina, ou a Great Ocean Road, na Austrália. São exemplo disso mesmo a criação da Associação de Municípios da Rota da N2, o passaporte criado pela mesma associação ou o festival de música com o seu nome, entre outros.

Tal não acontece por acaso. A N2 é, por exemplo, uma excelente aliada para descobrir o Centro de Portugal, já que o seu percurso original atravessa três regiões essenciais: Viseu-Dão-Lafões, Coimbra e Médio Tejo. Comecemos, por isso, a nossa viagem em Viseu, terra de Vasco Fernandes, o Grão Vasco, grande nome da pintura quinhentista em Portugal e cuja obra é possível apreciar no museu homónimo. Mas não só, Viseu é também berço do lendário guerreiro Viriato, cuja estátua está sobre a enorme fortaleza conhecida como Cava de Viriato. Apesar do nome, a estrutura imponente, em planta octogonal, não está relacionada com essa figura e a sua origem é ainda incerta: há quem a atribua aos romanos, há quem garanta que só podem ter sido os árabes.

Infografia: Teresa Dias Costa

Seguindo rumo a sul pela N2, que circula a cidade, tomamos a direção de Tondela para um primeiro desvio, rumo à Serra do Caramulo. E, aqui, vale a pena visitar o famoso Museu local para conhecer a história da vila e de Jerónimo Lacerda. É um museu também conhecido pela coleção de automóveis e motociclos, única a nível nacional. É possível, por exemplo, ver o Chrysler Imperial que depois de décadas ao serviço de Salazar foi, em 1961, usado na bem sucedida fuga da Prisão de Caxias por oito destacados militantes do PCP, razão pela qual ainda conserva hoje marcas de balas.

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De volta à N2, seguimos rumo ao Rio Mondego, com zonas sinuosas em que a estrada se vai unindo e desunindo com o IP3. Imediatamente antes da passagem por Penacova, em Entre Penedos, a atenção dos viajantes deve estar concentrada no geomonumento conhecido por Livraria do Mondego. Trata-se de uma imponente formação rochosa que o tempo esculpiu de forma a assemelhar-se a uma enorme estante livreira, daí o nome por que é conhecida. Aproveite ainda para visitar o Mosteiro do Lorvão, um dos mais antigos da Europa, ou, para quem gosta mais de mergulhos, descer o Rio Mondego, visitar uma das fabulosas praias fluviais e degustar os singulares doces conventuais, como as Nevadas de Penacova.

Seguindo por Vila Nova de Poiares – conhecida também pela famosa Chanfana -, sempre junto ao curso do rio Ceira, chegamos à belíssima vila de Góis, encaixada entre as serras da Cordilheira Central. É aqui que ficam algumas das mais bonitas praias fluviais do Centro, como a da Peneda, que tem vista privilegiada para a famosa ponte joanina, mandada edificar por D.João III, em 1533. Depois dos mergulhos para refrescar, a estrada dirige-se agora para Pedrógão Grande, não sem antes passar por um local que têm lugar cativo no ranking dos nomes mais curiosos do país: Picha e Venda da Gaita.

Não demoramos a chegar à Barragem do Cabril, na fronteira entre os distritos de Leiria e Castelo Branco. É uma das maiores barragens portuguesas e na respetiva albufeira, que retém as águas do Zêzere, é possível fazer uma série de atividades: como a pesca, a canoagem, ou nadar na piscina flutuante que ali é instalada durante a época balnear.

A N2 continua a correr para sul, atravessando a bonita aldeia de xisto de Pedrógão Pequeno, cheia de segredos para descobrir, com a ajuda de um mapa que pode ser descarregado neste link, antes de chegar à Sertã, 15 quilómetros mais a sul, vila com um belíssimo cartão de entrada, uma Ponte Romana que na verdade não o é: foi construída no início do século XVII, época de domínio Filipino. Também merece visita o Castelo local, cenário da lenda que justifica o nome da terra: durante um ataque romano, a mulher do chefe do castelo, Celinda, terá subido às ameias com uma sertage (frigideira quadrada) cheia de azeite a ferver, pois estava a fritar ovos, e despejado o seu conteúdo sobre os invasores. Aqui, deixe-se levar pelo Maranho, um prato típico da zona à base de arroz e cabrito.

Façamos nova paragem mais adiante para assinalar a chegada ao Centro Geodésico de Portugal. O Picoto da Melriça, em Vila de Rei, a 592 metros de altitude, é reconhecido como tal desde o século XVIII, com um marco e um miradouro a assinalar o “umbigo” da nação. É aqui que deve adoçar a boca com o mel, tão doce nesta zona do país. Atenção, no entanto: o centro geodésico não é o centro geográfico, mas sim a coordenada zero da cartografia nacional. Segundo cálculos matemáticos, o centro geográfico está uma dezena de quilómetros a Este, entre Amêndoa e Arganil. Aproveite ainda para passar uma tarde caminhando nos Passadiços do Penedo Furado, com vistas encantadoras que o levam a um mergulho na praia de Penedo Furado, local rodeado pela Natureza. A seguir a Vila de Rei, conduza até o Sardoal e aproveite para conhecer o Moinho de Entrevinhas e passe uma tarde calma e tranquila na Zona de Lazer da Lapa, um local que convida a mergulhos nas suas águas límpidas no verão.

Esta roadtrip está quase no fim, restam duas últimas paragens na chamada região do Médio Tejo. Primeiro, em Abrantes, para um passeio na zona ribeirinha, a chamada Aquapólis, onde uma barragem insuflável construída com tecnologia japonesa criou aquele que é o maior espelho de água urbano em Portugal. Este é um local onde deve parar também para provar a doçaria deliciosa, como a Palha de Abrantes. A viagem termina com um desvio 20 quilómetros a Oeste, para conhecer o Castelo de Almourol, no concelho de Vila Nova da Barquinha, edificado numa pequena ilha do Tejo, e que é um dos mais emblemáticos do país. Termine este itinerário com um excecional peixe do rio, acompanhado pelos melhores legumes.

O nosso roteiro fica por aqui mas a N2 continua para Sul, atravessando o Ribatejo, o Alentejo e o Algarve até chegar a Faro, onde termina. Ou começa, depende da perspectiva.

Saiba mais sobre este projeto
em https://observador.pt/seccao/centro-de-portugal/