O Governo português prevê que os instrumentos aprovados pelo Eurogrupo em abril vão ser suficientes para fazer face à crise provocada pela pandemia até ao final de 2020, enquanto não for desbloqueado o Fundo de Recuperação da União Europeia.

Em entrevista à Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, diz esperar que um acordo sobre o Fundo de Recuperação seja possível “no princípio da presidência alemã” do Conselho Europeu (de 01 de julho a 31 de dezembro), permitindo que o fundo esteja “em pleno com o novo Quadro Financeiro Plurianual logo a partir de janeiro” de 2021.

Por isso é que a Comissão [Europeia] propõe, e bem, que os Estados-membros, quando apresentarem as propostas de orçamento em outubro, apresentem já os seus planos de recuperação” a financiar com verbas do fundo.

Até 31 de dezembro de 2020, o Governo conta com os instrumentos aprovados pelo Eurogrupo, “de aplicação imediata”: o programa SURE para financiamento das questões do emprego e formação, o Mecanismo Europeu de Estabilidade para financiamento adicional de Estados que necessitem e duplicação das linhas de crédito do Banco Europeu de Investimento (BEI) para as empresas”.

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Questionado sobre se estes instrumentos são suficientes para fazer face à diminuição de receitas e aumento de despesas provocados pela pandemia em Portugal, Santos Silva admite que sim, desde que seja aprovado o orçamento suplementar.

“A nossa previsão é que sim, se a Assembleia da República aprovar o orçamento suplementar, como aliás foi aprovado na generalidade”, na quarta-feira.

Porque no Orçamento suplementar o que pedimos é que aumente o teto, o limite, de endividamento do Estado […] que nos permite ir buscar mais aos mercados, mais o valor que estimamos receber sobretudo do programa SURE”, explica.

Os ministros das Finanças da UE acordaram em abril um pacote de emergência num montante global de 500 mil milhões de euros, adotado dias mais tarde pelo Conselho Europeu.

Esse pacote de emergência é constituído por três “redes de segurança”: uma linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade, através da quais os Estados-membros podem requerer até 2% do respetivo PIB para despesas direta ou indiretamente relacionadas com cuidados de saúde, tratamentos e prevenção da covid-19, um fundo de garantia pan-europeu do Banco Europeu de Investimento para empresas em dificuldades, e o programa «Sure» para salvaguardar postos de trabalho através de esquemas de desemprego temporário.

Já no final de maio, a Comissão Europeia apresentou a proposta de um Fundo de Recuperação da economia europeia no pós-pandemia, no montante global de 750 mil milhões de euros, e de um Quadro Financeiro Plurianual revisto para 2021-2027, no valor de 1,1 biliões de euros.

Daquele fundo, que a proposta prevê canalizar dois terços por subvenções e um terço por empréstimos, poderão caber a Portugal aproximadamente 26 mil milhões de euros, 15,5 mil milhões dos quais em subvenções e os restantes 10,8 milhões sob a forma de empréstimos (voluntários) em condições muito favoráveis.

Os líderes dos 27, reunidos em Cimeira na sexta-feira, não chegaram a acordo sobre estas propostas, manifestando contudo na generalidade a vontade de o alcançar em julho.

O que ainda separa os 27, segundo o ministro, “é basicamente a questão de saber qual é o equilíbrio entre subvenções e empréstimos no conjunto dos recursos, saber qual é a chave de repartição dos recursos pelos diferentes países e em que condições é que os diferentes países devem aceder aos recursos”.

Modelo social é “a melhor arma” dos europeus para a transição

O modelo social europeu “é a melhor arma” dos cidadãos europeus, uma transição económica, ambiental e energética “bem-sucedida” e geradora de valor, defende o ministro.

Na entrevista, o ministro fala também da Cimeira UE-África, prevista para a presidência alemã, mas dependente ainda de “desenvolvimentos importantes” que estão atrasados devido às limitações impostas pela pandemia, e da Cimeira UE-Índia, em que Portugal espera contribuir para desbloquear as negociações para um acordo económico, bloqueadas desde 2013.

Com o pilar social entre as prioridades da presidência portuguesa da União Europeia (UE), e uma Cimeira Social prevista para o Porto, Augusto Santos Silva frisa que o modelo social europeu é “o motor da economia, do emprego e da distribuição de rendimentos”.

“É muito importante que os europeus compreendam que o seu modelo social é a melhor arma […] que possuem para assegurar uma transição bem-sucedida em matéria de transformação digital da economia, do pacto verde, de transição energética”, afirma.

