A cerca de duas semanas de entregar no Parlamento a proposta de Orçamento do Estado para 2021 e em Bruxelas o esboço do plano de recuperação e resiliência, o Governo vai anunciando, a conta-gotas, algumas das medidas que vão figurar nos documentos. E aproveitou a Cimeira do Turismo para lançar quatro. Uma das mais aguardadas pelas associações patronais — sobretudo dos setores mais afetados, como o turismo ou a restauração — tem a ver com o sucedâneo do layoff simplificado.
As empresas com maiores quebras de atividade vão poder suspender por um determinado período de tempo os contratos de trabalho e não apenas reduzir, como prevê atualmente o apoio à retoma progressiva. É que o Executivo reconhece que a retoma não foi tão intensa quanto se previa e há setores que mantêm quebras “muito significativas” onde a procura é tão baixa que não se justifica reduzir horários.
Para estimular o consumo, o Governo está ainda a desenhar uma forma de os clientes do turismo, restauração, transportes e cultura recuperarem, em compras futuras, parte do IVA que pagaram em aquisições nestes setores. E na restauração, no alojamento, nos transportes e na cultura, vai comparticipar os descontos feitos aos clientes. Haverá ainda uma nova linha de apoio ao setor dos espetáculos e organização de eventos.
Governo muda sucedâneo do layoff: volta a ser possível suspender contratos em empresas mais afetadas
O Governo vai rever o regime de apoio à retoma progressiva, o sucedâneo do layoff simplificado, passando a permitir a suspensão dos contratos de trabalho (e não apenas a redução do horário, como o regime previa até aqui) nas empresas mais afetadas pela pandemia.
O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, explicou esta segunda-feira que, quando a medida foi inicialmente formulada, o Governo contava com uma retoma “mais intensa durante o verão, de procura dirigida ao turismo”. “Temos de reconhecer que isso não sucedeu”, frisou. Por isso, anunciou que o Executivo vai rever o regime do apoio à retoma progressiva.
“O regime baseava-se na ideia de que os trabalhadores teriam alguma ocupação necessária em função de uma procura mais diminuta”, afirmou. Só que “há setores e empresas com quedas muito significativas, onde a procura que justifique sequer a ocupação parcial não existe”. O regime será flexibilizado “para que as empresas com perdas mais significativas possam ter redução total da sua capacidade de trabalho”, explicou. Pedro Siza Vieira não precisou qual a quebra de faturação necessária para aderir ao apoio.
Além disso, as empresas do setor do turismo vão poder continuar a estar isentas do pagamento da taxa social única (TSU) além de setembro. As regras atualmente em vigor estipulam um regime de isenção consoante a dimensão da empresa, mas só sobre o salário pago aos trabalhadores pelas horas não trabalhadas. Em agosto e setembro, as micro, pequenas e médias empresas estão isentas na parte do empregador, enquanto que as grandes empresas têm um desconto de 50%. Em outubro, novembro e dezembro apenas as micro, pequenas e médias empresas ficam dispensadas de pagar 50% da TSU.
Pedro Siza Vieira disse ainda que o “Governo tem consciência” de que o regime de apoio à retoma progressiva atualmente em vigor, previsto até final do ano, terá “muito provavelmente de ser prorrogado durante o próximo ano”. “É isso que o Governo se prepara para fazer.”
O apoio à retoma progressiva veio substituir o layoff simplificado — que, por sua vez, se mantém para as empresas obrigadas por lei a estarem fechadas ou para as que não atingiram o limite de renovações. O regime atualmente em vigor prevê que as empresas com quebras de faturação entre 40% e 60% possam, entre agosto e setembro, reduzir o horário de um trabalhador até ao máximo de 50% e a, partir de outubro, até ao máximo de 40%.
Se tiverem quebras de faturação iguais ou superiores a 60% podem reduzir o horário do trabalhador em 70% e, a partir de outubro, em 60%. Os encargos da entidade patronal sobem face ao layoff simplificado: as empresas pagam a 100% o número de horas que o funcionário trabalha e o Estado continua a comparticipar o número de horas não trabalhadas. Já as empresas mais afetadas, com quebras acima dos 75%, têm ainda direito a um apoio extra, em que a Segurança Social comparticipa em 35% o período relativo às horas trabalhadas.
Clientes vão poder recuperar parte do IVA nas compras em quatro setores
Os clientes do turismo, restauração, transportes e cultura vão poder recuperar parte do IVA que pagaram em compras nestes setores em aquisições futuras.
Primeiro, foi António Costa a anunciar a medida. Horas depois, Pedro Siza Vieira deu mais detalhes. Se o primeiro-ministro tinha falado apenas nos setores do turismo e da restauração, o ministro da Economia acrescentou que a medida vai estender-se aos transportes e à cultura.
Clientes do turismo e restauração vão recuperar parte do IVA em novas compras nestes setores
“Na proposta de lei do Orçamento do Estado para o próximo ano o Governo proporá uma fórmula de recuperação do IVA suportado pelos consumidores no setor do turismo, da restauração, da cultura, dos transportes, de forma a poder induzir procura que não exista, ou não existisse de outra forma”, disse Pedro Siza Vieira.
O ministro não revelou como será feita a devolução do IVA — se será, por exemplo, através de um voucher ou de descontos (como no Reino Unido, em que o Governo ofereceu 50% de descontos em refeições em cafés e restaurantes).
Restauração, alojamento, transportes e cultura: Governo vai comparticipar os descontos feitos aos clientes
A medida foi anunciada pelo ministro da Economia e vigora a partir de 5 de outubro. Trata-se de um “esquema de acordo” com os setores do alojamento, da restauração, animação turística, cultura e dos transportes que permitirá que os operadores económicos que oferecem descontos aos clientes – “em montantes que sejam tabelados” – possam beneficiar de “uma comparticipação pública do valor desse desconto”.
A medida “permitirá aos nossos concidadãos aceder de forma mais intensa a tudo aquilo que o setor tem para oferecer, com uma comparticipação pública, que permita reduzir o custo para o cidadão é uma forma de estimular a procura interna que precisamos de desenvolver”, salientou o ministro da tutela.
Governo cria apoio à organização de eventos e espetáculos
Pedro Siza Vieira anunciou ainda que será lançada uma linha de apoio ao setor da organização de eventos e espetáculos — que vai complementar a receita perdida devido à regra de lotação máxima de capacidade.
“Neste momento, a organização de um evento de espetáculo é algo que vê inibido o seu potencial de receita pela simples circunstância de as regras sanitárias nos impedirem de ter a lotação de uma sala ocupada”, começou por dizer Pedro Siza Vieira, ao anunciar a medida.
“Os custos de um evento podem não ser integralmente recuperados pela receita”, pelo que o programa vai permitir que “os produtores de eventos vejam complementada a receita que foram capazes de angariar nos eventos que promovem” para permitir “compor a receita” e “equilibrar as contas do eventos”.
Estas medidas “de dinamização da procura são importantes para os próximos meses, que serão de recuo da procura externa e de inibição do consumidor”.
“Sabemos que estes vão ser tempos difíceis, em que muitos empresários vão ter de fazer escolhas complexas, manter o potencial produtivo, preservar o mais possível o emprego, sermos capazes de aguentar estes meses até à próxima época ou não”, concluiu o ministro.