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Béhen. Ela queria pôr a moda a circular e criou uma irmandade sem fronteiras

Este artigo tem mais de 4 anos

Num ano, Joana cumpriu ambos os objetivos. Béhen estreia-se, sexta-feira, no Lab da ModaLisboa. Durante os preparativos, encontrámos uma designer consciente dos seus valores, mas sobretudo do futuro.

É natural de Santarém, mas já passou por Londres e pela Índia. Há um ano, criou a própria marca, assente no reaproveitamento de materiais e na responsabilidade social
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É natural de Santarém, mas já passou por Londres e pela Índia. Há um ano, criou a própria marca, assente no reaproveitamento de materiais e na responsabilidade social

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

É natural de Santarém, mas já passou por Londres e pela Índia. Há um ano, criou a própria marca, assente no reaproveitamento de materiais e na responsabilidade social

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

As raízes locais de Joana Duarte fortaleceram-se com a busca além-fronteiras. Aos 25 anos, não pode dizer que o apelo da moda tenha sido constante. Num percurso de novas descobertas e hesitações, deixou Santarém para estudar em Lisboa. Mais tarde rumou a Londres, onde decidiu abrir um parênteses no historial académico para viver na Índia. Voltou, não com um sentimento de missão, mas com uma noção de dever enquanto designer.

As arcas, mais ou menos bafientas, e os velhos enxovais são a matéria-prima e, em simultâneo, um recreio onde Joana corta, reaproveita e constrói. Béhen, a marca que nasceu há precisamente um ano, lançou exatamente aí os seus alicerces, no compromisso de gerar a novidade a partir do velho. “O Casamento” foi a coleção que a pôs no mapa — a primeira — à base de uma mixórdia ousada de linhos, naperões em crochet, colchas lustrosas, bordado Madeira e toalhas.

Aos 25 anos, Joana Duarte apresenta pela primeira vez uma coleção com um desfile na ModaLisboa

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Na próxima sexta-feira, a jovem criadora celebra as segundas núpcias — não gosta de saltar de tema em tema sempre que muda a estação. Tem pela frente o primeiro desfile, precisamente na plataforma que a viu crescer enquanto marca e projeto que também já atraiu a atenção de imprensa internacional, a ModaLisboa. Só Joana Duarte saberá quantos casamentos virão depois deste, continuação de uma ideia encetada há sete meses, quando uma semana de moda decorria sem as condicionantes ditadas pela pandemia. Haja colchas e bordados, que ela casa as vezes que for preciso.

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Pôr a moda a circular, ir à Índia e voltar. Uma história de saris, colchas e enxovais

“Costumo dizer que fui para a Índia à procura de Portugal”. A frase de Joana não se esgota no sentido poético, é uma ironia palpável sentida na pele por alguém que cresceu numa capital de distrito portuguesa, mas que só no outro lado do mundo se apercebeu de que a afeição pela roupa, passada de geração em geração, é um denominador cultural comum.

“Estive lá quase três meses a estagiar numa empresa de comércio justo, mas também a fazer voluntariado num bairro pobre de Jaipur. Foi quando percebi que havia todo um mundo fora desta bolha em que vivemos”, recorda Joana. “Vi com os meus próprios olhos o que é a fast fashion, visitei algumas fábricas — algumas nem deviam chamar-se fábricas — e isso mexeu muito comigo, Mas também me apercebi de toda a tradição que é passar os saris de uma geração para a outra. Quando voltei a casa, falei com a minha avó sobre o enxoval, algo que na minha família é muito importante”.

Há um ano criou Béhen, marca de moda que produz apenas a partir de tecidos já usados

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O paralelismo foi inevitável e, no regresso a Londres para concluir o mestrado, o futuro na moda era já visto com outras lentes. “Honestamente, nunca achei que fosse ter um projeto meu. Quando fui estudar para fora, questionei-me muito sobre como poderia resolver um problema com aquilo que sei fazer e cheguei aqui. Hoje, não faz sentido desenhar roupa só porque me apetece. Não precisamos de mais designers, precisamos de novas abordagens e novas soluções”, desabafa em conversa com o Observador.

E a primeira de todas foi comprar uma colcha num mercado londrino. Dessa investida pioneira resultou um casaco — giro, na altura, mas não o suficiente para presumir aquilo que viria a ser a Béhen. “Como estudante, que solução poderia encontrar sem utilizar materiais novos? As colchas eram uma possibilidade de fazer coisas diferentes. Fiz toda a pesquisa teórica e terminei o mestrado. Voltar definitivamente para Portugal não estava nos meus planos, mas a minha avó e o enxoval fizeram-me ficar”.

Desde o primeiro dia que o upcycling é o segredo da reduzida pegada ambiental da marca. Afinal de contas, tudo nasce de tecidos em segunda mão — o trabalho a jusante é de construção das peças e decorativo, caso de bordados e aplicação de cristais. “Compro as colchas em feiras e mercados, mas também me chegam muitas de baús do país inteiro. Há mulheres que me mandam mensagem no Whatsapp com fotografias dos enxovais — ‘Gostas desta colcha?’ ou então dizem que a vizinha é que tem coisas para me mostrar. O meu dia-a-dia é muito à volta deste networking de mulheres espalhadas pelo país, acabo por criar uma ligação enorme com elas”.

Béhen, uma marca feita por mulheres

Nem só de responsabilidade ambiental vive a marca de Joana Duarte. Com um ano de vida, Béhen tem em Portugal — mais precisamente no triângulo Lisboa, Sintra, Santarém — o seu centro de decisão e produção, embora as suas ramificações alcancem territórios geográficos e culturais que fazem da marca uma espécie de irmandade global. Para entendê-la, é preciso começar pela própria família e, em especial, pela matriarca.