Para Santos Silva, é essa Europa das “questões sociais, da coesão social, da luta contra as desigualdades, da igualdade de oportunidades, dos indicadores de bem estar, da qualidade dos sistemas de segurança” que “permite que as pessoas olhem para a digitalização da economia, não como uma ameaça ao seu emprego ou os seus rendimentos, mas como uma transformação muito importante que pode gerar ainda mais valor”, sublinha.

Para o semestre em que exerce a presidência do Conselho Europeu, de janeiro a junho de 2021, o Governo português tem planeada para 07 e 08 de maio, no Porto, uma Cimeira Social e um Conselho Europeu informal que visa lançar a concretização do Pilar dos Direitos Sociais proclamado na última cimeira social, em novembro de 2017 em Gotemburgo (Suécia).

“Espera-se que o conselho informal seja uma ocasião para validar esforços de concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais”, afirma.

Estamos a falar de encontrar formas de apoio europeu aos Estados-membros em matéria de subsídios de desemprego, a Comissão Europeia está a trabalhar no chamado mecanismo de resseguro europeu do subsídio de emprego, num certo sentido o programa SURE já antecipou, porque já construiu um esquema de apoio aos Estados membros no subsídio de desemprego, nas despesas em que incorrem com o subsídio de emprego ou despesas associadas por exemplo com o ‘lay-off’”, explica.

Em agenda, também, vai estar a “declinação dos direitos sociais por gerações”, “a garantia jovem”, que já existe, “a garantia criança”, em que a Comissão está a trabalhar e o “Livro Verde sobre o envelhecimento” da UE.

Há depois uma terceira dimensão “relativa às questões de género, igualdade salarial entre homens e mulheres, conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e a importância do teletrabalho”, entre outros.

Finalmente, as questões de rendimentos: “Nós discutimos muito na Europa hoje, e discutiremos cada vez mais, questões como o salário mínimo, se deve haver ou não compromissos europeus em matéria de salário mínimo, se deve haver ou não um compromisso europeu em matéria de rendimentos mínimos, etc”, afirma.

“Portanto há todo um conjunto de dimensões sociais que estão bem proclamadas no chamado Pilar Europeu dos Direitos Sociais e, portanto, que importa concretizar. E o que queremos é que a cimeira social da nossa presidência seja o ponto da situação do que já está concretizado e o lançamento do que falta”, diz.

Quanto à Cimeira UE-África, prevista para a presidência alemã, para outubro, Santos Silva admite que faltam “desenvolvimentos importantes” que estão atrasados devido às limitações impostas pela pandemia.

Trata-se, explica, da “conclusão da negociação do acordo de cooperação pela União Europeia os países da África Caraíbas e Pacífico” (ACP), da “definição de uma estratégia conjunta de cooperação de parceria Europa África” e da expetativa de que “possa haver ainda uma reunião entre ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia e da União Africana”, que esteve prevista para Kigali, em maio, mas foi adiada.

“Agora, nós preparamos a nossa presidência partindo do princípio de que tudo isto se realiza e, portanto, teremos a responsabilidade muito importante de começar a implementação da estratégia. Mas estamos preparados para qualquer cenário”, declara.

Além de metas como a aprovação da estratégia conjunta UE-UA, para que entre em vigor na presidência portuguesa, a implementação do acordo UE-ACP e a aplicação do novo Instrumento de Vizinhança Desenvolvimento e Cooperação Internacional, que financiará a Ação Externa da UE, Portugal “tem alguma esperança” de que “se possam iniciar as primeiras conversas entre europeus e africanos sobre o que, se tudo correr bem, daqui a uns anos será um acordo comercial entre os dois continentes”.

“Porque, neste momento, África já está a construir zona de comércio livre à escala continental, e portanto nós vamos passar a poder pôr em cima da mesa um acordo entre um bloco comercial que vale 450 milhões de pessoas e um continente que hoje valerá 1200 ou 400 milhões pessoas”, explica.

Já quanto à Cimeira UE-Índia, segundo o ministro, “a ambição” de Portugal é “tentar desbloquear negociações que estão muito cristalizadas estão muito pouco dinâmicas desde 2013”, quando ficaram bloqueadas “as negociações para um acordo económico, seja de comércio, seja de investimento, seja misto”.

Para isso, Portugal conta com “o tipo de relacionamento que tem com a Índia” e “o tipo de facilidade de contacto que Portugal, país europeu, tem com todos os países não europeus”, como “um elemento positivo para esse desbloqueamento”.

Trata-se, afirma, de “uma questão de equilíbrio na relação geoestratégica da Europa”, em que importa juntar a Índia ao conjunto de encontros de alto nível que a UE realiza com outros “grandes atores”, tal como a América Latina, com a qual a presidência portuguesa quer “relançar a dinâmica”.