A Comissão de Orçamento e Finanças aprovou esta quarta-feira a fixação de um “período de nojo” de três anos entre o exercício de funções na banca comercial e cargos no Banco de Portugal e chumbou a que abrangia cargos políticos.

O PAN, partido que em maio desencadeou a revisão da legislação sobre a nomeação do governador e dos restantes administradores do Banco de Portugal, propunha um “período de nojo” de cinco anos para quem tenha desempenhado funções na banca comercial, em auditoras ou consultoras que tenham trabalhado com o banco central, mas também no Governo (como primeiro-ministro ou na área das Finanças).

Em votação esta quarta-feira na especialidade, foi aprovado um “período de nojo” para quem venha do setor privado e de três anos, uma proposta feita pelos socialista. É uma alteração substancial face ao diploma proposto pelo PAN, e que ficou conhecido como a lei Centeno, porque teria como consequência se tivesse sido logo aprovada impedir a ida do ministro das Finanças para o cargo de governador do Banco de Portugal. Com esta formulação fica aberto o caminho para a nomeação de mais ex-governantes para cargos no supervisor bancário.

A proposta do PS estabelece que “não podem ser designados como governador ou membro do Conselho de Administração [do Banco de Portugal] pessoas que nos três anos anteriores à designação tenham integrado os corpos sociais, desempenhado quaisquer atividades ou prestado serviços, remunerados ou não, ou detido participações sociais iguais ou superiores a 2% do capital social, em entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou em cuja supervisão o Banco de Portugal participe no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, bem como em empresas ou grupos de empresas que controlem ou sejam controlados por tais entidades, no referido período ou no momento da designação”. Esta legislação ainda tem de ser aprovada na generalidade, devendo entrar em vigor em 1 de janeiro de 2021.

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O PAN também viu rejeitada a sua proposta de “período de nojo” de cinco anos para quem teve funções na banca comercial e em auditoras ou consultoras, uma vez que as propostas que vingaram foram as socialistas, de um período de três anos.

Foi ainda aprovada a proposta do PS para que haja uma representação mínima de 40% de homens ou mulheres na designação dos membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal.

Após a audição dos nomeados para a administração do Banco de Portugal, o parlamento tem de fazer um “parecer fundamentado” (como indica a proposta socialista aprovada), mas este não é vinculativo. Esta legislação tem de ser aprovada na generalidade para entrar em vigor em 01 de janeiro de 2021. O Conselho de Administração do BdP é composto pelo governador, que preside, por um ou dois vice-governadores e por três a cinco administradores. Atualmente, a equipa está reduzida ao mínimo, uma vez que conta com Mário Centeno como governador, Máximo dos Santos como vice-governador (não foi nomeado outro vice-governador após a saída de Elisa Ferreira para comissária europeia) e três administradores (Hélder Rosalino, Luís Laginha de Sousa e Ana Paula Serra).

No mínimo, terá de ser nomeado um administrador uma vez que o mandato de Hélder Rosalino terminou já em setembro de 2019 (Rosalino pode ser substituído ou reconduzido, sendo que se mantém no cargo até haver nomeação). No limite – cumprindo o número máximo de membros da administração do BdP prevista na lei – poderão ser nomeados quatro membros para o Conselho de Administração (um vice-governador e três administradores).

Em 17 de junho, o primeiro-ministro, António Costa, comunicou ao parlamento a proposta do Governo de nomear Mário Centeno (ministro das Finanças de governos PS entre novembro de 2015 e junho de 2020) para o cargo de governador, tendo entrado em funções em 20 de julho.

Quanto à ligação entre o banco central e o setor privado, as designadas “portas giratórias”, já foram por diversas vezes tema de polémica no debate público.

Em 2014, Carlos Albuquerque saiu do BCP para o departamento de supervisão do BdP (não para administrador). Já em 2017, foi para administrador da Caixa Geral de Depósitos, seis meses depois de sair do supervisor bancário. Também em 2014, António Varela — que tinha sido administrador não executivo do Banif indicado pelo Estado – assumiu o cargo de administrador do Banco de Portugal (onde ficou até 2016).

Esquerda e direita discordam sobre incompatibilidade entre cargos políticos e Banco de Portugal

Duarte Alves, do PCP afirmou que para o partido não há “qualquer incompatibilidade entre o exercício de cargos políticos e o exercício de funções no Banco de Portugal”, considerando que o “grande problema é a captura dos supervisores pelos setores supervisionados” e defendeu que devia ter sido aprovado nesse caso o “período de nojo” de cinco anos. O deputado comunista disse que a discordância manifestada pelo PCP sobre a ida para governador de Mário Centeno (ministro das Finanças de governos PS entre novembro de 2015 e junho de 2020) não se devia a isso, mas por o economista não garantir que “o BdP deixe de ser uma sucursal do Banco Central Europeu”. Duarte Alves criticou ainda que esta legislação só entre em vigor em 01 de janeiro, pois dá tempo para serem feitas nomeações para BdP sem ser ao abrigo das novas regras.

Pelo BE, Mariana Mortágua afirmou que “há quem tente fazer equivaler incompatibilidade do regulador perante o sistema financeiro e perante o poder político”, numa visão que entrega o poder nas instituições públicas a “técnicos supostamente isentos quando, na verdade, estão comprometidos com interesses do sistema financeiro ou com o pensamento que domina”.
“Tanto supervisores como decisores públicos defendem o interesse público”, afirmou, considerando que o problema é supervisão e regulação estarem dominadas pelo sistema financeiro e não “estarem dominadas por ideias politicas legítimas”. A bloquista criticou que não passe a haver um parecer vinculativo do parlamento aos nomeados para a administração do BdP. A proposta socialista aprovada implica esse parecer, mas não vinculativo.

Duarte Pacheco, do PSD, considerou “positivo” este processo legislativo ao reforçar a transparência na nomeação para o BdP e o prazo de inibição de três anos para quem esteve no setor privado (os sociais-democratas tinham proposto dois anos).
Contudo, considerou excessivo que a inibição se aplique a todos os que venham de órgãos sociais da banca comercial: “Estar na mesa de uma assembleia geral não significa qualquer comprometimento com as decisões do banco”, disse. Defendeu ainda que o parlamento deveria ter criado um regime de incompatibilidades “mais profundo e mais sério” com “período de nojo” para detentores de cargos políticos. “O facto de os detentores de cargos políticos ficarem de fora desta inibição é claramente um defeito desta lei. Significa que os dirigentes políticos continuam a criar uma situação diferente, auto defendendo-se para poderem passar para a administração do Banco de Portugal”, afirmou.

Pelo CDS-PP, Cecília Meireles considerou que não havia qualquer necessidade de se ter atrasado a votação desta legislação desde maio/junho e quando já não tem efeito prático na nomeação do governador – Centeno foi proposto pelo Governo em junho e tomou posse em julho – e reiterou a posição de que o regime de incompatibilidades devia incluir cargos políticos.
“Mário Centeno vai ter um mandato marcado por incompatibilidades, vai ser visível no Novo Banco”, disse, referindo-se a Centeno ter como ministro aprovado operações que estão a ser escrutinadas (venda do Novo Banco à Lone Star ou injeções de capital pelo Fundo de Resolução).