O ex-ministro do PSD Miguel Poiares Maduro e o ex-eurodeputado e fundador do Livre Rui Tavares subscreveram na segunda-feira uma carta aberta, divulgada pela Euronews, onde criticam o processo de nomeação dos procuradores europeus representantes de cada Estado-membro. Na carta, enviada ao Parlamento Europeu, os 16 subscritores (todos académicos) pedem ao Parlamento Europeu que mova uma ação no Tribunal de Justiça europeu para que o processo seja anulado. O ministério da Justiça já respondeu: diz que nome escolhido pelo Conselho Superior do Ministério Público tem “superioridade curricular” face ao nome escolhido nos critérios europeus, não vinculativos, e ataca Poiares Maduro pela “manobra de guerrilha política”.

Em causa está o facto de, segundo indicam os subscritores da carta, em Portugal, na Bulgária e na Bélgica, os nomes que seriam indicados para o lugar de procurador do respetivo país na Procuradoria Europeia de Justiça não serem os nomes selecionados pelo protocolo estabelecido. Ou seja, Poiares Maduro e Rui Tavares criticam o facto de ter havido alegada interferência por parte dos governos destes três países — incluindo do governo português.

Na carta, intitulada “Apelo ao Conselho da UE sobre a sua hipocrisia em relação ao Estado de Direito”, os subscritores afirmam que nestes três casos foi escolhido “um candidato diferente do recomendado pela comissão independente”, o que “ataca a credibilidade da independência da Procuradoria Europeia e do Estado de Direito na União Europeia”. “A União não pode pretender ser defensora do Estado de Direito se o seu próprio Ministério Público nascer em violação desse Estado de Direito”, lê-se ainda.

No caso de Portugal, o nome que acabou por ser escolhido pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, foi o procurador José Guerra, em vez da magistrada Ana Carla Almeida, que seria a primeira classificada de acordo com as regras da comissão independente europeia que supervisionou o processo de escolha dos procuradores europeus.

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Ministério da Justiça responde com “superioridade curricular” do escolhido, e ataca Poiares Maduro

Questionada sobre esse processo polémico em entrevista ao Observador, a 17 de setembro, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, explicou que se tratou de um concurso onde o Governo procurou incluir o Conselho Superior do Ministério Público, para ter uma palavra a dizer no processo de decisão. Ou seja, foi por “respeito” ao CSMP. “O Governo quis, desde a primeira hora, realizar um processo transparente para a indicação de um magistrado para a Procuradoria Europeia. O Ministério da Justiça poderia ter indicado diretamente um nome mas não o fez. Preferimos pedir ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que organizasse um concurso”, explicou na altura, sublinhando que desse concurso resultou que o procurador José Guerra ficou em primeiro lugar, com 95 pontos, e a magistrada do DCIAP Ana Carla Almeida ficou em terceiro lugar com 81 pontos, havendo ainda um segundo classificado, com 92 pontos.

“Entendi que o CSMP deveria ter um papel fulcral nesse processo. O Conselho fez um concurso e colocou o procurador José Guerra em primeiro lugar e a senhora magistrada do DCIAP, que está agora a recorrer dessa decisão, em terceiro lugar. O processo prosseguiu e o painel internacional fez a seleção [escolheu Ana Carla Almeida], mas a escolha é do Estado nacional. Porque razão tomei esta decisão? Por respeito ao CSMP — que é um órgão constitucional. Tínhamos dois magistrados que tinham a mesma categoria profissional e as mesmas classificações, sendo que um estava em 21.º lugar e o outro em 221.º lugar. Limitei-me a seguir e a respeitar a avaliação do CMSP. Não podia escolher o procurador com menor antiguidade. O procurador José Guerra está 200 lugares acima da senhora procuradora do DCIAP”, disse ainda Van Dunem na mesma entrevista ao Observador.

No seguimento da carta aberta, o Ministério da Justiça já respondeu a Poiares Maduro e a Rui Tavares (e aos restantes académicos), num comunicado intitulado “Seleção legítima do Conselho para Procurador Europeu”. É aí que o ministério de Van Dunem explica que tanto o Regulamento que institui a Procuradoria Europeia como a Declaração do Conselho que executa esse regulamento deixam claro que “a indicação do painel de seleção não é vinculativa para o Conselho”. Ou seja, dá legitimidade ao Estado português para fazer a sua nomeação.

“No caso português foi indicado e nomeado o candidato previamente escolhido pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), que desenvolveu um processo de avaliação, envolvendo um júri cuja decisão foi ratificada pelo plenário deste órgão”, volta a explicar a ministra da Justiça em comunicado, sublinhando que, “na avaliação feita, o percurso profissional do magistrado escolhido, não só no plano interno como na dimensão internacional, é claramente superior ao da outra candidata“.

E insiste: “A superioridade curricular do Procurador José Eduardo Guerra é manifesta”, lê-se ainda no comunicado, onde se acrescentam dados curriculares do procurador em questão e dados sobre a sua antiguidade face à magistrada Ana Carla Almeida. No final, o gabinete de Van Dunem critica a “manobra de guerrilha política” protagonizada pelo ex-ministro social-democrata e atira com um episódio do passado.

“O mentor da carta aberta foi membro proeminente de um Governo que, em 2013, fez alterar uma lei da República para interferir na nomeação do Membro Nacional Eurojust, contrariante uma decisão do CSMP. Essa iniciativa, a todos os títulos atentatória da autonomia do Ministério Público e da independência da Eurojust, não mereceu cartas abertas à Europa nem apelos contra aquilo que agora se classifica como “hipocrisia””, lê-se no comunicado.

Além de Poiares Maduro e de Rui Tavares, assinam a carta-aberta outros catorze académicos: Alberto Alemanno, Andrea Simmoncini, Dimitry Kochenov, Dominique Ritling, Federico Fabrinni, Harm Schepel, Laurent Pech, Loic Azoulai, Kalypso Nicolaides, Kim Lane Scheppele, Oreste Pollicini, Paul Craig, Sébastien Platon, Tomasz Tadeusz Koncewicz.