A primeira coleção “O Casamento”, apresentada em março deste ano na plataforma Workstation da ModaLisboa © Gonçalo Silva

A designer fala da avó como um elemento igualmente fundador. Foi quem a ensinou a costurar e a bordar, é quem continua a ir às feiras para escolher as melhores toalhas de linho, será ela o rosto que a designer vai ter por perto na hora em que aparecer na passerelle improvisada do Parque Eduardo VII para recolher os louros pelo trabalho dos últimos meses. Mãe e irmãs sustentam a cadeia de afetos intrínseca à própria marca. Béhen — derivação da palavra hindi para irmã — resume a ideia de, com mulheres, criar algo para mulheres.

A marca germinou a partir desse núcleo familiar e depressa assumiu a responsabilidade de contribuir para o sustento de outros agregados. “Trabalhamos diretamente com comunidades e com mulheres do mundo inteiro através de uma parceria com a Fundação Aga Khan, daí esta noção de irmandade. São do Bangladesh, da Nigéria, de Marrocos e até mesmo portuguesas. Estão em situação de desemprego e desta forma são pagas de forma justa pelo trabalho que fazem. O meu objetivo é que isto escale e que, um dia, possam ser postos de trabalho a tempo inteiro”, explica.

São perto de uma dezena, contando com o pequeno atelier de Aveiras de Cima, onde é feita parte da produção. É nestas mãos que a perfecionista Joana entrega as peças que idealiza a partir de achados e despojos. Em maio, com o fim do confinamento, voltou a expandir a teia de contactos. Rumou a Tomar, onde, com o apoio da câmara municipal e da Comissão de Festas, fotografou a campanha da primeira coleção, imbuída no espírito da maior festividade da região. O projeto atraiu mais mulheres, sobretudo de meia idade, movidas pelo desejo de voltar a erguer um tabuleiro.

10 fotos

Mas o alcance da marca galga fronteiras. “Há sempre uma percentagem das vendas que reverte para a educação de crianças sírias”, introduz. Fala de um projeto pessoal que, primeiro por intermédio de uma organização mas agora com contacto direto, une Joana a duas famílias radicadas no Líbano. “Nesta coleção em específico, há ainda um valor que financia a luta contra o casamento infantil [através da Girl Up], o que faz todo o sentido, tendo em conta o tema. Ainda é uma realidade em algumas comunidades em Portugal e tem de ser falado”, conclui.

Aos 25 anos, a designer tem metas e prioridades igualmente definidas, o que parece assentar numa capacidade invulgar de separar a marca dos seus princípios. “Aprendi que não nos devemos apaixonar pelo projeto, mas pelos valores que queremos transmitir. Se a Béhen não contribui para solucionar problemas reais, então é só mais uma marca e esse nunca foi o objetivo”.

Upcycling, um caminho com futuro

Encontrámo-nos com Joana numa terça-feira, junto ao Mercado de Santa Clara, em Lisboa. Mesmo a meio gás, a Feira da Ladra é uma espécie de oásis inesgotável de peças prontas a serem convertidas em roupa excessiva, às vezes mirabolante, mas também estranhamente fresca. “Não achei que as pessoas se fossem identificar assim tão facilmente com a marca. Este conceito do enxoval é muito pessoal para mim, mas não sabia que também ia ser para os outros”, assinala.

Joana passa frequentemente pela Feira da Ladra, onde encontra algumas das peças que depois transforma

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Esperança, uma vendedora frequente naquela que é, certamente, a feira mais eclética de Lisboa, sugere de imediato um vestido azul, datado e à espera de um sopro de vida. Transformar peças já existentes em algo novo — o chamado upcycling — acarreta um modelo de negócio com contornos especiais, onde produzir em série é relativo. Joana traz para a conversa a nova-iorquina Bode e a resistência que a marca encontrou por parte dos buyers por não ser capaz de entregar mais de dez peças iguais, mas que se inverteu nos últimos anos. Nós recordamos Marine Serre e as coleções virais construídas a partir de roupa em fim de vida, cuja quantidade jamais deve ser subestimada.

“Vou ter sempre peças únicas, até porque há colchas que não encontro tão facilmente e é importante manter isso. Outras vezes, consigo quatro ou cinco de uma vez e daí consigo fazer uns dez casacos. Esta nova coleção já é uma tentativa de perceber como é que consigo escalar em termos de quantidades”, adianta. Há duas parceiras — as que podem ser adiantadas — que marcam o início deste percurso: com a Tintex, na utilização de dead stock, e com a Satinskin, com quem Joana tem estampado alguns dos materiais reaproveitados.

Em colaboração com a ilustradora Catarina Morais, um teaser da coleção que a Béhen vai apresentar na ModaLisboa, esta sexta-feira, às 14h

Em maio deste ano, a Vogue norte-americana afirmou que, ao mesmo tempo que tenta manter vivas as tradições, a Béhen impulsiona a indústria para o futuro. Constatação merecida que alinha Joana Duarte e a sua visão da moda com alguns dos projetos mais frescos da indústria, a nível mundial. A criadora já tem provas de que o futuro é por aqui — está há um ano implementada no mercado do luxo, vende para dentro e fora do país e com talões que vão dos 300 aos 1.000 euros.

A nova coleção desfila na sexta-feira para dissipar as dúvidas mais persistentes — assistimos a um virar de página para a moda e nomes como este assinam a entrada num novo capítulo.

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