A Comissão Europeia manifestou esta quarta-feira “sérias preocupações” com a pressão e ataques aos tribunais e à imprensa pelos governos da Hungria e Polónia, dois países da União Europeia (UE) com procedimentos abertos por violação do Estado de direito.
Em causa está o primeiro relatório anual sobre a situação do Estado de direito em UE, divulgado esta quarta-feira, no qual o executivo comunitário realça que, relativamente a alguns Estados-membros, “existem sérias preocupações” no cumprimento destes valores europeus, principalmente na Hungria e Polónia.
Uma dessas preocupações reside no “impacto das reformas na independência judicial”, nomeadamente no que toca à Hungria, com Bruxelas a realçar que “o Conselho Judicial Nacional independente enfrenta desafios no contrapeso dos poderes do presidente do Gabinete Nacional da Magistratura responsável pela gestão dos tribunais” e a questionar as novas regras de “nomeação para o Supremo Tribunal de membros do Tribunal Constitucional”. No que toca à Polónia, o executivo comunitário assinala que “as reformas da justiça desde 2015 têm sido uma enorme fonte de controvérsia, tanto a nível interno como a nível da UE, e têm suscitado sérias preocupações, várias das quais persistem”. Acresce que tais medidas “aumentaram a influência política sobre o sistema judicial”, indica o relatório.
A corrupção nestes dois países também preocupa Bruxelas, que afirma no documento que, embora haja julgamentos a este propósito na Hungria, “estes continuam a ser muito limitados”, existindo assim “uma falta consistente de ação determinada para iniciar investigações criminais e processar casos envolvendo funcionários de alto nível ou o seu círculo imediato quando surgem acusações graves”. Relativamente à Polónia, “o duplo papel em que o Ministro da Justiça é também o Procurador-Geral da República suscita preocupações especiais, uma vez que aumenta a vulnerabilidade à influência política no que diz respeito à organização do Ministério Público e à investigação de casos”, critica Bruxelas.
O comportamento de Budapeste e de Varsóvia relativamente aos meios de comunicação também é criticado, destacando o relatório “algumas preocupações relativamente ao risco de politização” das autoridades nacionais de media. Além disso, na Hungria, a “ausência de legislação e transparência na distribuição da publicidade estatal […] abriu a porta para o governo exercer influência política indireta sobre os meios de comunicação social”, o que se tornou mais evidente com a fusão de mais de 470 meios de comunicação social favoráveis ao governo através do conglomerado KESMA. A Comissão Europeia conclui, por isso, que “os jornalistas e outros atores dos meios de comunicação social enfrentam cada vez mais ameaças e ataques”, não só na Hungria, como também na Bulgária, Croácia, Eslovénia e Espanha.
No que toca às organizações da sociedade civil, é assinalada no relatório a controversa lei húngara sobre o financiamento destas entidades, que “é incompatível com a livre circulação de capitais, bem como com o direito à liberdade de associação e os direitos à proteção da vida privada e dos dados pessoais”.
Já na Polónia, a Comissão Europeia critica no relatório as recentes “ações do governo dirigidas aos grupos LGBTI+ [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgénero e Intersexo], incluindo a detenção de alguns dos representantes dos grupos, e as campanhas de difamação conduzidas contra esses grupos”.
A Comissão Europeia ativou, em 2017 contra a Polónia e em 2018 contra a Hungria, o procedimento conhecido como o artigo 7.º do Tratado de Lisboa, que contempla sanções aos Estados-membros se houver um risco claro de violação grave dos valores em que se baseia a UE. Este primeiro relatório anual sobre o Estado de direito na UE estava previsto ser lançado em setembro, mas devido ao Conselho Europeu desta semana, fontes comunitárias indicaram à Lusa que o documento iria ser publicado só na segunda-feira. Entretanto, a divulgação foi apressada para hoje depois de o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, ter exigido a demissão da vice-presidente da Comissão Europeia Vera Jourová, após esta ter, numa entrevista, considerado a Hungria como uma “democracia doente”.