De jeans e terço na mão, na vida offline. No mundo digital, a mesma receita, agora para um auditório ainda mais vasto. De “jovem normal” a “génio da computação”, passando por “anjo da juventude”, são muitos os rótulos para descrever a vida, breve, e a obra, para a posteridade, de Carlo Acutis, o “ciberapóstolo da Eucaristia” que morreu nas primeiras horas do dia 12 de outubro de 2006, aos 15 anos, na sequência de uma leucemia, e que este sábado foi reconhecido como beato, um relevante passo no processo conduzido pelo Vaticano para declarar a santidade de alguém, muitas vezes longo e demorado.

Nascido em Londres em 1991, ainda com poucos meses Carlo rumou com a família para Milão, em Itália, e acabou por morrer em Monza. No verão de 2018, foi declarado Venerável e em 6 de abril de 2018 os seus restos mortais foram transladados para o Santuário do Despojamento em Assis, a pedido do arcebispo de Assis-Nocera Úmbria-Gualdo Tadino, Dom Domenico Sorrentino.

“Tinha uma grande abertura aos outros, sobretudo aos mais necessitados, sem nenhuma distinção de raça ou religião”, garante o postulador de sua Causa de Beatificação, o jornalista do L’Osservatore Romano Nicola Gori, citado pelo Vatican News, autor de “Um génio da ciência da computação no céu”, a biografia de Acutis publicada pela Livraria Editoria Vaticana (LEV), acompanhada pelo documentário produzido pela Officina della Comunicazione e Vatican Media intitulado “La mia autoestrada per il cielo”. Gori recupera a história do adolescente de mochila às costas, que adorava estudar e jogar futebol, como tantos outros, e que se distinguia por ser “capaz de criar programas de computador melhor que os académicos e de usar as redes sociais com o objetivo de evangelização e promoção humana”.

Desde cedo que Carlo se interessou pela Igreja Católica, apesar do inicial distanciamento dos pais. Ainda criança, confessava-se semanalmente e rezava o rosário todos os dias. Pelos 11 anos, começou a catalogar milagres pelo mundo, criando um site para divulgar tais histórias. Com a família, viajava para conhecer os cenários desses milagres, com o fascínio por Assis, na região de Úmbria, à cabeça, a terra de São Francisco. Já adolescente, Acutis ajudou os colegas que assistiam ao divórcio dos pais, acolhendo-os em casa para orientá-los. Por fim, o diagnóstico da doença haveria de travar esta marcha.

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“Eu ofereço todo o sofrimento que hei de ter pelo Senhor, pelo Papa e pela Igreja”, disse o jovem quando recebeu, com serenidade, a notícia da leucemia, deixando como desejo expresso ser sepultado em Assis. É aqui que descansa, de calças de ganga, ténis de uma conhecida marca de desporto, e sweatshirt, numa imagem jovial que voltou a encher as redes, onde espalhou a sua fé. De resto, o túmulo foi aberto no passado dia 1 de outubro, depois de uma missa presidida pelo bispo de Assis, D. Domenico Sorrentino, para um período de veneração que termina no dia 17, às 10h30 locais. Os pais de Carlo Acutis esperam que, “pela exposição do corpo, os fiéis possam elevar com mais fervor e fé as orações a Deus”, cita a Agência Ecclesia.

© Vatican News

Em 2013, e na sequência de muito clamor popular nesse sentido, o Vaticano autorizou a abertura do processo de beatificação. Para que tenha sido declarado beato este sábado, a Igreja reconheceu como milagrosa a cura de um menino de três anos em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. A criança sofria de uma doença congénita no pâncreas e terá melhorado depois da família orar para Acutis, em 2013.

“O verdadeiro milagre de Carlos Acutis é a conversão de fiéis”, confia o frade brasileiro Carlos Acácio Gonçalves Ferreira, o reitor do santuário do Despojamento em Assis, onde o jovem está sepultado. “Não caiu na armadilha. Via que muitos jovens, embora parecendo diferentes, na verdade acabam por ser iguais aos outros, correndo atrás do que os poderosos lhes impõem através dos mecanismos de consumo e aturdimento”, sublinhou ainda o Papa Francisco  na exortação apostólica pós-sinodal ‘Christus Vivit’ (Cristo Vive).

Apesar da juventude de Carlo, a veneração de figuras tão novas está longe de ser facto inédito. Basta recordar o trajeto de Santa Rosa de Viterbo, que ainda adolescente pregava o Evangelho pelas ruas. Considerada desde 1929 a padroeira da juventude, viveu no século XIII e não terá ido além dos 18 anos, com o seu corpo, embalsamado, a repousar num jazigo protegido por um vidro num santuário na cidade de Viterbo, a 80 quilómetros de Roma. À sua maneira e no seu tempo, munido de ferramentas digitais, Carlo seguiu-lhe os passos, recorda a BBC, que já em outubro se alongou sobre a história do italiano então a caminho de se tornar “‘santo adolescente’ da Igreja Católica”.

Em 2019, em Portugal, foi publicado o livro ‘Não eu, mas Deus – Biografia espiritual de Carlo Acutis’ onde o padre Ricardo Figueiredo, do Patriarcado de Lisboa, apresenta a história de vida do jovem que descobriu em 2018. “Carlo começa desde pequenino a dar sinais de fé e de amor a Jesus, com várias histórias que se vão contando, das amas, da própria mãe”, disse em entrevista à Ecclesia. A obra inclui uma memória fotográfica da passagem do adolescente por Portugal, naquela que foi mais uma das suas viagens.

A cerimónia deste sábado, que decorreu a partir das 16h30 (15h30 em Portugal continental), contou com uma alteração face ao inicialmente previsto. Foi presidida pelo Cardeal Agostino Vallini, que rendeu Angelo Becciu, homem forte do Vaticano demitido em setembro pela Santa Sé.