Na passada segunda-feira, António Costa foi recebido pelo primeiro-ministro holandês, em Haia. Um encontro que decorreu dentro do que é a nova normalidade — salamaleques às distância, fotografias de ocasião e uma ligeira tensão no ar, já que os países no norte da Europa (Países Baixos incluídos) continuam pouco inclinados para ajudar os parentes do sul.

Na indumentária do primeiro-ministro português, saltou à vista o calçado, uma visão bem distante dos habituais sapatos de pele clássicos que um chefe do governo deverá, por norma, envergar numa ocasião do género. Mas António Costa surgiu de sapatilhas com sola de cortiça, indício claro de que se trata de produção portuguesa, acomodado por uma malha leve, elástica e transpirável.

Numa combinação absolutamente inusitada para o contexto e em contraste com a escolha do seus homólogos holandês, Mark Rutte, e húngaro, Viktor Orbán (a visita do dia seguinte), das duas uma: ou o primeiro-ministro precisava de descansar os pés ou a vontade de promover o produto nacional falou mais alto do que o brio na hora de cumprir o dress code.

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António Costa com o primeiro-ministro holandês em Haia, na última segunda-feira © BART MAAT/ANP/AFP via Getty Images

Para a marca dos sapatos, a aparição da última segunda-feira, nos pés do primeiro-ministro, foi uma meia surpresa. “Sabíamos que tinha, mas há outras pessoas com cargos políticos que têm As Portuguesas, até o nosso Presidente da República. A surpresa foi tê-las usado em público e numa viagem importante como esta. Isso deixou-nos muito agradecidos e muito contentes”, afirma Pedro Abrantes, sócio e fundador d’As Portuguesas.

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Pedro Abrantes garante que os sapatos resultam de uma compra do primeiro-ministro, não tendo havido qualquer oferta da marca a chefe do Governo Português. O Observador sabe que a escolha de António Costa foi motivada por uma questão de saúde, mais precisamente por uma inflamação cutânea no pé direito. O desconforto causado pela maleita exige calçado largo e arejado, requisitos que As Portuguesas preencheram na perfeição.

As Portuguesas. Um projeto sustentável

As Portuguesas, a marca dos sapatos usados por António Costa em Haia e, entretanto, no encontro com o primeiro-ministro da Hungria e na passagem pelo Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, já esta quarta-feira, existem desde 2014. Nasceram precisamente da matéria-prima que lhes dá forma à sola, a cortiça. O que começou por ser uma coleção de chinelos (de enfiar no dedo) evoluiu para outros modelos de calçado.

“As Portuguesas são ideais para estar em situações divertidas sem perder a classe”, lê-se na página de Facebook da marca. A ideia terá chamado a atenção do primeiro-ministro que, dentro das opções em catálogo, conseguiu ser bastante sóbrio na sua escolha. Disponível em oito cores, entre elas o preto, o modelo Care está à venda online por 79,90 euros. Sem atacadores, o que simplifica a tarefa de calçar, são estas as sapatilhas que andam a facilitar a vida a António Costa.

Care d’As Portuguesas, os sapatos usados por António Costa

A cortiça surge n’As Portuguesas como um símbolo de conforto e versatilidade, além de um recurso 100% sustentável que coloca a ecologia no topo da lista de premissas desta marca nacional. Give a Hand to the Planet e Say No to Plastic são algumas das linhas comercializadas. Recentemente, a marca lançou uma colaboração com o surfista norte-americano Garrett McNamara — por cada par de chinelos vendido, um euro reverte para aulas de surf a crianças desfavorecidas.

Uma marca presente em mais de 55 países, incluído os Países Baixos

“O produto que fazemos não existia”, declara ao Observador Pedro Abrantes, empresário de 35 anos que, há seis, criou a marca do zero. Foi ele quem patenteou a primeira sola feita inteiramente de cortiça, da face que pisa o solo à que está em contacto com a planta do pé. No desenvolvimento do produto contou com a ajuda da Corticeira Amorim, empresa que, ao fim de um ano, lhe propôs sociedade. Atualmente, As Portuguesas contam com um terceiro sócio — o grupo Kyaia, detentor da marca Fly London.

Presente em mais de 55 mercados, a marca exporta mais de 90% da produção. No topo da lista estão os Estados Unidos e o Canadá, logo a seguir vêm a Alemanha, a China e os países escandinavos. Entre os sapatos, Costa usou um bestseller. Provavelmente, alguns holandeses poderão reconhecer o modelo, já que, nos Países Baixos, há muitos bons clientes da marca portuguesa.

Por cá, embora o volume de vendas seja residual, estes produtos estão presentes em mais de 240 pontos de venda. “Em Portugal, o cliente é sobretudo o turista, mas começamos já a notar um entusiasmo em torno da marca. A ideia é transformar este produto num ícone nacional, como as Havaianas no Brasil”.

António Costa, esta quarta-feira, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa © Paulo Vaz Henriques/Instagram

A estagnação do turismo, o cancelamento e a suspensão de encomendas e o confinamento estão a ter um impacto expressivo no negócio. “Vivemos uma crise muito grande no setor e o impacto foi imediato. Há lojas que fecharam e que já não vão abrir”, lamenta Pedro.