A última vez que Catarina Martins falou com António Costa foi “a meio da semana passada”, visto que, desta vez, ao contrário das negociações dos tempos da “geringonça”, não houve um encontro formal para fechar as negociações antes da aprovação do Orçamento do Estado em Conselho de Ministros. O que houve foi uma troca de documentos mútua. Quem o diz é a própria Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, que, em entrevista à Antena 1 transmitida esta amanhã, avança que, com o que se conhece até agora do Orçamento do Estado, o BE vota contra.

“O BE não parou as negociações, não retira as propostas de cima da mesa e não fecha nenhuma porta. Mas com o que se conhece neste momento, não creio que haja condições para o Bloco de Esquerda viabilizar o Orçamento do Estado”, diz Catarina Martins em entrevista à Antena 1, sublinhando que “os grandes impasses mantêm-se, tanto sobre a forma como respondemos à vaga de despedimentos, como na questão do Novo Banco. Não houve de facto nenhum acordo com o BE feito até ao momento”. Catarina Martins ainda “aguarda” alterações ao Orçamento do Estado — até ao final do dia.

Para Catarina Martins, o Governo fechou o documento de forma “unilateral” sem concluir as negociações com o Bloco de Esquerda e, desta forma, tal como o documento está (e ainda pode sofrer alterações até à entrega na Assembleia, hoje ao fim do dia), o BE vai votar contra. As linhas vermelhas do BE continuam a ser as mesmas — o Novo Banco e a proteção do trabalho, sendo que a proposta do Governo protege apenas “quem tem vínculos mais estáveis”, deixando de fora os precários.

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Sobre o Novo Banco, Catarina Martins insiste que, apesar de não aparecer um cêntimo para o Novo Banco no articulado do OE, não é no articulado do OE que vêm as autorizações de despesa, é nos mapas orçamentais, e nada indica que o Governo não vá colocar nesses mapas uma autorização de despesa para o Fundo de Resolução. E se o empréstimo, mesmo que venha dos bancos privados, passar pelo Fundo de Resolução “quem paga são os contribuintes”. É essa linha vermelha que o BE não aceita pisar.

“Estamos num contexto muito complicado e temos uma responsabilidade muito grande para não enganar os portugueses”, diz ainda Catarina Martins na entrevista, sublinhando que a resposta à crise “exige coragem”. O entendimento à esquerda é “difícil” porque “o PS não cumpriu orçamentos passados, nomeadamente na Saúde”. “O BE não está disponível para aceitar anúncios de medidas cujo impacto na vida das pessoas não seja mensurável, não seja real”, disse ainda, dando o exemplo do proclamado anúncio de contratação de médicos em 2020, que só aconteceu ao fim de sete meses e com uma pandemia pelo meio.

“O SNS não vive de anúncios de medidas, vive de meios e instrumentos concretos”, diz ainda.

A ideia, diz, é que “temos de ser mais exigentes e mais corajosos do que nunca”. “E o que o governo nos está a propor é que respondamos a um tsunami com botes de borracha. O BE não pode dar o voto a isto, não pode dizer que é um caminho possível: não é um caminho possível, é preciso muito mais exigência”, diz Catarina Martins, que sublinha que o BE colocou propostas em cima da mesa, foi fazendo “cedências”, e que o governo é que não foi ao encontro do antigo parceiro parlamentar.

A coordenadora bloquista, contudo, insiste que o BE “não fecha nenhuma porta”. E que tem “muita vontade de fazer acordo”. A votação do Orçamento na generalidade está marcada para o dia 28 de outubro, e hoje até ao final do dia — até o Orçamento dar entrada na AR — ainda à margem para o Governo fazer alterações.

Nova prestação social ainda não convence BE (nem subsídio de risco para profissionais de saúde)

Questionada sobre o que é que não concorda dentro do que consta da versão preliminar já conhecida do Orçamento do Estado, Catarina Martins é perentória: tanto a nova prestação social para os que perderam rendimento na crise como o famosos subsídio de risco para os profissionais de saúde da linha da frente, que podiam ser medidas positivas à partida, não passam, no entender do BE, de “anúncios” proclamatórios que até podem originar tensões e conflitos na sociedade.

A prestação social, para os bloquistas, afinal não é mais do que “um apoio extraordinário de 6 meses”, sendo que alguns trabalhadores até “vão ficar a receber menos do que estiveram a receber ao longo deste ano para fazer face à quebra de atividade”. E o subsídio de risco para os profissionais de saúde, afinal vai ser só para aqueles que “estão direta e maioritariamente em contacto” com doentes Covid, o que quer dizer que a “generalidade dos profissionais das urgências, que recebe doentes Covid e não Covid, vai ficar de fora”. “Isto vai criar uma tensão entre os profissionais de saúde que é inaceitável”, diz.